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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Odair Vituri

  • Nome: Odair Vituri
  • Gênero: Masculino
  • Data de Nascimento: 20/10/1942
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: São Caetano do Sul
  • Profissão: administrador

Biografia

Odair foi o primeiro administrador formado da General Motors.  Ex-aluno IMES/USCS. Trabalhou na rádio Cacique.





Transcrição do depoimento de Odair Vituri

IMES – UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA



PROJETO MEMÓRIAS DO ABC



Depoimento de ODAIR VITURI, 62 anos.

IMES – Universidade de São Caetano do Sul, 07 e 09 de dezembro de 2004.

Entrevistadores: Rita de Cássia Donato dos Santos e Herom Vargas (Dia 07/12) e Rita de Cássia Donato, Vilma Lemos e Amanda Martinez Nero (Dia 09/12).



Pergunta:

Fale para a gente a data e local de seu nascimento.


Resposta:

Sou nascido em São Caetano do Sul, no dia 28 de outubro de 1942.


Pergunta:

Conte para a gente como era sua família, como foi sua infância em termos gerais.


Resposta:

Sou de uma família de operários, sou neto de italianos, tanto por parte do pai, família Vituri, como da parte da minha mãe, família Fiorote. Da parte da minha mãe, sou bisneto de um dos fundadores de São Caetano e meu tio foi um dos líderes autonomistas, chamado Orlando Fiorote. Minha avó materna é Tereza Fiorote, que é nome de uma das escolas do município. Tive uma vida simples, de operário, e aos 13 anos já comecei a trabalhar.


Pergunta:

Vocês moravam onde?


Resposta:

Durante uma grande parte da minha vida nós moramos no Bairro Cerâmica. Nasci na Rua Santo Antônio, que hoje se chama Avenida Senador Roberto Simonsen. No Bairro Santo Antônio, eu morei 17 anos, depois morei um período aqui na Barcelona e hoje vivo no Bairro Mauá.


Pergunta:

Como era o Bairro Cerâmica naquela época?


Resposta:

Eram poucas casas, os quintais eram muito grandes. Todos tinham seu quintal e sua chácara. Minha mãe não era diferente e tínhamos nosso pequeno pomar no fundo da casa, onde a gente tinha frutas. Aprendi tudo sobre cultivar plantas, o que faço hoje em Atibaia, porque não tem espaço em São Caetano.


Pergunta:

Subia em árvores?


Resposta:

Sim. Tinha parreira de uvas na minha casa e uma das brincadeiras que fazia com meus irmãos, brincando de cowboy e índio, sempre estava subindo ou descendo das árvores. Uma vez cheguei até a flechar meu irmão com uma flecha que eu mesmo fabriquei, numa brincadeira. Acertei o braço dele com uma flecha de bambu.


Pergunta:

Vocês eram quantos irmãos?


Resposta:

Nós éramos três irmãos e sou o do meio. Meu irmão mais velho é o Ivandir, empresário aposentado e meu irmão mais novo é Ademir, também aposentado, mas trabalhou sempre na área de finanças.


Pergunta:

Que outras brincadeiras vocês tinham, com os amigos de infância?


Resposta:

Na infância nós tínhamos a felicidade de jogar bola em campinhos. Joguei muito futebol. Mas era sempre aquela história, de só jogar se o dono da bola estivesse presente, porque nunca tive uma bola. Eu vivia de convite dos amigos do bairro. Também a gente procurava jogar bola de gude. Tentava ser o bom para ver se conseguia bola de gude dos outros. Nosso prêmio era esse.


Pergunta:

E seu estilo de vida?


Resposta:

Muito simples. Meu pai era operário. Ele foi auxiliar de química no Laboratório Paulista de Biologia e o máximo que ele conseguiu ganhar foi dois salários mínimos, então tive uma infância de dificuldades, mas dividindo entre os irmãos aquilo que meu pai conseguia. Mas graças a Deus, com honestidade, a gente conseguiu chegar onde estamos hoje.


Pergunta:

Sua mãe trabalhava fora?


Resposta:

Ela trabalhou fora para ajudar meu pai durante um período e a minha mãe trabalhava como costureira. Costurou um pouco em casa e depois ela foi trabalhar na Cerâmica Sul-Americana, num trabalho muito duro, de fabricar e prensar ladrilhos. Lá ela foi mutilada, ela perdeu um dedo na prensa e um ficou defeituoso, num ângulo de noventa graus para o resto da vida. Ela morreu assim. Nunca foi indenizada.


Pergunta:

Você era pequeno?


Resposta:

Sim, e por isso fui mais criado pela minha avó, mãe da minha mãe. Ela era viúva e hoje é nome de escola. Uma mulher que ficou viúva, com três filhos, o marido morreu com 33 anos e ela criou minha mãe, que é a mais velha, um tio meu que foi autonomista e uma tia que morreu agora em 2001, por último, que ficou solteira. E ela conseguiu criar os filhos e foi meu exemplo de vida, porque ela morreu com 94 anos e meio e até os últimos dias dela foi lúcida e me lembro da minha avó que ela foi otimista a vida inteira e falava que ia dar tudo certo. Foi ela que me ensinou o pouco de música que tenho.


Pergunta:

Fala para a gente como era a escola naquela época.


Resposta:

Eu entrei muito tarde para o primário. Eu nasci em 1942 e só em 51 comecei o primário porque meu pai esperava vaga nas escolas públicas. Naquele tempo São Caetano tinha poucas escolas, por volta de 3 ou 4 e como a gente morava no Bairro Cerâmica, na Rua Monte Alegre existia o Grupo Bartolomeu Bueno da Silva. A gente ficava esperando vaga e nunca tinha. Aí meu pai, gastando todas as economias que ele tinha colocou nós numa escola particular, na Escola Paroquial São Caetano, que hoje se chama Instituto de Ensino Sagrada Família, um colégio pago. Ele fazia muito sacrifício para pagar a escola para a gente. E graças a Deus a gente não repetiu nenhuma vez, o que podia desmotivar todo o esforço dele. Eu me formei em 1954. Uma das coisas que gostaria de ter feito em 2004 era comemorar o cinqüentenário da formatura do meu primário.


Pergunta:

Depois que o senhor terminou o colégio?


Resposta:

Eu me formei em 1954 e consegui fazer o exame de admissão ao Colégio Estadual, que naquela época era como se fosse um vestibular. Consegui, em 1955, entrar no Ginásio Estadual Coronel Inácio Carvalho, que ficava na Rua Elisa Pamplona, hoje Colégio Senador Fláquer. A gente estudava de noite, porque com 13 anos já estava trabalhando no meu primeiro emprego, sem carteira. Nos meus três primeiros empregos não tive carteira assinada. Eu era monitor de uma escola de datilografia em São Caetano, fiscalizando os alunos que estavam querendo olhar no livro e no teclado da máquina de escrever, o que não era permitido. Eu ganhava 30 centavos para fazer isso. Só no meu terceiro emprego, no Banco Real do Comércio, é que consegui ganhar 50 centavos por mês. Foi a minha glória.


Pergunta:

Você tinha quantos anos?


Resposta:

Com 14 anos, o que já era o meu terceiro emprego. Já tinha trabalhado antes no escritório de uma mineradora, tirando nota fiscal.


Pergunta:

Seus irmãos também trabalhavam?


Resposta:

Sempre trabalharam. Em 1955 fiz o primeiro ano de ginásio e terminei no ano de 1960, que foi o ano de inauguração de Brasília. Eu não fiz só quatro anos. Eu fui reprovado.


Pergunta:

Você vivenciou o período da Primeira Guerra Mundial. Você se lembra de algum acontecimento?


Resposta:

Eu nasci durante a guerra, que terminou em 1945. Meus pais tinham dificuldade, não tinham todos os produtos disponíveis. Existia cota de açúcar. A gente precisava pegar vales e ficar na fila. A Sunab vendia arroz e feijão e a gente comprava em cotas. Sei que a gente ainda era pequeno e os pais trocavam, para ficar na fila e conseguir os vales para comprar os produtos. A carne também era racionada, então a gente comprava miúdos, que eram vendidos em carrocinhas nas portas das casas. Naquela época se temperava com toucinho. Eu tinha dificuldade de conseguir cadernos, então a gente procurava em São Paulo campanhas. Não sei se a Prefeitura patrocinava, a gente era pequeno e não me lembro, vendas de cadernos populares. A gente ia lá comprar. As escolas exigiam, mesmo as do Estado, que a gente tivesse uniforme, com paletó e gravata. Meu pai ia comprar na Rua General Carneiro, na metropolitana. Eu ter um terno novo ou um sapato novo era a glória.


Pergunta:

Vocês ouviam rádio?


Resposta:

O rádio era muito importante para nós, porque a gente só tinha o rádio como meio de comunicação. Minha mãe vinha do trabalho, a gente fazia comida, naquele tempo o fogão era a carvão, ela fazia a janta e depois ela escutava radionovela. Meu pai gostava... Eu tinha bronca dele, porque ele gostava de ouvir um programa de rádio que eu detestava. Na Rádio Record tinha um programa chamado O Crime Não Compensa, do Talmo de Oliveira. Ele foi um dos precursores dos programas de audiência discutível, que falam muito da criminalidade. Eu não gostava muito, porque era criança e me assustava, principalmente com as músicas e a dramatização da parte central do relato do crime.


Pergunta:

Era na Rádio Record?


Resposta:

Sim. O Crime Não Compensa.


Pergunta:

Naquela época ele escutava alguma rádio da região?


Resposta:

Não. Naquela época não, porque não sei quando apareceu a rádio no ABC, mas Santo André foi o lançador das rádios no ABC. São Caetano e São Bernardo vieram depois. Não lembro muito bem do nome, mas da Rádio Clube de Santo André me lembro muito bem.


Pergunta:

E a televisão?


Resposta:

A televisão surgiu na minha vida em 1964, quando comecei a ver televisão pela primeira vez. Ia à missa às oito da manhã e vinha correndo da missa e ia para o Bar do Sá, que ficava a um quarteirão da minha casa, na esquina da Rua São Paulo, onde tinha uma televisão branco e preto colocada na parte superior para todo o pessoal poder assistir, e a televisão era tão importante que tinha até cadeirinhas para o pessoal assistir. A minha glória era ir de domingo às dez horas assistir ao Teatro da Juventude, com Homero Silva. O pessoal começou na televisão com a TV Tupi, canal 3. A televisão começou aí. Na minha casa só nos anos 60 que meu pai conseguiu comprar uma televisão usada.


Pergunta:

Você falou que as brincadeiras de criança eram de cowboy?


Resposta:

Escondido do meu pai, porque meu pai não queria. Ele sempre me ensinou e até hoje abomino armas. Como a gente assistia a filmes de cowboy e a gente fazia curso de catecismo na Matriz de São Caetano para fazer a primeira comunhão, tinha o cineminha dos padres que passava os filmes de cowboy. Isso foi despertando a criança a imitar. O que a gente fazia, por causa do meu pai? Ele nunca ia comprar uma arminha, um revólver. Eu pegava um barbante, fazia um cinto duplo, pegava capa de caderno do ano anterior, recortava, e como ficava olhando minha mãe costurar, eu sabia mais ou menos como furar com uma agulha grossa e passar um barbante e eu fazia uma cartucheira de papelão. Aí subia na árvore, pegava um galho de árvore que tivesse um ângulo de noventa graus, pegava uma faca velha e ficava esculpindo um revólver de madeira. E fazia também para o meu irmão mais novo poder brincar. Naquele tempo tinha poucos sacos plásticos, mas a gente descobriu alguns, eu acho que de açúcar ou alguma coisa parecida e quando a minha mãe estava para chegar do serviço, a gente pegava as cartucheiras e tudo e colocava no saco e escondia. A gente ia ao fundo do terreno e enterrava, para a minha mãe não descobrir. Até que um dia nós fomos denunciados e acabou a brincadeira. O cachorro foi cavar lá e descobriu e acabou minha brincadeira. O cachorro me denunciou.


Pergunta:

E você ia ao cinema?


Resposta:

O único cinema que tinha era o da igreja, dos padres.


Pergunta:

Mas já tinha cinema na cidade?


Resposta:

Já. O da Rua Perrela não lembro o ano, mas depois teve o Cine Max. O da Rua Perrela era o Cine Central. Esse foi mais freqüentado pela minha mãe e minha avó, que sempre comentavam a respeito dele. Não me lembro. Se fui, meu pai me levou e não lembro. Mas no caso do Cine Max, eu comecei a freqüentar. Depois, não sei a seqüência, mas sei que nos anos 50 o melhor cinema era o Cine Vitória. Foi lá que depois..., eu mais namorei lá. Aliás, eu conheci a minha esposa no cinema.


Pergunta:

Como foi essa história?


Resposta:

Foi engraçada. Eu conheci a minha esposa dentro do cinema, numa quinta-feira, que era o dia das moças, as mulheres não pagavam. Meu pai e minha mãe não estão vivos agora, então posso falar, porque quando eles estavam vivos não podia falar, mas um dia eu saí da aula mais cedo para poder assistir ao filme. Eu precisava começar a namorar, então comecei a maquinar onde estavam as mulheres e lembrei que tinha cinema grátis para as mulheres. Eu sempre fiquei paquerando as meninas no ginásio, mas isso foi em 1963 e numa das quintas-feiras, no dia 23 de março de 1963 eu fui ao cinema, sentei lá e estava assistindo ao filme e tinha duas moças sentadas duas cadeiras para lá. Enquanto estava assistindo, uma das moças olhou para trás, para mim. Eu imaginei que tinha olhado para mim, mas depois soube que tinha olhado coisa nenhuma. Eu achei que tinha olhado para mim e fiquei pensando. Mas eu não tinha coragem de ir falar. Depois eu soube que ela estava com a irmã, a Marlene, minha esposa se chama Rose, que estava com a irmã dela que é falecida agora, e elas estavam discutindo quem ia tomar a iniciativa de ir embora mais cedo porque o filme não estava agradando. Uma falava para ir, a outra para esperar mais um pouco. Sei que elas levantaram e foram embora. Quando ela passou, ela olhou para a fila em que eu estava e de novo eu imaginei que ela tinha dado uma olhada para mim. Pensei: Está na hora de ir embora. Eu fui atrás e comecei a seguí-las, até que um cachorro passou no meio de nós e tentou avançar nelas e eu fui para cima do cachorro para espantar. Era o que eu queria, a chance de conversar com ela. Com a história do cachorro me aproximei e fomos conversando até perto do portão da casa dela. Falei se podia voltar para conversar outro dia e foi por aí.


Pergunta:

O cinema foi o motivo. E pouco mais para frente, a faculdade. Como o senhor entrou?


Resposta:

Eu fiz o ginásio e entrei no Afonso Carvalho para fazer o colegial científico, porque meu pai colocava na minha cabeça que eu tinha de ser engenheiro desenhista. Não existe essa profissão. Mas na simplicidade dele, não teve estudo, só o primário, ele achava que essa era uma boa profissão. Não é que fui fazer o científico porque ele queria que eu fosse engenheiro desenhista? Eu terminei o científico em 1965 e fui querer fazer a carreira de engenheiro. Em 1966 me inscrevo no vestibular. Fui fazer na Engenharia Mauá, o próprio Rosemberg dentro da classe comandando o vestibular. Levei o maior pau, numa expressão que vocês conhecem. Não passei. Prestei vestibular na FEI, fui selecionado e não classificado. Se você tirava nota mínima você era selecionado, mas aí entrava na classificação, porque eles só tinham 60 vagas na faculdade. Fiquei esperando a minha vaga. Até hoje estou esperando a minha vaga, porque foi selecionado, passei, mas não fui classificado. Você ficava esperando o ano seguinte, mas isso foi em 1966, e em 67 o ministro da ditadura acabou com isso e foi cassada essa forma de seleção e classificação. Veio só o classificatório, como é hoje.


Pergunta:

E o IMES?


Resposta:

O IMES apareceu, isso foi em 1966, você prestaria em 1965. Mas aí aconteceu o que foi um trauma na minha vida, que foi um processo que começou em 1963 e veio eclodir em 1966, que foi uma úlcera sutorádica. Eu tive essa úlcera e fui parar, no dia 22 de novembro de 1966, no Hospital Santa Cruz, na Rua Cubatão, e tive uma operação terrível, de mutilação interna, onde perdi todo o meu duodeno e um quinto do meu estômago. O meu estômago foi ligado direto no esôfago. Isso mudou a minha vida, porque fiquei 4 meses sem trabalhar e ficava impaciente, fiquei muito tempo hospitalizado também, sem fazer nada. Quer dizer, aprendi xadrez sozinho no hospital, porque não agüentava ficar parado, sem fazer nada. Quando me recuperei, já era 1968 e me preparei para o vestibular, ainda tentando engenharia. Para isso fui fazer três meses de cursinho no Grêmio da Politécnica. Se for para rachar, vamos direto na USP ou ITA. Depois de três meses já não agüentava mais nada, porque vivia só de purê de batata para poder me recuperar. Tinha tanto espaço interno que quando andava os órgãos internos balançavam e me sentia mal. Eu vi que precisava maneirar um pouco. Eu parei com o cursinho e prestei vestibular na ESAN, Escola Superior de Administração e Negócios. Na primeira vez que tentei, passei e comecei o primeiro ano de administração. Graças a Deus consegui o que queria, porque eles tinham um programa em São Caetano que os primeiros classificados receberiam bolsas de estudo da prefeitura e eu fui o nono colocado e consegui. Meu pai sempre falava: Não adianta você tentar uma escola de engenharia que não fosse pública. Daí eu ter tentado entrar na USP, porque ele falava que seu entrasse numa faculdade particular, ele não tinha como me sustentar, e o que eu recebia, também não daria. Em 1968 eu já tinha emprego com carteira assinada, desde 2 de fevereiro de 1958, mas ganhava muito mal.


Pergunta:

Você começou a estudar na ESAN?


Resposta:

Comecei em 1968, fiz o primeiro ano lá e depois encontrei um monte de gente “revolucionárias”, que já estavam reclamando do ano anterior. Pessoas que estavam no segundo ano encontravam pessoas do primeiro ano e falavam mal da escola, que era a sucursal da ESAN em São Caetano, que entre eles tinha o Marchetti, Masserise, aquilo que depois, no fim de 1968, criaram o Grupo dos 11. Eles começaram a fazer um movimento dentro da escola para acabar com a ESAN e juntar com o movimento que já existia na Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais de São Caetano para uma ampliação. Naquelas conversas, quando o grupo falava com o Prefeito Braido, ele sempre dizia que não podia incorporar a disciplina Administração na Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais de São Caetano do Sul porque já existia um convênio com a ESAN, que já tinha o curso de Administração. Somente se fechasse. Devido a isso nós começamos um movimento dentro da escola para acabar com a ESAN. Nós começamos o movimento, e do professor que mais faltava nós começamos a sabotar as aulas. O professor entrava na classe e nós virávamos as carteiras de costas. Nós ficávamos sentados de costas, mudos, e ele tinha de falar com as costas da gente. Ele não agüentava. Ficava um pouco de tempo dando aula, mas nós ficávamos impassíveis, duros, de costas, sem abrir a boca. E aí o diretor reclamava, falava que ia suspender todo mundo. Tudo bem. A gente voltava para a posição normal, mas na semana seguinte o professor vinha dar aula, pegava outro, ele não conseguia dar aula. Nós pegávamos a mesa do professor e colocávamos no meio do pátio. Ele não tinha mesa.


Pergunta:

E com isso, como ficou o curso?


Resposta:

Já era o ano de 1968, que vocês conhecem muito bem, o ano que não terminou. Aconteceu muita coisa nesse ano, no mundo inteiro. Houve a invasão da ESAN pelos alunos desgostosos com a mensalidade da ESAN de São Paulo, invadiram a escola na Rua São Joaquim e chamaram a gente para ajudar na greve. Nós fomos lá fazer o movimento junto com eles. O DOPS cercou toda a região, tivemos de pular o muro do Diretório Acadêmico, um muro de três metros de altura, para poder fugir...


Pergunta:

E como acabou o movimento?


Resposta:

No fim houve um encontro de necessidades. A Prefeitura também, já havia um movimento na Câmara, o Oscar Delotto, que é um dos ex-diretores daqui também participava da administração naquela época, então houve um encontro de interesses. Nós estávamos descontentes com o tipo de curso que nós tínhamos lá e aqui a faculdade queria, tinha interesse de incorporar a modalidade Administração e no fim acabou acontecendo.


Pergunta:

O curso de Administração veio para o IMES?


Resposta:

Depois foi chamado IMES. Começamos com Faculdade de Ciências Econômicas, Políticas, Administrativas e Sociais de São Caetano do Sul e depois, no mesmo ano de 1968, mudou para IMES, Instituto Municipal de Ensino Superior, e agora Universidade.


Pergunta:
E a história do programa de rádio que você participava, na Rádio Cacique?


Resposta:

Fui membro de uma equipe chamada Equipe 8, que criou e durante três anos e meio produziu, dirigimos e apresentamos o programa Ente Estudante. Era destinado exclusivamente à classe estudantil. Agora, passados 40 anos, algumas pessoas nos procuraram, historiadores e memorialistas, precisaria confirmação disso, de que esse foi o programa, que durou três anos e meio, de maior longevidade, ou duração no ar no Brasil. Depois de nós teve um programa que durou um ano na Rádio Nove de Julho, na época que os padres dirigiam aquela emissora.


Pergunta:

Isso em São Paulo?


Resposta:

Sim. A Rádio Cacique era uma rádio comercial na época e esse programa começou, embrionariamente, em novembro de 1963 e foi oficialmente criado no dia 11 de janeiro de 1964, não sei a data precisa de término, mas foi em meados de 1967. Ficou três anos e meio no ar, só era apresentado durante uma hora, aos sábados, das 13 às 14 horas, na Rádio Cacique, que hoje não existe mais. Esse programa nasceu sem nenhuma estrutura do ponto de vista de rádio, porque era feito por uma equipe de oito estudantes, onde nenhum dos oito tinha experiência com rádio ou coisa parecida. Eu, meu irmão e o Moacir tínhamos algumas experiências. O Moacir sempre foi um emérito e eloqüente orador, já nasceu orador, Moacir Ricci, que também é fundador do IMES, sempre foi um orador. Ele era colega nosso de escola e a gente acabou se encontrando num curso de oratória, patrocinado pelo SESI, um curso onde nós tivemos de solicitar ao SESI que criasse uma classe especial aos domingos, porque era formado só por estudantes e o SESI não tinha, naquela época, só de segunda a sexta que tinham os curtos e o professor José Monteiro Júnior, baseado numa lista de 26 colegas estudantes, que nós arregimentamos em uma semana, acabou criando um grupo de estudantes para fazer um curso de prática de oratória, que era sempre realizado aos domingos, das oito às dez horas da manhã na Rua Santa Catarina n. 25, 2º Andar. Lá tinha uma sala de aula e entre esses colegas estava Moacir Ricci, meu irmão Ademir Vituri e um colega chamado Milton Moreto. No dia que terminamos o curso, no último dia, era quase hora do almoço, num domingo, estávamos subindo a Rua Santa Catarina, caminhando, eu na frente com o Moacir e o Milton e o meu irmão atrás e eu perguntava: Moacir, o que vamos fazer? Acabou o curso de oratória e se a gente não praticar, nós vamos desaprender todo o ensinamento que nós tivemos. Apesar de ter aprendido que oratória é como andar de bicicleta. Você não esquece tudo, mas nós devemos praticar. Mas como vamos praticar? Eu falei que não sabia, mas quando falei isso, coçando a cabeça, olhando para cima, mas quando olhei para cima, estava embaixo do letreiro da Rádio Cacique de São Caetano. Estava no número 97. Aí o Moacir fez a pergunta de novo e eu falei: Já sei! Aqui. Apontei para cima e ele viu a Rádio Cacique.


Pergunta:

E aí vocês foram fazer o contato na rádio?


Resposta:

Imediatamente. Era domingo, quase hora do almoço e nós vimos a porta entreaberta. Nós subimos, invadimos a rádio. Nós não sabíamos que naquele domingo o Sr. Mário Ferreira, que era diretor da rádio, nós descobrimos isso posteriormente, que domingo era um dia tranqüilo e ele vinha à rádio para colocar em ordem a contabilidade, ver como andava o caixa da rádio.


Pergunta:

E vocês subiram na hora?


Resposta:

Ele deixou a porta entreaberta e nós subimos e fomos lá falar com ele. Chegamos para o Mário Ferreira e falamos que éramos estudantes, tudo inventado na hora, que tínhamos ido lá para pedir um horário grátis para fazer um programa estudantil. Ele fez assim com a cabeça: Eu não ouvi direito. Você podia repetir? Com aquela cara de pau falei: Nós viemos pedir um horário grátis para fazer um programa estudantil. Mas isso foi tudo inventado na hora.


Pergunta:

Qual era a idéia do programa?


Resposta:

Não tinha nada. Aquilo foi inventado na hora. Ele ficou com tanta raiva que, naquela época não existiam as cadeiras giratórias estofadas, eram de madeira com rodinhas de ferro, ele empurrou com os pés, ela bateu na parede e voltou, de tanta raiva. Ele xingou, no mínimo, foi de petulante e para cima. Vocês estão loucos e falou palavrões que são impublicáveis. Nós não saímos, mas ficamos impassíveis na frente dele. A gente não saiu e ficamos repetindo para ele. Ele ficou tão maluco que falou: Vou acabar com o papo de vocês. Tem um programa aos sábados, ABC Social, com o Carlos Neves, e vou pedir para o Carlos entrevistar um de vocês e vou querer saber como vocês podem fazer o programa. Dito e feito. No sábado seguinte a gente está lá, e ele entrevistou a gente. A gente falou que éramos estudantes, que queríamos fazer um programa de rádio estudantil. E o Carlos Neves perguntava para a gente: Vocês têm alguma coisa estruturada? Nós mentimos: Claro, nós temos tudo planejado, uma equipe montada. É só o diretor nos autorizar e nós começamos a funcionar no sábado que vem mesmo.


Pergunta:

E quando ele autorizou?


Resposta:

Essa entrevista foi feita num sábado, no outro ele queria ver se era isso mesmo. Nós montamos tudo numa semana, ocupamos cinco minutos dentro do programa do Carlos Neves tentando fazer alguma coisa. Esses cinco minutos viraram dez e depois quinze. O Carlos Neves foi reclamar para o diretor que a gente estava invadindo o programa dele, que era de uma hora e a gente estava tomando muito. Nós falamos com o Mário: Desse jeito você vai ter de dar um espaço para a gente. No fim ele falou que ia acabar com a gente. Ele deu um espaço de quinze minutos, só nosso. Nós caprichamos, montamos uma estrutura com 11 passos, tudo direitinho, começamos com quinze, depois fomos para vinte e cinco, depois para trinta e acabamos com uma hora. Ficamos três anos e meio na rádio.


Pergunta:

Como era o programa?


Resposta:

Ele tinha uma abertura padronizada, eram 11 seções, a primeira era a abertura, tinha algumas notícias mais importantes do dia, mas que a gente dava um flash, depois ia para o editorial do programa, que chamava “Nossa Missão”, que era a minha parte. Eram três minutos, tudo cronometrado. Depois tinha variedade, música, poesia, tinha “A Sétima Arte em Foco”, onde a gente falava de cinema e tudo em torno do estudante, tudo que o estudante se interessava. Dava-se cobertura de todos os bailes pró-formatura, tudo que o estudante fazia de bom, os movimentos estudantis. Até muita gente podia falar.


Pergunta:

Vocês tiveram alguma modificação?


Resposta:

A coisa começou de um jeito e terminou de outro. Nós começamos em 1963, em plena democracia. Quando chegou o dia 1º de abril de 1964, nós entramos numa ditadura de quase um quarto de século. Nessa ditadura, os mais visados eram os estudantes. Nós tivemos dias muito difíceis a partir daí. O primeiro programa de abril de 1964, quando nós fomos fazer o programa, não era dentro da rádio, dentro do estúdio tinha um oficial do exército, patente acima de tenente ou major, que se plantava em pé no estúdio, um estúdio pequeno, onde só cabiam duas pessoas, nós tínhamos dois microfones, aqueles tipo ralador de queijo da RCA e o outro era um Philips, tipo cabeça de papagaio. Vocês podem não acreditar, eu não guardei qual foi a nossa primeira missão nesse primeiro dia de ditadura, porque a gente não sabia que estávamos entrando na ditadura. Na verdade tinha um golpe militar com um envolvimento político que a gente achava que seria passageiro. Mas me lembro, até hoje, do primeiro parágrafo da nossa missão de abril de 1964, que eu, para desafiar o militar que estava lá, a gente era jovem e só fazia bobagem, desafiar era com a gente mesmo, então mudei a entonação. Ele queria ver, antes de começar o programa, ver o script do programa. Quando ele soube que tinha editorial, esse foi o primeiro que ele pediu. Eu falei que ele não ia ver. Eu falei que ia fazer o programa como sempre fiz. Eu não usava a palavra censura na época. Mas nem o diretor da rádio sabia o que eu ia falar. A minha sorte foi que ele começou a falar, mas o programa já entrou no ar e eu ignorei. Nós começamos a tocar o programa. Ele ficava angustiado porque não tinha conseguido, mas também não podia interferir, porque ele entraria no ar. Existia uma frase que não tinha nada a ver. A gente ia dizer que naqueles dias, na verdade as aulas em São Caetano não tinham parado, estava tudo normal, então a primeira frase era que as aulas tinha sido normais. Só que eu mudei a entonação para provocá-lo. Eu falei: Apesar de todo movimento político-militar desta semana... Aí ele levantou. Ele ficou em pé, se inclinou e aí eu desarmei ele: ... As aulas em São Caetano foram normais. Ele queria morrer.


Pergunta:

Que outro tipo de interferência vocês tiveram?


Resposta:

A interferência foi mais em cima da direção da rádio. Se vocês forem ver as atas nossas, nós já estávamos prevendo que alguma coisa ia acontecer, porque no ano que precedeu, em 1963, João Goulart estava tendo muita dificuldade, aqueles comícios, houve aquela manifestação de tenentes no Rio de Janeiro, marinheiros e tudo mais, e a gente estava vendo que a coisa estava ficando quente. Então, um mês antes, isso eu tenho documentado no nosso livro de atas, que achamos depois de 40 anos, e está documentado numa reunião que nós fizemos no dia 1º de março de 1964, na casa do Milton, e o Moacir disse que..., nós mesmos nomeamos o Moacir como nosso diretor, e ele disse: Nós não vamos entrevistar nenhum político daqui para a frente, mesmo que ele não venha falar de política. Um mês antes nós criamos um obstáculo, um cerceamento, para evitar alguma coisa, que ele talvez previa que pudesse ocorrer. Apesar da nossa juventude, a gente previa que alguma coisa poderia acontecer. E aconteceu. Mas nunca houve, daí para frente nunca foi tomada nenhuma medida contra a gente. Nós ficamos no ar e nunca precisamos submeter o nosso material à censura.


Pergunta:

Em algum momento o programa foi patrocinado?


Resposta:

Foi. Essa era uma das condições que o Mário Ferreira colocou para a gente e depois foi seguida pelo sucessor dele. O Mário Ferreira, diretor da rádio, acabou se suicidando. Ele se atirou do Viaduto do Chá, não sei precisar a data. Ele foi sucedido por José Astolfe. Ficou condicionado que nós ficaríamos no ar desde que arrumássemos patrocinadores. O nosso trabalho sempre foi pautado em busca de um patrocinador. Mas ninguém queria patrocinar um programa estudantil. Se nós não conseguimos, dentro do curto espaço de tempo que nós vivemos na democracia, muito pior depois que houve o movimento militar. Depois do movimento militar, ninguém queria patrocinar um programa estudantil. O único corajoso só fui conhecer quase no final do programa. Através do Mário Bardela, que o pai dele trabalhava na GM e tinha conhecimento e foi ver se a GM patrocinava. O diretor da rádio achou que a General Motors seria um bom patrocinador e escreveu uma carta em agosto e em outubro a GM apoio e pagou 140 mil cruzeiros, naquela época, para a rádio. Foi a nossa salvação.


Pergunta:

Que outros programas havia nessa emissora?


Resposta:

Pouco me lembro. Nós não éramos contratados da rádio. Esse trabalho era todo voluntário. Nós íamos à rádio uma vez por semana. Nós íamos duas vezes aos sábados. Por que duas vezes? Nós íamos uma hora antes de começar o programa, ou meia hora antes, para estruturar o programa, que entrava no ar à uma hora. A gente se organizava e fazia um pequeno ensaio. Mas, todo sábado pela manhã, nós íamos escolher as músicas na discoteca da rádio, porque no sábado a discoteca fechava às onze horas. Nós tínhamos de ir das nove às onze horas escolher todas as músicas.


Pergunta:

Você se lembra que músicas vocês normalmente tocavam?


Resposta:

Sim. A abertura de “A Sétima Arte em Foco” era “Exodus”. A minha fala de abertura era permeada pela música “Look For The Star”, que era uma música famosa do filme “Se Meu Apartamento Falasse”, do Jack Lemon. E por que era essa? Porque minha namorada adorava e me fez aprender a cantar em inglês para cantar para ela.


Pergunta:

Tinha uma parte do programa que era só música?


Resposta:

Tinha. Chamava-se “Página Musical”.


Pergunta:

Quais músicas tocavam?


Resposta:

Sempre as mais pedidas pelos colegas na classe, na escola. Você tinha as músicas da geração de 50 e de 60. Tinha Bossa Nova, Caetano, Beatles e cantores nacionais que a gente prestigiava.


Pergunta:

Tinha cantores da região?


Resposta:

Não. O único cantor contemporâneo nosso, que estudava com a gente e tocava violão na praça era o Jair, não lembro o sobrenome, que hoje se chama Jerry Adriani. Outro, que depois se notabilizou na televisão, na Globo, foi a primeira esposa do meu professor de português, Marilena Chiarelli, que foi apresentadora do Jornal Nacional e hoje é funcionária de um Ministério em Brasília.


Pergunta:

E como era o convívio com eles?


Resposta:

Eu tive pouco contato. Eu estudava no ginásio e vinha a pé lá do Bairro Cerâmica e ele sempre ficava na praça e pegava um violão e ficava cantando músicas italianas. Ele tinha essa mania de cantar músicas italianas. E o professor Amaral, que era o bedel da escola, ficava pegando no pé da gente, falando que ia pôr falta. E como eu já tinha repetido, eu ficava com medo de pegar mais faltas. Eu ficava ouvindo um pouco. Mas não passava pela nossa cabeça que um dia ele faria sucesso.


Pergunta:

A Jovem Guarda também estava no início?


Resposta:

Estava. Depois a gente assistia na Record aos festivais. E naquela época a gente ficava chateado, porque era uma fase que eu já tinha passado e tinha desistido, porque eu cheguei a tocar na escola, eu fiz parte de um conjunto chamado Vinte e Oito de Julho, que é a data da fundação. Hoje a gente dá risada com uma banda que tem um nome desses, mas na época era bom. Imagine hoje um nome desses.


Pergunta:

Você tocava o quê?


Resposta:

Eu nunca aprendi música. Hoje canto em dois corais, mas naquela época eu fazia percussão. Tinha o Bombril que tocava, o Valdemar Zambrana na harmônica, o Edson Salgueres no piano e eu ficava lá atrás com o pandeiro. Até bongô eu tocava. A gente fazia um barulho, como toda banda, aceitável.


Pergunta:

Que gênero de música<



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