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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Valdenizio Petrolli

  • Nome: Valdenizio Petrolli
  • Gênero: Masculino
  • Data de Nascimento: 23/03/1950
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: Quatá (SP)
  • Profissão: jornalista / advogado

Biografia

Valdenizio Petrolli veio para Santo André e teve seu primeiro emprego com 13 anos. Cursou jornalismo e direito, tornando-se mestre e doutor em comunicação pela Universidade Metodista de S. Paulo, com pesquisa sobre a imprensa no ABC. Trabalhou no Diário do Grande ABC, foi professor em cursos de comunicação e atuou também como assessor de imprensa. Participou de greves de jornalistas na região e vivenciou as greves dos metalúrgicos no final dos anos 1970.





Transcrição do depoimento de Valdenizio Petrolli em 06/07/2005

 

Depoimento de VALDENÍZIO PETROLLI.

Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 06 de julho de 2005.

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC 

Entrevistadores: Vilma Lemos, Priscila F. Perazzo e Olga Fávero.

Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.

 

Pergunta: Por favor, comece falando a data e o local de seu nascimento e conte um pouco sobre sua infância.

 

Resposta:

Nasci na Fazenda João Jorge, no município de Quatá, São Paulo, região da Alta Sorocabana, e com um ano e pouco mudei para Londrina e deixei Londrina, ainda criança, em dezembro de 1956. Fomos para Rancharia, interior de São Paulo e de lá tomamos o trem na Sorocabana na primeira semana de janeiro de 1957 já estava em Santo André, onde moro até hoje.

 

Pergunta: Fale um pouco da sua infância, seus irmãos.

 

Resposta:

Só tenho uma irmã, Ondina, que é mais velha. Eu tive uma infância maravilhosa. Meus pais eram agricultores e depois foram para Londrina trabalhar numa fábrica. Eu lembro muito do dia-a-dia. Dizem que quando a gente envelhece a gente vai lembrando das coisas de criança, as coisas que aconteceram. Eu lembro de detalhes da minha infância em Londrina. Uma das coisas curiosas que aconteceram em Londrina, porque eu morava no centro da cidade, a minha casa tinha uma vista para a estação ferroviária. E a estação ferroviária de Londrina se destaca de todas as estações ferroviárias do Brasil, porque quem construiu aquele trecho da estrada de ferro para os ingleses foi um engenheiro suíço, e ele construiu a estação como se fosse uma estação suíça. E ao lado da estação foi construída uma rodoviária muito linda e moderna para a época. Dava para contar nos dedos as casas de alvenaria de Londrina, porque eram todas de madeira e tinha aquela grande estação ferroviária em estilo suíço e aquela rodoviária. E mais tarde soube que o engenheiro responsável foi João Batista Vilanova Artigas, que foi o mesmo que construiu o Morumbi, o prédio da FAU e foi diretor da FAU. Ele morreu há dez anos. Aquilo se tornou o primeiro marco modernista de Londrina. Eu lembro das festas que ocorriam na rodoviária, que marcaram muito, a igreja, toda a vida de Londrina. Depois tem a segunda fase, quando veio para Santo André e vou morar no Bairro Camilópolis. Primeiro foi numa casa alugada na Rua Boa Vista e depois nós compramos uma onde estamos até hoje, na Rua São Camilo. A rua não estava arruada ainda. Até na hora de marcar, o cara falou que a casa tinha de ser construída para esse lado, porque ia ser aberta a rua. Eu passei toda a minha vida ali em Camilópolis, em Santo André. Toda a minha vida foi assim.

 

Pergunta: Explique como era esse cenário quando vocês vieram para Santo André. Foi quando?

 

Resposta:

Em 1957. Para mim foi uma coisa interessante e marcante, porque eu saí de uma cidade planejada, Londrina é uma cidade que foi planejada, com ruas quadriculadas, casas de madeira, uma cidade organizada, e aí vim para Camilópolis, onde começam a construir casas sem reboque. Era conhecida como vila sem reboque. Não tinha uma rua asfaltada. Era uma coisa estranha. Parecia que a gente morava num sítio. Eu lembro que tinha muitos campos de futebol perto da minha casa, depois, mais abaixo, muito próximo ao IMES, onde está o sacolão, na Avenida do Estado, tinha vários campos de futebol. Mais tarde fiquei sabendo que ali foi um campo de aviação, porque a Laminação Nacional de Metais foi a primeira fábrica de aviões do Brasil. É até engraçado porque Santo André acabou tendo dois campos de aviação, esse que ficava no sacolão, por isso que aquela área é totalmente plana, porque era um campo de aviação, de grama, e o outro era onde está a Petroquímica hoje, onde tinha o Aeroclube de Santo André. Depois foi abandonado, não fabricaram mais os aviões e hoje está desativada a fábrica. E lá havia muitos campos de futebol, vários, e a diversão da garotada era jogar nesses campos. E mais perto de casa tinha o campo do Paulistano, um clube amador. Quem morava perto de casa era o Vítor, um jogador que jogou no São Paulo na década de 60, que era o grande marcador do Pelé. O Pelé tinha medo dele, muito medo, porque ele era um jogador violento e bom marcador. Há quem diga, mas não sei se é um pouco de folclore, que ele dizia para o Pelé: Hoje eu só tenho uma função, não é marcar você, mas quebrar suas pernas, no campo ou fora do campo. Então o Pelé dava a volta nele, também porque o Pelé era um gênio. Lembro disso porque o Vítor foi inspiração, o sonho de toda criança pobre é ser jogador de futebol. Acho que até hoje é assim. A gente foi crescendo e houve uma mudança muito grande na minha vida. Eu ganhei uma bolsa de estudos para fazer o ginásio comercial, no Senac. E o Senac não tinha escola em Santo André e eles pagavam as escolas com quem eles tinham convênio. Em Santo André eles tinham convênio com o Colégio Santo André, que era o colégio da elite endinheirada de Santo André. A gente sentava em carteiras de dois em dois e o meu colega de carteira nesses quatro anos foi o Francisco Zampol, filho do Prefeito. E com isso, era engraçado, porque eu freqüentava às vezes a casa do Prefeito. Íamos fazer lição na casa do Prefeito. Era engraçado, porque eu chegava em Camilópolis, um bairro pobre e perguntavam onde eu estava e eu respondia: Na casa do Prefeito. Esse cara é doido. Mas era amigo do Francisco Zampol. E aí eu passei a ter um conhecimento com muitas pessoas do Colégio Santo André, que eram da elite, alguns que depois foram meus colegas na Faculdade de Direito. E na frente do Colégio Santo André tinha o Colégio Américo Brasiliense que também era um grande colégio. Eu me recordo que desses estudantes eu conheci o Celso Daniel. Ele jogava basquete. E conheci muita gente. Eu já me interessava por jornalismo.

 

Pergunta: A sua família era italiana?

 

Resposta:

Os avós são italianos. O meu avô paterno nasceu numa cidade chamada Simone e nós ainda temos parentes lá. Eles migraram para o Brasil, vieram para Serra Negra, os Petrollis e depois foram para a Argentina tentar alguma coisa e voltaram para o Brasil novamente. Ainda tem muitos Petrollis em Reconquista, na Argentina. Aqueles Petrollis que ficaram na Argentina, um é o Batistuta, o César Batistuta, que é Petrolli por parte de mãe. Outros Petrollis foram para Bento Gonçalves e a família tornou-se uma das fundadoras da Vinícola Aurora. E aqui em São Paulo espalharam-se para Serra Negra e Amparo.

 

Pergunta: Você falou que aqui era um descampado, um campo basicamente, quando vocês vieram morar em Santo André. A locomoção, para ir para Santo André, para ir de um lugar para outro, como era?

 

Resposta:

Tinha uma linha de ônibus, com horário marcado. Eu lembro que eu saía de Camilópolis pela Rua do Centro, Santa Terezinha, uma parte da Avenida do Estado, porque ainda não estava aberta totalmente e fazia ponto em frente da Kowarick, que é onde está hoje o supermercado Pão de Açúcar, ao lado da estação. Eu subia toda a Rua Bernardino de Campos e ia até o Colégio Santo André. Aliás, onde está o Tênis Clube era uma chácara. Na esquina tinha uma casa de esfiha que era a casa da família do Senador Suplicy, casa de campo deles. Onde está o Colégio Américo Brasiliense era uma chácara e a casa da fazenda era onde é o Correio. O Primeiro de Maio, a sede, era a casa da família que era dona de onde está a Fundação Santo André. A família morava ali e ia jogar golfe lá na Fundação Santo André. Era uma cidade, se você olhar as fotos até 1960, ainda era uma cidade com ar interiorano, com grandes chácaras. Aqui também tinha grandes chácaras, na região. Ainda tem algumas sobras, como a Chácara Pignatari, ali na Avenida Utinga. É uma chácara com muita história. O Pignatari foi uma figura, o Baby Pignatari foi um playboy do final da década de 50 e 60 e que era sempre alvo da Revista Manchete. Até aquela famosa história que ele raptou a princesa do Irã e aí o Xá queria pagar para saber onde estava a princesa e queria matar o amante. Dizem que ele andou procurando para todo lado no Brasil onde estava o Baby Pignatari com a princesa. Ela estava na Chácara Pignatari, onde havia uma bela casa. Quando era criança a gente ficava em volta da chácara para ver se via essa princesa com o Baby.

 

Pergunta: Na escola, você falou que sentavam em dois no banco. Queria que você descrevesse como eram esses bancos. E você disse que recebeu bolsa de estudos. Quem deu a bolsa de estudos e como foi?

 

Resposta:

Estudei na Escola Júlio Pignatari, na Avenida Utinga, escola que não existe mais. A escola tinha aqueles banquinhos de madeira, bonitinhos até, e quando você chegava na sala de aula, você desdobrava para sentar. Depois fui para o Colégio Santo André, que também tinha essas carteiras. A estrutura era de ferro, em cima era de madeira e aqueles banquinhos que você levanta, e se sentava de dois em dois. Quando o professor entrava na sala, todos ficavam de pé, o professor com a capa branca, todo bonito e chique e depois que o professor sentava é que todo mundo sentava. Aí um por um passava a lição. E quando entrava qualquer pessoa na sala, diretor, inspetor, todo mundo ficava de pé. Era um silêncio mortal. É muito engraçado esse tipo de coisa. Meu pai trabalhava num lugar que era indústria e comércio e o Senac por um certo período começou a montar ginásio comercial e colégio. Chegou a montar uma rede no Estado de São Paulo. Mas em Santo André eles não tinham e eles davam bolsa para quem era do comércio. Meu pai trabalhava numa firma cujos donos era um dos conselheiros do Senac, Serviço do Comércio. Ele falou para os funcionários que quem quisesse bolsas, ele poderia arrumar. Meu pai falou que não tinha escola em Santo André, mas eles pagaram a bolsa num colégio, e eles tinham convênio com o Colégio Santo André, que era um dos melhores da cidade. Eu, por conta disso, fui estudar lá. Mais tarde o Senac construiu o prédio atrás do Júlio de Mesquita, em Santo André, na marginal. Eu acabei estudando um período naquela escola, mas agora não tem mais ginásio comercial. Eles abandonaram e agora só tem cursos profissionalizantes.

 

Pergunta: E nesse período da escola, ou anterior a isso, a alfabetização como era, que cartilha você usava? Fale um pouco sobre leituras.

 

Resposta:

Na escola, eu usei a Caminho Suave, que lembro até hoje e ainda a guardo. Os livros eu não lembro os nomes, mas lembro de Borges Vermilho. E o Senac, para quem era do Senac, eles tinham material didático próprio. Era uma grande novidade o fornecimento de material didático, de história, geografia, matemática. Eles forneciam os livros deles, inclusive de inglês. Tenho essas apostilas de inglês até hoje, e até uma professora que leciona nesses cursos de inglês falou que era muito mais bonito do que hoje. O Senac já tinha tudo apostilado em 1966. Era interessante e eu sempre estudei com material deles e poucos livros eu comprei no colegial.

 

Pergunta: A alfabetização foi tranqüila?

 

Resposta:

Foi tranqüila. Eu sempre falo primário, ginásio e colégio. No colégio eu fiz técnico em contabilidade.

 

Pergunta: Onde?

 

Resposta:

No Colégio Santo André mesmo. Eu fui da última turma que era técnico em contabilidade, e podia ser registrado no Conselho Federal de Contabilidade. Hoje só quem tem curso superior que pode se filiar, pedir o registro. Eu fui da última turma que teve esse direito. Quando surgiu o curso superior, daí só quem fez curso superior que pode ter o registro agora. Eu me registrei no Conselho Federal de Contabilidade, com a carteirinha assinada por Lívio Chela, que foi o primeiro coordenador do Grupo Independente de Pesquisadores da Memória do Grande ABC. Com muito carinho eu guardo a carteirinha. Por conta disso, fui um dos fundadores do Sindicato dos Contabilistas do ABC.

 

Pergunta: Quando criança ou jovem, adolescente, era comum na década de 50 e 60, os jovens colecionarem coisas. Você teve alguma coleção?

 

Resposta:

Eu sou colecionador de selos. Eu coleciono muitas coisas, mas de selos eu sou colecionador. Eu comecei a colecionar selos quando ainda muito jovem, quando estava no ginásio, com 11 ou 12 anos.

 

Pergunta: Qual era o selo mais perseguido?

 

Resposta:

Eu digo, até escrevi um livro sobre como colecionar selos e eu, por conta disso, sou fundador do Clube Filatélico do ABC, sou fundador e diretor da Associação Brasileira de Jornalistas Filatélicos, fui diretor fundador da Associação Brasileira de Colecionadores Temáticos, fui fundador de vários clubes pelo Brasil e até hoje, ainda sou tesoureiro da Associação Brasileira de Jornalistas Filatélicos. Tem três fundadores vivos e eu sou um dos três, porque já faleceram todos os que eram mais velhos do que eu. Um, que foi presidente fundador foi Ângelo Gione, que foi sogro do Joelmir Betting. Conheci o Joelmir quando ele ainda era solteiro e ele namorava a filha do Ângelo. Eu fui colecionador de selos, tenho uma boa coleção de selos do Brasil, uma das mais completas.

 

Pergunta: Qual era o mais procurado?

 

Resposta:

O sonho de todo mundo era ter o Olho-de-Boi.

 

Pergunta: Qual era esse?

 

Resposta:

O primeiro selo brasileiro. Ele saiu com três valores, 30, 60 e 90 réis. E o Olho-de-boi foi o segundo selo, o Brasil foi o segundo país no mundo a adotar o uso de selos, porque antes do uso dos selos, quem pagava a correspondência era quem recebia. Então, você queria mandar uma carta para Santos. Você podia combinar quem levava essa carta, mas o Correio falava que cobraria de quem fosse receber, porque não sabiam quanto tempo demoraria, quanto tempo levaria. E como a revolução no sistema de modernização dos correios começou na Inglaterra, no dia 06 de maio de 1840, quando foi lançado o primeiro selo do mundo: que se chama Penny Black, com a efígie da Rainha Vitória. A partir daí, fizeram uma coisa moderna: levam várias cartas para várias cidades e se rateia o custo. O correio funciona rateando os custos. Hoje é tão rateado que é muito barato mandar uma carta. E o Brasil, em 1840 tudo era colado da Inglaterra, e nós copiávamos tudo da Inglaterra, D. Pedro II não teve dúvidas, pegou a legislação inglesa e aplicou no Brasil.

 

Pergunta: E o seu álbum de selos dessa época, você ainda tem?

 

Resposta:

Tenho a coleção de selos e uma coleção de futebol.

 

Pergunta: Conseguiu o Olho-de-boi?

 

Resposta:

Tenho o Olho-de-boi e o Penny Black.

 

Pergunta: E o futebol?

 

Resposta:

A turma pensa que esses dois são os mais caros. Não são os mais caros. O Olho-de-boi você pode comprar por 200 reais. Tem série mais cara do que o Olho-de-boi, que veio depois. Em 1932 tem uma série em homenagem a uma conferência que aconteceu no Rio de Janeiro, que custa... Hoje o valor dele é tão alto que quem tem não vende. O selo não é por ser mais velho, mas pela tiragem, quantidade. E com defeitos. Esse selo teve defeito e retiraram. Quem comprou os primeiros, com defeito, valem mais. É como uma obra de arte. O mesmo artista, nem sempre os quadros têm o mesmo preço, tudo depende de quadro por quadro.

 

Pergunta: E esse álbum de futebol, como eram as figurinhas de futebol?

 

Resposta:

Eram selos de futebol. Tenho uma coleção muito respeitada de selos sobre futebol. Eu conto a história do futebol em selos. O selo se coleciona por três coisas, uma coleção clássica. O que é uma coleção clássica? Você escolhe um país e vai desde o primeiro selo até o último que sair, um por um. Ou você é temático e você escolhe um tema. Vou contar a história do futebol com selos. Como você vai ilustrar essa coleção? Com os selos. Têm a origem do futebol, os campeonatos, os grandes jogadores. Eu tenho alguns, quando lançaram selos do Pelé, com a assinatura do Pelé. O selo do Pelé você pode comprar na praça, é baratinho, se alguém quiser eu dou de presente, agora, o cartão assinado pelo Pelé é outra conversa.

 

Pergunta: Você começou no primeiro emprego aos 13 anos, estudando e trabalhando?

 

Resposta:

A minha vida toda foi assim, sempre, porque fui trabalhar com 13 anos na Auto-escola Utinga. A auto-escola pertencia a um professor chamado Júlio Nunes Nogueira, que hoje é nome de uma escola em Santo André. Ele foi um dos fundadores do Colégio Santo André. Lá era despachante e auto-escola. Eu fiquei até os 19 anos, porque servi ao tiro de guerra. Tem um detalhe. Servia ao tiro de guerra das seis às oito da manhã, trabalhava das oito até as seis e depois ia para a escola à noite. Estou acostumado a fazer isso, porque sempre tive dois empregos na minha vida, até hoje.

 

Pergunta: Esse emprego foi por busca pessoal ou por pressão familiar?

 

Resposta:

Bom, na minha família, quando completa 13 anos todos iam trabalhar. Não sei se era pressão, mas era um costume de família italiana. Ou você vai para a roça. Aliás, na roça o cara não sabe quando vai, porque a mãe já pega a criança pequena e já leva. Eu comecei a trabalhar cedo. É engraçado isso, porque quando eu morava em Londrina, foi uma fase interessante. A minha mãe e a minha tia Inês, irmã do meu pai, pegavam escritórios para limpar. No final do expediente compareciam ao escritório para limpar. Era escritório de advocacia, de contabilidade, e limpavam o escritório. Então, de vez em quando eu ia com a tia Inês e de vez em quando ia a Ondina, que era um ano mais velha do que eu. Se eu tinha 04 anos, a Ondina tinha 5 anos, até dezembro de 1957, quando nos mudamos de Londrina. Por conta disso, nós trabalhávamos. Eu ia passando pano na mesa, que era uma coisa legal para a criança. Não era obrigado a fazer, mas todos faziam. Aconteceu uma coisa comigo. Um desses escritórios era da Folha de Londrina e eu senti o cheiro do jornal. Eu tenho um carinho pela Folha de Londrina que é mortal. Eu conheço a Folha de Londrina pelo cheiro. Quando vou a Londrina, eu tenho de ir visitar a Folha de Londrina. O João Martinez, que é o dono, está vivo ainda, eu vou sempre fazer uma visita a ele. E quando estava lá, lembro até hoje, tinha aquelas grandes máquinas onde colocavam o papel, engripavam todas as teclas, abria a mesa do João, tirava tudo que estava dentro, porque ele botava todas as fotografias nas gavetas. Era uma mesa de madeira grande, pesadona, com seis gavetas e uma no meio. Tinha tanta fotografia amontoada nas gavetas, laudas de jornal, que não fechava a gaveta. Você sabe que uns anos atrás eu fui lá e ele me falou que ia me dar uma coisa. Quando ele abriu a gaveta, eu lembrei dos velhos tempos. Era fotografia, papel, um abre e não fecha. Quando fiz o meu mestrado, queria fazer sobre a história da Folha de Londrina. Mas eu ia ter de viajar muito para lá e acabei falando sobre a imprensa do ABC. Mas eu prometo que ainda vou escrever alguma coisa sobre a história de Londrina.

 

Pergunta: Você trabalhou no Diário do Grande ABC e aqui consta que você foi mandado embora por justa causa. Pode esclarecer essa circunstância?

 

Resposta:

Eu comecei a escrever no Diário em 1967, com 17 anos. Eu comecei a fazer a coluna de filatelia.

 

Pergunta: Como você conseguiu trabalhar lá?

 

Resposta:

Surgiu em São Paulo uma feira mirim filatélica que se reuniu na Biblioteca Estadual de São Paulo, em frente ao Jornal O Estado de São Paulo. Quem organizou essa feira foi um jornalista, também fundador da ABJ, que se chamava Américo Dozin, que reunia pessoas até 18 anos, crianças, para fazer um encontro filatélico, trocar figurinha, etc. Me falaram para eu ir até o jornal, porque eu gostava de escrever. Foi muito engraçada a minha ida lá. E nessa época eu também fazia teatro. Eu fazia de tudo. Fui lá falar com o Américo e ele falou para eu ir até o jornal com a coluna pronta, escrever algumas laudas e mostrar para o diretor. E aí, eu fazia teatro com os filhos do Otávio de Oliveira, que era dono do cartório e o responsável pela parte esportiva do New Seller. Hoje ele é cartorário, dono do 4º Cartório. Eu pedi para Fábio me apresentar ao Fausto Polesi porque eu queria escrever sobre filatelia. Eu tinha laudas do New Seller que o Diário não tem. Até brinco que vou vender de volta a eles. Aí eu fiz a coluna filatélica, o Tozine deu uma revisão e ele falou para eu fazer umas quatro ou cinco colunas de filatelia para ele ver. Aí o Fábio agendou com o Fausto Polesi, eu fui lá na Rua Catequese e conversei com ele. Ele especulou, especulou e eu comecei a escrever. Ele falou para eu fazer um modelinho de laudas de como eu queria a coluna. Eu já tinha feito. Você fez na lauda do New Seller, como você tem essas laudas? Isso eu não contei. O jornal é semanal e essas colunas têm de ser preparadas umas quatro ou cinco, do jeito que o Tozine me falou. Eu já tinha preparadas para o mês inteiro. Ele mandou eu falar com a Olinda Cavalcante, a secretária, para resolver. A Olinda fazia parte do primeiro caderno feminino da região, chamado Ele e Ela. Ela deu um grande incentivo a esse pessoal. Eu comecei a escrever e um mês depois se transformou em um jornal diário.

 

Pergunta: Com 17 anos você teve essa ousadia? Como foi?

 

Resposta:

Com a coluna assinada.

 

Pergunta: Como foi chegar lá?

 

Resposta:

Eu sempre andei de calça e camisa social. Eu fui lá com o Fausto, marquei e fui com a cara de pau. Eu não tenho vergonha para nada. Sou descarado. É uma coisa de jornalista mesmo. Eu não tenho vergonha para nada. Eu dou a cara para bater. Eu fui lá falar com o Fausto.

 

Pergunta: Foi muito bem recebido?

 

Resposta:

Sim. O Fausto, o pessoal do Diário, os quatro diretores, são muito bem educados, sempre foram e até hoje ainda, almocei com a Solange Dotto em casa. Nós temos um bom relacionamento. O Mauri, que hoje é um dos diretores, foi meu colega na Faculdade de Direito. O Mauri foi duas vezes meu colega, na turma de publicidade e propaganda da Faculdade Metodista. Eu fiz a primeira turma de jornalismo. Eu sempre tive um bom relacionamento com todos, não tenho problemas de relacionamento, sou muito bem aceito. Um dia o Fausto me chamou e falou que ia ter uma reunião, porque o New Seller ia se transformar em jornal diário. Só teve uma reunião e eu participei, quando comunicaram que o New Seller se transformaria em jornal diário. Aí trabalhei na auto-escola, saí de lá e fui trabalhar na Jean Leteau, em São Caetano, fiquei pouco tempo, lá faliu e eu fui para a Mercedes-Benz.

 

Pergunta: O que essa empresa fazia?

 

Resposta:

Fazia caldeiras. Depois ela mudou para Rio Grande da Serra. Eu fui para a Mercedes-Benz, trabalhei quatro anos na indústria automobilística.

 

Pergunta: O que fazia?

 

Resposta:

Fui trabalhar no setor de seguros. Foi muito interessante, porque eu fazia ciências contábeis. Aprendi muito com os alemães. Gosto muito deles pela forma de organização. O chefe da seção era um judeu e eu gostava muito dele. Eu saí da Mercedes-Benz e fui trabalhar no Diário do Grande ABC.

 

Pergunta: Em que ano? Você ficou na Mercedes por quanto tempo?

 

Resposta:

Quase quatro anos. No Diário, eu fui para lá em 1970, quando já era estudante de jornalismo, e fiquei até 1978, até 1979, quando fui mandado embora por justa causa. Foi uma coisa engraçada.

 

Pergunta: O que aconteceu?

 

Resposta:

Foi um período interessante, porque a gente estava na fase da ditadura e da abertura. A fase de jornalista do Diário foi muito boa para mim. Quando chegou o ano de 1979, já tinha passado o período de greve dos metalúrgicos, o nosso sindicato também resolveu entrar nessa onda de greve. O Diário do Grande ABC, em todo mês de maio, que era o mês de aniversário do jornal, a diretoria fazia um almoço com todos os funcionários e antecipava o aumento. Em 1979, em maio, a diretoria antecipou o aumento em 20%. Quando chegou junho, eles queriam fazer uma greve em todos os jornais para um aumento de 11%. Como o Diário vai fazer greve reivindicando 11% se nós recebemos 20% antecipados? É que a gente tinha de ser solidários. Sem solidariedade ninguém consegue nada. Eu falei que era contra porque já tinha recebido 20% e como eu ia fazer uma greve de 11%? E aconteceu uma coisa curiosa. A assembléia foi realizada no Diário e eu falei que era contra a greve. Eu votei contra a greve e fim de papo. Mas se for decretada uma greve, eu paro porque não sou fura greve. Eu fazia a coluna sindical do jornal. Se parar, eu paro. Por incrível que pareça, eu estudava de manhã na Faculdade de Direito, trabalhava até cinco horas, eu fui de manhã até a faculdade, e tem uma curiosidade, eu não dirijo. Eu já trabalhei em auto-escola e nunca dirigi. Eu ia e voltava com Ângelo Puga, que era diretor do jornal, foi diretor administrativo. Nós fomos ver se o jornal tinha parado. A gente estacionou no Diário e estava todo mundo no bar. Se havia parado, eu não vou ser fura greve. Falei que ia para casa e quando acabasse a greve eu voltava. Aqueles que eram favoráveis à greve furaram a greve e foi ao contrário. Nós tínhamos matérias especiais para um ano inteiro, matérias maravilhosas, a minha coluna filatélica estava pronta, todas quatro. O jornal foi melhor do que com toda a equipe trabalhando junta. Aquele jornal foi tão rico naquele dia de greve que vocês não fazem idéia, o jornal circulou normalmente com os fura greves. E a metade não furou a greve, 27 jornalistas. E aí foi assim, a greve foi considerada ilegal, e os donos de jornais, todos os que fizeram greve, eles botaram no olho da rua por justa causa. Só que o Diário fez uma coisa interessante. Eu falei com o Fausto que seu fizesse greve eu não ia poder fazer a coluna sindical, porque seria fura greve. Quando acabou a greve, o Diário fez uma espécie de revelação: quantos ficaram em greve? Uns 26? Fizeram uma lista. Esses 26 ficam e esses 26 vão ser mandados embora. Um daqueles fura greves disse quem estava na redação e fez a lista. A lista foi trocada. Mandaram embora quem não devia, quem eles não queriam que fosse embora, e ficaram os que eles não queriam. Eu fiz greve, mas não seria mandado embora. Mas fui mandado embora. E mais um monte de gente. Hoje eu sei quem trocou a lista, mas não confesso para ninguém. Esse é um segredo que vou guardar, porque vou falar para a pessoa: Você foi o canalha que trocou a lista. Eu sei quem foi, mas publicamente não falo e até hoje pego no pé do cara. Você fez um favor para mim. E aí eu fui mandado embora. Aconteceu uma coisa mais engraçada. Eu e a Margarete da Costa, que foi casada com um sindicalista, nós entramos, quem foi meu advogado, porque fomos mandados embora por justa causa, sem direito a receber nada, eu entrei com um processo trabalhista contra o Diário. Eu e a Margarete tivemos como advogado Possidônio e Valdecir, porque sou amigo deles desde 1967. Aliás, eu, o Valdecir, o Possidônio e a Ana Lia, nos conhecemos no mesmo dia, os quatro amigos, numa primavera de 1967, e ficamos amigos e irmãos. Eles pegaram o processo e falaram que ia ter recurso, mas a gente ia ganhar porque a gente ia ser beneficiado pela lei da anistia, porque a greve era ilegal, mas a anistia acabou com isso. Ele entrou com o processo e o processo foi julgado na sexta-feira. Só o meu e o da Margarete. E os outros jornalistas entraram com processo pelo sindicato. Eles me procuraram, o Ângelo Puga, que era meu colega, o Mauri, que era meu colega de classe, me procuraram para fazer um acordo. Quanto eu tinha para receber? Era a quantia de mil reais e um centavo, por exemplo. Ele falou que pagava mil e descontava um centavo, porque acordo tem de ser acordo, tem de ter desconto, nem que seja de um centavo. Está bom. Eu tinha de receber mil e você me paga novecentos e noventa e nove, não quero nem discutir. Quando chegou lá, foi o Ângelo, e aí os outros falaram que eles queriam fazer acordo com nós dois porque depois eles iam oferecer para os outros 10%. Por isso que estão fazendo esse golpe e é melhor para vocês não fazerem acordo. É tudo ou nada. Sabe quem telefonou para mim, falando para não fazer acordo, uma das pessoas? Foi o Lula, o senhor Presidente da República. Eu passei o domingo em casa, aquele dia pensando. Telefonaram-me no sábado. Eu falei para a Margarete para não fazer acordo, ou paga tudo ou nada e a reintegração. O Diário disse: Então não, nem reintegração e nem acordo. Aí o juiz tinha de dar a sentença. É uma prerrogativa do juiz dar a sentença até 15 dias depois da audiência. Ele disse que não ia dar a sentença agora porque ia invocar o Código de Processo. Muito obrigado. Por quê? Porque antes dos 15 dias tinha a segunda audiência com os demais. O Ângelo chegou lá e disse: São 40% e não se fala mais nisso. Os caras falaram que não e chegaram em 60%. Fizeram o acordo e receberam 60% e eu e a Margarete fomos condenados pela Agência de Segurança Nacional e aí tivemos de recorrer e ganhamos na Justiça no recurso. Acho que pela anistia poderia até ser reintegrado, mas eu não quis ser reintegrado. O Fausto falou para eu ir para a redação e começar a trabalhar, mas falei que não queria mais, que tinha outro emprego. Aí eu já estava na Prefeitura de São Caetano, como assessor de imprensa. Sobrou uma vaga e eu fui para a assessoria. Eu fui contratado pela Administração e aí veio a Constituição de 1988, e nas transitórias, que não foi feita para mim, mas sabe Deus para quem, que quem estava contratado pelo Serviço Público Municipal, Estadual, por qualquer título, provisório ou não, estava efetivado sem concurso. Eu me efetivei na Prefeitura pela Constituição de 1988. Se a Prefeitura pagava mais que o jornal, ia sair por quê? Depois da greve, quanto era o salário do jornalista? Era um real, ia ser um real mesmo. Não pagaram um centavo a mais. E hoje pagam muito mal. Os jornalistas ganham muito mal. Só uns expoentes que ganham bem. Por cinco horas pagam mal. Agora pagam um pouco a mais, mas você trabalha dez, vinte horas. Ganho bem na Folha. Ah!, mas você trabalha vinte e quatro horas, trabalha no lugar de três ou quatro. E se dê por satisfeito por isso. Eu estava na Prefeitura, regulamentado para cinco horas, porque o Serviço Público regulamenta que são cinco horas apenas. Pergunta para o pessoal que trabalha nos jornais quanto eles trabalham. Nem pergunta qual o horário de entrada e de saída. Chegam às oito horas e saem à meia-noite e nem perguntam e dão graças a Deus de estarem no jornal. Como eu fui efetivado, falei para o Fausto que não queria mais, porque já estava fazendo a pós-graduação, dava aula na Metodista, já era outra realidade, o mundo era outro.

 

Pergunta: Esse seu período no Diário do Grande ABC teve alguma experiência com censura?

 

Resposta:

Sim. Aliás não havia censura. Você sabia o que escrever e o que não escrever. Isso é pior do que censura, porque quando você escreve e o cara fala que está proibido, você xinga. Agora, quando você já sabe o que não é para escrever, pior ainda, a autocensura. Eu vivi na época da ditadura, da repressão. Mas eu não tive medo, sou uma pessoa que não tem medo de nada. Eu falo: Você já andou na Praça da Sé à uma hora da manhã, sozinho? Eu já. O Parque D. Pedro? Já. Se alguém fala para ir à noite na Praça da Sé para dormir sozinho no banco, eu vou lá e deito e durmo sozinho, de roncar. Eu não tenho medo. Mas eu já tive medo no jornal. Eu fiquei apavorado uma vez. Era um sábado, em 25 de outubro de 1976. Eu estava no Diário para fazer uma matéria especial. Uma equipe folgava uma semana e a outra equipe na outra semana. Esse sábado era o meu dia de plantão e eu gostava de fazer plantão sábado à tarde. Eu até trocava os plantões, porque eu gostava de escrever de sábado à tarde.

 

Pergunta: E nesses plantões, vocês ficavam prontos para alguma emergência?

 

Resposta:

Sim. O jornal já tinha as matérias especiais para o domingo, e os cadernos estavam todos fechados, porque na sexta-feira já tinha de fechar tudo e só fica aberto o esporte, porque tem jogo à tarde, e alguma coisa. Política fecha na sexta. Pode ter alguma coisa no sábado de manhã, mas você acha que o Presidente da República vai renunciar de sábado à tarde? Tem um plantãozinho para se acontecer algum desastre, alguma coisa. E nesse sábado, a gente ficava na redação, dois ou três jornalistas, antecipa alguma coisa, mas você fica ali sossegado, não vai sair na rua para ver se precisa de asfalto. Isso você deixa para segunda-feira, para terça-feira. Eu contando isso ainda fico arrepiado, emocionado. O chefe de redação perguntou o que eu ia fazer e eu falei que ia ver o Modo de Ver, as matérias especiais.

 

Pergunta: Como era o nome dele?

 

Resposta:

Cláudio Mainardi. Ele falou que se eu não tinha nada para fazer, era para ir embora. Por quê? Aconteceu uma coisa em São Paulo, e ele falou para ir embora porque estava estranho. Eu falo isso para você e dá vontade de chorar. Antes da noite a gente já sabia, porque foi quando mataram o Herzog. Pela primeira vez as relações ficaram difíceis. Lembro do sábado perfeitamente. Era um sábado à tarde, ensolarado, meio frio, lembro de detalhes da redação. E desde de manhã já vinham telefonemas de São Paulo, porque a gente ligava muito para a Folha, para o Estado. Todos os jornais são concorrentes, mas as redações não. Muitos colegas trabalhavam meio período no Diário e meio período na Folha, Estado. Isso é normal até hoje. Esse dia é o que mais fico lembrando. Eu lembro claramente isso, até hoje sinto medo daquele dia. Foi um pavor. Também criei coragem no dia seguinte e participei da vigília no sindicato, com as velas acesas. Queriam que não rezassem a missa na Catedral da Sé e o Cardeal Dom Arns foi rezar sim e eu fui lá. E falando da censura na região, foram várias vezes que teve censura na região. Foi no Estado Novo, na Revolução de 1964. Eu fui estudante universitário no tempo do 477, quando o diretório era controlado. Eu vou escrever sobre isso. Os jornais da região, alguns, foram até perseguidos. Era curioso porque tinha uma jornalista que tinha um jornal em Santo André...

 

Pergunta: Quais foram os jornais que sofreram isso?

 

Resposta:

O primeiro da região foi A Folha do Povo. Foi fundada em 1925 e sobreviveu até 1930, ela foi empastelada e depois ela voltou a circular. Depois O Imparcial e O São Bernardo, na ditadura Vargas. Depois a censura que comeu solta em 1964, quando os jornais tiveram de comer miudinho com a censura. Foi no ano de 1964 que houve censura. E o 477 controlava os jornais universitários. Eu fiz um jornal também, eu tinha um grupo chamado Cuca e nós formulamos um tablóide e a repressão não deixou a gente se reunir.

 

Pergunta: Quem era desse grupo?

 

Resposta:

Era um grupo de estudantes intelectuais, que se reunia de domingo à tarde, no Quitandinha, em Santo André. Um era o Luiz de Abreu.

 

Pergunta: De onde eram?

 

Resposta:

De toda a região, estudantes e não estudantes, médios, universitários. Era eu, a Terezinha, que trabalhava na Prefeitura de Santo André, o Luiz de Abreu. Aí um dia a repressão foi lá e com isso destruíram tudo e correram atrás dos estudantes. Depois teve uma passeata em Santo André onde a repressão comeu solta, prenderam muitos jornalistas. Eu participei dessa passeata e foi muito interessante.

 

Pergunta: Como estudante?

 

Resposta:

Sim. E essa passeata era proibida, não podia ter passeata na rua, mas nós fizemos a passeata. Tudo por volta de 1970. Eu estou recuperando tudo isso, no sentido de fazer esse trabalho, porque é um trabalho que vou fazer, sobre a censura no ABC. Já estou preparando esse trabalho para a levar até São Luís, sobre os 400 anos de censura no Brasil.

 

Pergunta: Mudando de assunto, queria saber sobre a história da estátua do IMES. Você pode repetir para a gente registrar?

 

Resposta:

É uma coisa interessante. Eu fui repórter de rua. Eu gosto de rua, gosto do dia-a-dia, de fuçar na rua. E repórter tem aquela coisa de não ter o que fazer, vai procurar. Eu nem sei como veio essa coisa na cabeça, quando estava na redação, mas eu lembrei da estátua que tinha em frente à Prefeitura de São Caetano, o que tinha dado aquilo. Sabe aqueles dias que você não tem nada para fazer? Porque redação é assim, o que tem para fazer, não tem nada, não tem manchete, é nesse dia que a coisa pega. Fui até São Caetano e fui à Prefeitura e ninguém sabia onde estava a estátua. Quando alguém fala que não sabe, aí que o repórter, aí que a coisa esquenta. Quando alguém fala que não pode fazer, aí que pode fazer. Fui até o chefe de gabinete, o Cicaronni, e ele falou: Rapaz, você sabe que isso é interessante, onde foi parar a estátua? Ela foi para São Paulo? Não sei se alguém já contou a história da estátua, mas ela foi feita porque o Papa Paulo VI deu a Rosa de Ouro para o Brasil, e percorreu o Brasil todo e hoje está em Aparecida do Norte, na matriz velha. E São Caetano resolveu presentear o Papa com um presente. São Caetano saiu na frente, na primeira administração do Walter Braido. Aí o Agenor da Silva que era escultor em madeira, e um grande artista, e alguém sugeriu fazer uma estátua de São Pedro, em pau-brasil, para mandar para o Papa. Que legal, isso é bom. Todo mundo divulgou: Papa vai receber uma estátua do Brasil. Onde tem pau-brasil? Descobriram em Cianorte. Tiveram de ir até lá para comprar, porque estavam desmatando o norte do Paraná. Tiveram de contratar uma carreta gigantesca para trazer aquela madeira de lá, por uma estrada de terra, que nem sabemos como foi, mas chegou em São Caetano. E a Prefeitura era na Goiás, puseram aquele tronco, isso eu lembro como menino, porque também fui lá ver. E o cara ficava esculpindo aquela estátua, todo mundo via. Tinha tanta gente vendo ele esculpir, mas um dia não tinha mais ninguém, porque também encheu o saco, porque nunca saía essa estátua. Um dia ela ficou pronta e colocaram lá. Levaram em frente à Igreja da Sé, em São Paulo, para mostrar ao público. E aí tinha de fazer uma comissão para entregar ao Papa. Fizeram uma comissão com um jornalista de São Caetano, Alex Trabelli, que já faleceu, e foram até Roma. Não sei o que fizeram em Roma, mas voltaram e a estátua estava na Praça da Sé. Aí mudou a administração, veio o Mazzei, depois o Braido de novo. Aí foram ver onde estava a estátua, porque tinha retirado ela de lá para a construção do metrô e ela estava no Parque Jardim. Fomos até lá no Parque Jardim, no Ibirapuera e quando chegamos lá tinha um monte de eucaliptos cortados, árvores, galhos, e no meio estava a estátua, com aqueles galhos, com aquelas árvores e o cara disse: Esse lote já foi vendido para uma padaria. As padarias compram esses galhos que a Prefeitura corta, os troncos velhos. Já tinha sido vendida a estátua para ser cortada. O cara ainda falou: Não sei por que o cara não veio buscar isso ainda. Ele tem de retirar isso até amanhã. Falamos que não, que aquela estátua era da Prefeitura. Aí o Prefeito ligou para o Prefeito de São Paulo e mandou devolver a estátua. Mas foi uma coincidência. Aí vem trazer, de lá do Ibirapuera para São Caetano. E onde colocar essa estátua? Ela já estava com um pedaço podre, e ainda teve de restaurar. Aí o diretor daqui, o Garbelotto, sugeriu que ficassem em frente ao IMES. Não sei como, preciso ver as reportagens, para tentar recuperar como a idéia surgiu, de fazer a estátua. Eu fico muito feliz, espero que São Pedro me dê uma força, porque ajudei a recuperar a estátua. E no mesmo período, na mesma semana, andando no centro de Santo André, vi no entulho uma estátua de bronze jogada, lindíssima, grande, gigantesca. Perguntei de quem era a estátua e o cara falou que ia ser levada para o entulho. Essa estátua meu pai doou para a Prefeitura de Santo André e ela nunca retirou. Ela estava na farmácia do meu pai, e nós vendemos a farmácia e ela vai ser demolida e onde vamos colocar essa estátua? O ferro-velho vai levar a estátua. Eu fui até a Prefeitura e o Álvaro Nosé mandou um caminhão lá e ela está em frente ao museu de Santo André. Aquela estátua foi descoberta na mesma semana da outra. Depois São Bernardo fez uma festa, para inaugurar um busto de não sei de quem, e cobriram o busto com a bandeira brasileira, fizeram um pacote. E de acordo com a legislação, não pode fazer, a bandeira brasileira não pode ser usada para embrulhar, para servir como tapete. Aí a reportagem foi lá. Aquela semana rendeu várias reportagens sobre estátuas. E essa do IMES, que São Pedro seja meu protetor, porque eu salvei essa estátua e fico muito feliz com isso.

 

Pergunta: Nós pedimos para você encerrar com uma mensagem.

 

Resposta:

É uma coisa muito gostava o que vocês estão fazendo. Eu sempre gostei dessa escola, sempre tive alegria de vir a esta escola, que é uma das melhores escolas do Brasil. Não é porque estou aqui. Eu guardo com muito carinho a foto do lançamento da pedra fundamental desse prédio, porque a escola não seria aqui, mas onde é a Fundação das Artes e depois trocaram. Eu guardo com muito carinho uma foto do lançando da pedra fundamental do primeiro prédio, que foi feita por Antonio Magnieri, que foi o jornalista fundador da Folha de Utinga, que depois passou a se chamar Folha do ABC e está em circulação. Ele foi diretor da Rádio Clube de Santo André. É uma história muito bonita. Tenho essa ligação com o IMES e passo sempre por aqui. Antes de concluir esse prédio eu já passava por aqui, porque tinha um primo, também jornalista, que hoje mora na Barcelona, e era o caminho para ir para o Barcelona. Tenho um imenso carinho por esta escola e agradeço a vocês dessa escola de jornalismo e comunicação, que é uma das melhores do Brasil. A gente tem de se orgulhar. Eu que sou do ABC, sou um dos fundadores do GIPEM, Grupo Independente da Memória do Grande ABC, nós nos orgulhamos das coisas que temos no ABC. Um dos grandes orgulhos é o nosso IMES.

 



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