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De família italiana, cresceu rodeada de vários primos. Quando criança passou por um período em que ficava muito tempo doente, logo precisava fazer repouso; então nesse período aprendeu a fazer trabalhos manuais e passou a ler livros que suas amigas e familiares traziam para ela. Aos 18 anos, dedicou-se a cuidar de sua mãe, ao mesmo tempo em que vendia os frutos do que produzia do artesanato. Antes de ingressar no IMES, só o conhecia de nome; soube pelo padre da igreja que frequentava sobre uma vaga temporária na pós-graduação do IMES. Chegando ao fim do seu contrato de trabalho, foi convidada a trabalhar em outros setores do IMES e no fim de maio de 1987 tornou-se funcionária fixa, trabalhando então na biblioteca. Cinco anos depois ingressou no curso de Psicologia na Universidade Metodista. Na USCS, organizou encontros ecumênicos, voltados para o público interno da universidade.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS)
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC e Laboratório Hipermídias
Depoimento de Claudia Conceição Bueno dos Santos, 59 anos.
São Caetano do Sul, 16 de novembro de 2016.
Pesquisador: Luciano Cruz
Equipe técnica: Ileane da Silva Ribeiro
Transcritora: Bruna Moura
Pergunta:
Claudia, queria que você começasse falando nome completo, local e data de nascimento, por favor.
Resposta:
Meu nome é Claudia Conceição Bueno dos Santos, eu nasci em Santo André, no dia 30 de maio de 1957.
Pergunta:
O Claudia tem acento, esse Claudia?
Resposta:
Não, não colocaram. Deveria ter, mas não. [risos]
Pergunta:
Só para a gente colocarem aqui direitinho lá no GC, no gerador de caracteres. Bom Claudia, podia começar falando a sua primeira infância, lembrando um pouquinho das memórias que você tem da sua família, da casa onde você morava, como que era esse núcleo familiar, fala um pouquinho o que vem à sua mente.
Resposta:
É, eu sou filha única, então eu não tinha irmãos, mas na realidade aquela família assim italianada, que um mora na rua da cima, o outro mora na casa do lado, então a gente tinha uma família grande. Eu tive muitos primos, a ligação com os vizinhos era muito grande, então eu não fui uma criança que cresci sozinha. Eu realmente cresci rodeada de vários primos, meus avós, meus tios, então eu fui uma criança com uma infância alegre, muito alegre. Mas eu tive um período de ficar muito tempo doente, então eu fiquei acamada por quase sete anos. Então eu tinha muitas dificuldades e era obrigada a fazer muito repouso, e isso acabou me levando a aprender muito trabalho manual porque, embora criança, sete anos, eu não podia ficar brincando, eu não podia com nada quem fossem as brincadeiras de criança, então eu aprendi com mãe, com vó, com tia, a bordar, fazer tricô, fazer crochê, eu ouvia muitas novelas, naquele tempo tinha teatro pelo rádio, novela, era muita programação, de documentário. O rádio era um ponto alto, então era muito interessante, a imaginação crescia muito, porque a gente tinha que imaginar tudo o que hoje a gente vê na TV, só por aquilo que a gente ouvia. E, mediante a isso, eu passei a ler muito. Então era muito comum eu ler em dois, três dias eu lia um livro. E de tudo, mesmo criança, o que caísse nas minhas mãos. Todo mundo sabia que eu gostava de ler, então meu tio tinha muito gibis e me trazia os gibis, as minhas amigas traziam os livros da mãe, a mãe estudava enfermagem e me trazia livros, e eu acabei lendo de tudo. E esse tipo de confinamento de coisa me fez crescer muita coisa, apesar de tudo, me fez ir muito para o lado cultural, que não era muito comum da criançada toda, ainda mais a criançada de bairro, que naquele tempo tinha muito quintal, muito bicho, cavalo, podia realmente se esbaldar. Mas foi um ponto positivo. Depois de tudo isso, eu tinha muitos planos, eu sempre fui uma excelente aluna de matemática. Então, o meu sonho, era fazer astrofísica [risos]. Eu participei de Olimpíadas de Matemática, essa coisa toda, eles tinham até me conseguido uma possibilidade de estudar na Alemanha. Meu pai, na época, trabalhava na GM e ele poderia pedir transferência para a Alemanha, mas eu tinha uma mãe com sérios problemas psíquicos e ela não aceitava mudança em hipótese alguma. Então eu aposentei essa ideia, no Brasil não era muito veiculada a coisa, era mais difícil, então eu fui aposentando a ideia, e eu acabei nem indo para a faculdade na época, porque realmente a minha mãe ficou muito doente. Então ela requeria uma atenção absoluta sempre. Então o que eu fazia: eu me dediquei mais ao artesanato de uma forma geral. Então eu já fazia de tudo, eu já fazia roupas, fazia tapeçaria, pinturas, e eu vendia isso, mas era uma coisa que dava para eu fazer em casa, cuidando dela. Então foram muitos anos dessa forma, até que a situação física dela foi ficando muito desgastada, e ela acabou tendo uma internação no interior de São Paulo, e eu fiquei livre.
Pergunta:
Quantos anos você tinha?
Resposta:
Eu tinha 27 anos. Ela foi internada no interior de São Paulo, e aí me convidaram para fazer dois meses aqui na USCS no pós-graduação, uma pessoa ia sair de férias e tal, e se eu cobriria aquele espaço. [5’] Aí: ‘eu vou, né? É mais animado, aquela coisa toda’. Eu vou fazer, agora eu não tenho responsabilidade dela, ela está sendo bem cuidada, e eu vim para cá. Fiquei no pós-graduação esse tempo, na época o diretor era o professor Silvio, a gente ainda não tinha reitoria, era uma faculdade pequena, e lá no pós-graduação também, a gente era…a coordenação era do professor Djalma, e eu fiz esses dois meses. Voltei para a minha casa, logo em seguida minha mãe voltou para casa também, aí me chamaram. Alguém ia pegar uma licença maternidade, no caso era a secretária do professor Silvio, da diretoria, e eles precisavam substituir uma pessoa que sairia da recepção passaria a ficar lá na reitoria, precisaria ficar ali na recepção, e eu vim para fazer aqueles cinco meses que era o afastamento da secretária.
Pergunta:
Claudia, eu vou voltar aqui na USCS, mas você me falou algumas coisas que me chamaram a atenção, desse seu primeiro período, eu ia falar também do microfone, eu acho que está batendo, né? [pausa para arrumar o microfone] Você falou das novelas, e dos livros, e que estão muito na base da sua formação também, né? Você lembra de algumas dessas novelas ou algum desses livros que foram essenciais para você nesse momento?
Resposta:
Olha, novelas eu não vou te dizer que eu me lembro, realmente assim não me ocorre não, eu era bem pequena até, mas livros, como eu li de tudo, eu li tudo que eu pude de Shakespeare, realmente me atraía muito, eu gostava muito da questão teatro. Quase todos os clássicos, então Cervantes, fábulas, La Fontaine eu gostei bastante. Eu não ficava muito… nos brasileiros. Eu lia alguma coisa de Machado de Assis, alguma coisa de José de Alencar, algumas coisas assim, mas não me atraía muito, me atraíam mais os clássicos mesmo. Camões, e acabei lendo…Goethe, muita coisa até meio difícil para a minha época. Depois eu me fixei muito num filósofo, Humberto Rohden. Ele tinha sido um professor de religiões comparadas. Então o tipo de literatura dele é um tipo de literatura meio mística, muito filosófica, mas que acaba trazendo muito a religiosidade. Mas, não uma religião, a religiosidade, que eu acho que o meu ecumenismo nasceu justamente daí, porque ele citava muitas ideias de muitos líderes religiosos, mas nunca centrado em uma religião única. Então foi uma coisa que realmente norteou muito a minha vida. Humberto Rohden foi o principal.
Pergunta:
E esse período que você falou que teve cuidados especiais, ficou acamada, qual que é a idade…
Resposta:
Foi dos sete aos 14 anos.
Pergunta:
Quer dizer que você não frequentou a escola?
Resposta:
Não, nessa época eu ia à escola, não frequentemente, normalmente os meus amiguinhos da escola me traziam as lições em casa. Eu ia para as provas… não que eu fiquei totalmente desligada, então eu fui normal até o colégio, eu fiz todas as atividades normais, sem problema. Depois do colégio, depois dos meus 18 anos, é que realmente a minha mãe requeria uma atenção muito especial.
Pergunta:
Você já estava plenamente curada daquilo que te foi…
Resposta:
Sim, a parte física completamente em ordem.
Pergunta:
Era uma questão física então?
Resposta:
Era uma questão física. Eu tinha problemas renais sérios, o que eu diria que hoje era um problema de autoimunidade, então algumas infecções, isso tudo eu superei. Problemas glandulares, isso eu consegui superar.
Pergunta
E entre esse período que você realmente voltou à sua rotina e os cuidados com a sua mãe, você não estava ainda no mercado de trabalho?
Resposta:
Não.
Pergunta:
Você estava estudando….
Resposta:
Sim, eu estava estudando.
Pergunta:
Estava estudando, aí teve essa questão…
Resposta:
O problema dela foi se agravando gradativamente. Então, quando eu tinha mais ou menos os meus 18 anos, ela não conseguia sair à rua sozinha. Ela se alimentava sozinha, fazia algumas atividades. Ela tinha certas coisas que dava uma certa independência. Mas ela tinha muito medo, como o problema era psíquico, então ela tinha como se fosse uma perseguição constante. Então tudo para ela trazia um perigo iminente. Então o que acontecia, eu tinha que estar sempre por perto. [10’] Então nessa época eu fui fazendo artesanato, que eu gostava demais, então eu fazia coisas muito demoradas, tapeçaria enorme, elaborava roupas, eu trabalhei muito com roupas, mas muito elaboradas, com bordados, com apliques, roupas de bebê, fazia bastante.
Pergunta:
E você vendia isso?
Resposta:
Vendia, eu tinha…
Pergunta:
Era uma atividade financeira.
Resposta:
Sim, isso era uma atividade financeira. E eu inclusive fiz, até alguns cursos eu fazia. Quando meu pai chegava eu ia fazer meus cursos, mas eram coisas mais rápidas. E quando ela passou a ter internações constantes, aí sim, aí eu não podia realmente nem me preocupar com algum estudo, alguma coisa. E teve uma época que realmente nenhum trabalho eu poderia fazer.
Pergunta:
E o seu pai, fala um pouquinho dele.
Resposta:
Muito pai era uma pessoa assim, muito boa, muito dedicada e muito trabalhador. Ele sempre trabalhou em metalúrgica, ele era o que chamavam na época de retificador ferramenteiro. Então ele elaborava o final de toda a produção, não só de carros, mas de máquinas, de prensas. Então ele fazia aquele final, vamos imaginar que uma pessoa quisesse um logo metálico. Então ele iria criar o dispositivo que era colocado na prensa para fazer aquele logo. Então ele era altamente especializado, então ele tinha muito trabalho, e era muito voltado para as atividades dele. Mas ele era sem muita iniciativa para a questão da saúde dela, ele não sabia como lidar, então eu também fui obrigada a aprender muito com isso. Então hoje eu consigo determinar certas coisas, verificar certas coisas nas pessoas que me rodeiam, justamente por essa convivência.
Pergunta:
E como foi neste momento que você citou que você acabou chegando ao IMES, para preencher uma vaga temporária, uma necessidade pontual, mas como surgiu isso, quer dizer, você já conhecia o IMES, alguém te chamou, como que você você sair de casa…
Resposta:
Então, chega a ser engraçado. Na verdade, eu conhecia o IMES de nome. Nunca tinha nem entrado aqui dentro. Nunca me passaria pela cabeça estudar aqui por causa dos cursos também, eu não faria nenhum dos cursos que tinham na época, era só administração, economia, comércio, e estava começando informática. Então eu não faria, eu nunca tinha tido nenhum…mas tinha uma moça que trabalhava aqui no pós-graduação que ela era secretária de uma igreja que eu frequentava. Então, nessa época, ela estava procurando alguém para ajudá-la no pós-graduação, porque a outra companheira do trabalho iria se afastar e não tinha mais ninguém para ficar com ela. Então eu fiquei sabendo por um padre se eu me interessava: ‘Ah, você está disponível agora, te interessa?’. Porque a dificuldade de conseguir pessoas era porque o trabalho era noturno, a gente saía na época onze horas da noite. Muita gente não queria. Muita gente estudava à noite, então não poderia também. E foi aí que eu aceitei: ‘ah, eu estou disponível, eu vou’. Eu gostei do ambiente e tal, mas fiz os dois meses tranquilamente, nem esperava que eu iria voltar ou não.
Pergunta:
E quem que era a pessoa, você…
Resposta:
Era a Maria Celina. Ela trabalhava junto com a Neusinha do pós-graduação, como ela era conhecida, do antigo CEAPOG.
Pergunta:
A Neusa já estava aqui?
Resposta:
A Neusa já estava aqui. Já fazia acho que uns dois ou três anos que a Neusa estava aqui.
Pergunta:
O sobrenome da Neusa você lembra? Neusa…depois eu vejo direitinho, é só para a gente não se confundir com a outra Neusa, a Neusa da gestão.
Resposta:
Eu acho que ela era Aparecida Marques, se não me engano.
Pergunta:
Eu vou confirmar direitinho. Então ótimo, você chegou, veio fazer aquele trabalho, como foram esses dois meses?
Resposta:
Ah, foi muito gostoso! Porque antigamente, como o pós-graduação era muito pequenininho, então você tinha um contato direto com todos os alunos e todos os professores, e você já criava um vínculo com aquele pessoalzinho muito direto, era muito gostoso. Então era um trabalho mais de atendimento do que um trabalho burocrático. A gente tinha alguma coisa burocrática para fazer, mas a maior parte era realmente o atendimento. Ir até as salas de aula também, colocar as listas de presença, levar alguns recados, fazer alguma coisa que às vezes o professor pedia, então estava em contato direto com os alunos e os professores.
Pergunta:
Eu entrevistei, eu não me recordo quem agora, mas… falar da pós. A secretária fazia até a chamada, né? [15’]
Resposta:
Sim, muitas vezes sim!
Pergunta:
Ia com a lista e fazia a chamada…
Resposta:
Sim, já chegamos a isso. A chamada normalmente era assinada. Então a gente passava, o pessoal assinava a lista e a gente já recolhia.
Pergunta:
Onde ficava fisicamente ali a pós-graduação?
Resposta:
A pós-graduação ficava onde hoje é a reitoria. Então naquelas salas de cima, onde tem a reitoria, que tem a contabilidade, compras, tudo ali, ali eram as salas.
Pergunta:
Hoje a gente chama aquele espaço de prédio C. Qual que era a denominação naquela época?
Resposta:
Eu acho que já era…não, era o prédio do CEAPOG.
Pergunta:
CEAPOG.
Resposta:
Era o CEAPOG. [risos]
Pergunta:
CEAPOG você lembra por que CEAPOG, a sigla?
Resposta:
Não, não lembro.
Pergunta:
Se não me engano era Central de Pós-Graduação…
Resposta:
Era alguma coisa semelhante, mas realmente não me fixou.
Pergunta:
Perfeito, você ficou lá esses dois meses, e você estava dando sequência quando eu te interrompi. E aí você voltou aos cuidados com a sua mãe novamente, e você retorna a USCS. Como isso se deu?
Resposta:
Ela voltou do interior muito melhor. Realmente ela teve um tratamento, um outro, que a gente diz que na parte psiquiátrica são difíceis os tratamentos. E os hospitais de interior são como fazendas, é uma terapia muito diferente. Então eles conseguiram fazer com que ela ficasse razoavelmente bem, mais ou menos equilibrada. Então quando eles me ofereceram mais aqueles cinco meses, eu estava pronta para vir e ela conseguiria ficar sozinha um tempo, talvez aquilo ia ser uma forma de ela também começar a reagir. Então eu vim, eu aceitei, e realmente aconteceu isso na época. Naquele período ela conseguiu realmente melhorar bastante e conseguiu dar continuidade nas coisas em casa, ela fazia algumas coisas, se ajeitava, e eu toquei o barco aqui.
Pergunta:
A gente está falando aqui de 1900…
Resposta:
Foi em 1987. Aí eu vim em janeiro de 1987, e aí foi assim, né? Era para fazer os cinco meses. Então em maio eu faria cinco meses. Então começaram a me oferecer lugares para eu ficar, porque tinham vários lugares necessitando de pessoas, naquele tempo não era concurso ainda. Não havia aquela obrigatoriedade do concurso. Então eu poderia ter ficado no departamento pessoal, eu poderia ter ficado na secretaria técnica, que a Leila também tinha me oferecido lá, e a antiga bibliotecária Odete me ofereceu a biblioteca. E eu amei a biblioteca, eu sempre gostei de livro, então eu fui para a biblioteca. Então em 13 de maio de 1987, aí sim, eu firmei um contrato fixo com a universidade.
Pergunta:
Esses seus cinco meses a sua atuação foi em que área?
Resposta:
Foi na recepção da diretoria.
*Fim da Parte 1 de 5*