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Até os seis anos de idade, estudou em uma escola particular mantida pela igreja do bairro. Depois, quando sua família mudou de endereço passou a estudar em escola pública, que perdurou por toda sua educação básica. De família de classe média baixa, como era comum na época, começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar em casa. No Ensino Médio, fez curso técnico em Administração e por dois anos seguidos conseguiu bolsa de estudos no colégio em que estudou. Cursou Jornalismo na Universidade Metodista. Seu primeiro emprego na área de formação, foi em rádio, fazendo rádio escuta e depois como pauteiro na Rádio Globo. E ao fim da sua graduação foi convidado a lecionar na Metodista; quando ingressou no mestrado na mesma instituição, estava lecionando em 4 cursos diferentes de Comunicação. O professor Gino Giacomini o convidou para lecionar no IMES, em um curso que ele estava organizando, o recém-aberto curso de Jornalismo; o qual aceitou e no ano seguinte prestou concurso para trabalhar como professor na instituição. E desde o seu ingresso na instituição, faz parte da APROXIMES. Atualmente (2018), é gestor da Escola de Comunicação e da Escola de Jornalismo da USCS.
Pergunta - Luciano:
Bom Flávio, eu gostaria que você começasse falando nome completo, local e data de nascimento.
Resposta:
Nome completo. Meu nome é Flávio Falciano, eu nasci no dia 28 de agosto de 1967, na cidade de São Paulo, no hospital Santa Cruz.
Pergunta - Luciano:
Bom, vamos falar então um pouquinho das lembranças, fala do que lhe vem à mente nesse momento, da infância, da família, como que era esse ambiente familiar.
Resposta:
Nossa... era uma infância comum de família classe média baixa, de São Paulo, na década de 1970. Eu brincava na rua, que é uma coisa que hoje é impensável, eu estudei em escola pública, a maior parte do tempo, toda a minha infância eu estudei em escola pública e, quando não estava na escola, eu estava brincando na rua. Aliás, as coisas eram muito próximas, porque eu morava na rua da escola, que era uma rua sem saída. Então, você saía da escola e já estava na rua automaticamente, para poder brincar bem à vontade. As pessoas dizem: ‘Ah, antigamente se brincava na rua'. É verdade, se brincava na rua, imagina em uma rua sem saída, aí que era quase uma rua particular. Então brincadeiras, futebol que é o mais tradicional, mas brincava muito de queimada também, era uma coisa que era comum de se brincar naquela época, e passei uma infância natural. Meus pais tiveram dois filhos, eu e uma irmã, somos um casal de filhos e brincamos muito nesse período da infância. Eu peguei ainda uma fase de escola pública de razoável qualidade, de razoável para boa qualidade, então não tive grandes problemas nesse período de educação básica, até o final da oitava série, que seria o ensino fundamental. Aí, quando eu fui para o ensino médio, como acontecia com quase todas as famílias de classe média baixa, eu precisei trabalhar. Então, eu comecei a trabalhar quando eu ainda não tinha completado 14 anos, faltava um mês para eu fazer 14 anos, eu comecei com 13 anos e 11 meses a trabalhar, um pouco por questão financeira, pela necessidade de ajudar, e muito porque naquela época era uma coisa normal, os rapazes trabalhavam. Você chegava na idade de 14 anos, você ia trabalhar. O que eu tive de diferencial, que eu acho que foi positivo, é que eu não fui para a atividade que normalmente os adolescentes vão, que é ser office boy, eu nunca fui office boy, eu pulei essa etapa, eu já fui trabalhar como auxiliar de escritório. Foi o meu primeiro emprego, numa metalúrgica próxima de casa que fabricava calotas e rodas para automóveis.
Pergunta - Priscila:
Flávio, qual era a região de São Paulo que você morava e que tinha essa rua sem saída?
Resposta:
Eu morava num bairro pequeno chamado vila Marte, que na verdade fica na região do Moinho Velho, no começo da via Anchieta, na altura do quilômetro 10 da via Anchieta, onde tem o retorno da Vergueiro, de acesso à rua Vergueiro, em São Paulo, próximo de São João Clímaco, tanto que as minhas referências de amizade, todas elas são de São João Clímaco, que são os estudantes que estudavam na mesma escola que eu. Eu estudava numa escola que existe até hoje, chamada Escola Estadual Professor Jacques Maritain, fica na beira da Anchieta, e uma boa parte dos estudantes vinham da região de São João Clímaco, inclusive da região onde tem a favela de São João Clímaco, onde tinham os campos de futebol. Na minha época ainda existiam os campos de futebol de várzea de São João Clímaco, a região foi muito conhecida no início da década de 1970 pelo campos de futebol, a maior parte dos jogos de futebol de várzea de São Paulo aconteciam nessa região de São João Clímaco [5']. E aí, no início da década de 1980, final da década de 1970 e início da década de 1980, começou um fenômeno típico das grandes cidades, os campos simplesmente desapareciam da noite para o dia, você tinha um campo de futebol de várzea em um determinado dia, no dia seguinte você tinha um monte de barracos ocupando a área daquele campo de futebol, porque já era uma área limpa, própria para construção, e aí os campos foram acabando e infelizmente hoje você não tem mais campos naquela região, porque acabaram formando o que hoje é a grande região da favela de São João Clímaco, que infelizmente ocupa uma maior parte desse bairro, a favela do Heliópolis, que o pessoal conhece como favela do Heliópolis, é em São João Clímaco.
Pergunta - Luciano:
Flávio, você falou da escola, como foi esse primeiro contato com os bancos escolares?
Resposta:
Rapaz, escola é uma coisa interessante, porque, primeiro precisa abrir um parênteses. Eu não morei nessa região assim que eu nasci. Eu morava, quando eu nasci, eu morava na vila das Mercês, que fica do outro lado da via Anchieta, eu simplesmente mudei de lado aos sete anos. A vila das Mercês fica do lado direito de quem vai para o litoral, também na altura do quilômetro 10. Eu morava numa travessa de uma rua muito tradicional da vila das Mercês chamada rua Angaturama, é uma das principais ruas do bairro. Eu morava numa travessinha que ainda existe até hoje essa travessinha, tem quatro casas só, e uma dessas casas era do meu pai, e é engraçado porque essa travessinha não tinha nome, não sei exatamente qual a justificativa, mas não tinha nome a rua, não tinha CEP, não tinha nome, tinha só quatro casas. Era uma vilinha, uma coisa assim, e os moradores se juntaram, as quatro casas se juntaram, e deram um nome para essa rua, para essa travessa, que infelizmente deram o nome de travessa dos Mosqueteiros, porque todos os moradores eram corinthianos, inclusive o meu pai, e tem até hoje a plaquinha lá, travessa dos Mosqueteiros, foi o nome que foi dado. Eu passei, desde o meu nascimento até os seis anos eu vivi nesse bairro, nessa casa, e eu estudava numa escola particular, que era um colégio mantido pela igreja do bairro, que é a igreja de Nossa Senhora das Mercês, no largo de Nossa Senhora das Mercês, na esquina da avenida Nossa Senhora das Mercês com a Padre Arlindo Vieira, que é uma outra via tradicional de São Paulo ali na zona Sul. A igreja montou uma escola, e essa escola, o valor que você pagava era um valor baixo assim, simbólico, mais para a manutenção mesmo da estrutura, e a escola era muito boa. O nível, era muito exigente, eu lembro até hoje, eu era pequeníssimo, eu lembro até hoje da diretora, que era uma diretora daquelas rígidas, sérias, que estava sempre na sala de aula cobrando o desempenho dos alunos e tal. Nessa escola, eu fiz uma parte do jardim, o pré e metade do primeiro ano. Aí a minha família mudou para a rua Laranjal, que é na vila Marte, a mesma rua onde fica a escola estadual, aí, é lógico, eu me transferi para essa escola estadual. Foi muito engraçado, porque eu cheguei na metade do ano, em julho, eu não esqueço até hoje porque era a época da Copa do Mundo, de 1974. Eu cheguei, completamente perdido, porque na metade do ano você está muito perdido, a classe já está montadinha tal, e para mim foi uma catástrofe, porque eles estavam em um nível que eu já tinha acabado faz tempo, a tal da cartilha Caminho Suave, que foi usada por décadas como principal instrumento de alfabetização, eu já tinha acabado cartilha Caminho Suave há muito tempo e eles ainda estavam no começo da cartilha. Então, a minha mãe tinha isso mais claro, ela sempre me lembrava, ela falava: ‘Filho, você chorava todo dia que tinha que ir para a escola, porque você achava inútil ir para a escola', porque os outros estavam muito atrás do que eu estava. Isso prosseguiu durante seis meses, eu passei seis meses nessa situação, porque eles precisavam chegar no nível que eu estava da cartilha Caminho Suave [10']. A professora não se preocupava comigo, depois que ela percebeu que eu já sabia o que os outros não sabiam, ela me deixou de lado e continuou dando aula para os outros. Eu me sentia muito mal, muito muito mal. A partir daí, não sei por que motivo, nunca houve uma pressão familiar, mas eu sempre queria tirar as melhores notas, isso era quase uma obsessão minha. E quando eu tirava, naquela época, eu lembro que as notas eram de zero a 100, a nota máxima era 100, e quando eu tirava 99 ou 98 era um martírio, era uma coisa assim, insuportável, azucrinava a minha mãe. Ela me lembrava sempre, durante o período que ela era viva, ela me lembrava: ‘Você me fez, no final do segundo ano, ir na escola, conversar com a professora, para a professora explicar por quê que eu tinha ficado com média 98'. Era a maior média da classe, mas eu queria saber por que não tinha sido 100, porque eu tinha certeza que eu tinha acertado tudo ao longo do ano, como é que eu pude não ficar com 100.
Pergunta - Luciano:
Eu baixava para 70 [risos].
Resposta:
Pois é [risos]. Hoje, como professor, vendo essa situação, eu desacredito, mas minha mãe diz que aconteceu, então deve ter acontecido. Naquela época também tinha uma coisa que ficou muito marcada na minha cabeça. Os alunos que se destacavam como os melhores nas respectivas salas, ganhavam uma medalha, uma medalhinha dessas medalhinhas simplórias e tal, mas aquilo era uma baita de uma conquista, você ganhar as medalhas, então tinha a do primeiro, do segundo, do terceiro, do quarto ano, as medalhinhas de honra ao mérito por você ter tido notas muito favoráveis e tal. Então eu não tive problema nesse período de educação básica, eu não tive nenhum problema, absolutamente nenhum, passei pela escola com muita facilidade e sempre tirando as melhores notas. Eu nunca fui estudioso, nunca fui, odiava estudar, odiava, era uma coisa que, para mim, era mortal, o que eu fazia, a estratégia que eu colocava em prática, era prestar atenção nas aulas, eu prestava muita atenção nas aulas, para não ter que estudar depois, então eu ficava ligado em tudo que a professora falava, fazia os exercícios, procurava fazer bastante exercícios, para não ter que depois estudar. Quando tinha prova, dificilmente eu estudava, raramente.
Pergunta - Luciano:
Flávio, você citou aí a questão da vila dos Mosqueteiros. Pela forma como você citou, obviamente você acabou se transformando em um corinthiano, né?
Resposta:
Foi.
Pergunta - Luciano:
Com que foi isso? O seu pai era corinthiano, como que você demandou ir para qual time e no final acabou aderindo?
Resposta:
O meu pai era uma figura fechada, não era uma figura assim, expansiva. Então, ele nunca comentou nada comigo, mas eu tenho para mim que deve ter sido um dos maiores traumas da vida dele, certamente, porque eu lembro, assim, vivamente, eu lembro a imagem do meu pai no dia que o Corinthians foi campeão em 1977, depois de 24 anos se não me engano, foi campeão em cima da Ponte Preta, ganhou o Campeonato Paulista, eu acho que foi a única vez que eu vi meu pai descontrolado, porque a felicidade dele era...ele foi para a avenida Paulista, que era uma coisa que não tinha muito a ver com o meu pai, mas ele foi para a avenida Paulista comemorar o título do Corinthians, ele era realmente corinthiano roxo, mas não de ir em estádio, não ia em estádio, não vestia uniforme, até porque naquela época não era tão comum como é hoje, essa coisa de botar uniforme do time e tal, não era muito comum, mas ele torcia bastante. Só que, por esse jeito fechado dele, não tinha aquela coisa de pai para filho, inclusive de levar em estádio, de fazer com que você passe a ter uma relação de afeto com o clube, então eu não tive isso com o Corinthians. Isso, aliado ao fato de que no meu período de infância o clube não ganhava nada, acho que isso faz muita diferença para as crianças e os adolescentes, nunca me chamou a atenção. Não é dizer que eu era anti-corinthiano, não, eu não era corinthiano e não era nada, não torcia para ninguém. Aí, um tio meu que eu gostava bastante, gosto até hoje, ele ainda é vivo, era uma figura extremamente carismática e tal, e ele tomou esta iniciativa, de me levar no estádio, de me levar para conhecer, mostrar o clube, e aí eu acabei me afeiçoando justamente pelo principal rival do Corinthians, que é o Palmeiras, que eu torço até hoje, e sou muito mais doente do que meu pai era pelo Corinthians [15']. Sou muito mais doente pelo Palmeiras do que meu pai era. Eu acho que ele até no começo ele não acreditou que isso ia se efetivar, não deu muita importância. Depois, quando ele percebeu, já era tarde demais, aí eu já torcia mesmo, já curtia, na minha adolescência comecei a ir no estádio sozinho, faço isso até hoje, vou ao estádio, gosto de assistir o jogo. Tomei o cuidado de não cometer esse mesmo erro com meu filho...
Pergunta - Luciano:
Não deixa nenhum tio chegar perto, hein?
Resposta:
Não, nem tios nem avós, nada, para garantir que ele seja palmeirense e, felizmente, ele adora o verdão, então esse problema eu não tive [risos].
Pergunta - Luciano:
Deixa registrado o nome da sua mãe e do seu pai e desse tio aí de conduta duvidosa.
Resposta:
Minha mãe era uma figura maravilhosa. Eu perdi minha mãe há pouco menos de dois anos, foi um baque terrível, minha mãe é quem me deu toda a estrutura familiar, foi ela. Cecília (Belle) Falciano, e meu pai, que era o paizão tradicional das famílias de antigamente, aquele provedor, aquela coisa, meu pai é Vicente Falciano Neto. Meu pai faleceu bem antes, meu pai faleceu muito cedo, com 57 anos, basicamente por conta das opções que ele fez de vida, meu pai era alcoólatra e era viciado em cigarro, era tabagista, então infelizmente acabou tendo um câncer e faleceu muito cedo, muito muito cedo. A gente não conseguiu ter essa parceria que seria natural ter nessa fase de avô e tal, ele nem conseguiu ver neto, nada disso, infelizmente.
Pergunta - Priscila:
Eles trabalhavam no que, seus pais?
Resposta:
A minha mãe, quando casou, também é muito tradicional desse período, casou e largou o emprego. Ela trabalhava como escriturária, auxiliar de escritório, de faturamento em empresa de contabilidade. Meu pai se aposentou, meu pai é engraçado, porque meu pai era viciado em se aposentar, era uma coisa assim, era o objetivo de vida dele se aposentar. Ele se aposentou muito cedo, com 44 anos, ele começou a trabalhar com 13, com 44 ele se aposentou, e ele tinha um emprego que era o emprego dos sonhos, ele era vendedor o que seria hoje...ah, vendedor acho que é o termo correto, autônomo...ah! Representante comercial. Representante comercial para uma indústria de agulhas para máquinas têxteis. Naquela época, hoje você tem a invasão chinesa, a maior parte das malhas são produzidas na China, naquela época, não. A maior parte das malhas eram produzidas na região do Bom Retiro e do Brás, e era justamente essa região da cidade que era exclusiva do meu pai, e a indústria, que era uma indústria alemã chamada Gross Becker, era a indústria que fabricava as agulhas mais conceituadas, as mais resistentes. Então o meu pai não precisava trabalhar, ele ficava em casa e as malharias ligavam e diziam: ‘Eu preciso de agulha'. Ele fazia o pedido e entregava a agulha. Era um emprego maravilhoso, ganhava bem e tal, mas ele tinha obsessão por se aposentar. No dia que ele completou o prazo para se aposentar, ele deu entrada no INSS e parou de trabalhar. Então foi uma experiência esquisita, eu, por exemplo, a única possibilidade de não ser jornalista, era se eu trabalhasse na profissão dele. Eu sempre gostei da comunicação, sempre tive isso muito próximo da minha vida, mas eu tinha o desejo de ocupar o lugar dele como representante comercial, porque ele ganhava bem, era um emprego que não tinha muita dificuldade, porque a demanda era muito grande, e ele não me deixou. Ele falou: ‘Você tem que fazer coisa melhor na vida'. Eu nunca esqueci isso, eu falo: ‘Como é possível ter alguma coisa melhor do que você ter um emprego garantido, ganhando bem'. ‘Não, você tem que fazer alguma coisa melhor'. ‘Está bom, então eu vou fazer Jornalismo'.
Pergunta - Luciano:
Você falou do mercado de trabalho, fala um pouquinho sobre esse seu primeiro emprego lá na metalúrgica.
Resposta:
Foi muito legal [20']. Eu não imaginei que eu fosse ser contratado porque, para mim, era uma empresa de grande porte, fisicamente era uma empresa de grande porte, uma das principais produtoras, fabricantes de calotas e rodas do país. Eu cheguei lá com menos de 14 anos...ah, eu vi o anúncio de uma vaga, naquela época o principal lugar para você procurar emprego eram os anúncios nos classificados dos jornais e, na nossa região, tinha o jornal de bairro, que naquela época também era muito forte o jornal de bairro, tinha o jornal de bairro A Gazeta do Ipiranga, que circulava em toda a região do Ipiranga e eu, folheando A Gazeta do Ipiranga eu vi lá o anúncio de uma vaga. Aí eu fui: ‘Ah, é perto de casa'. Fui andando até lá, falei: ‘Vamos ver o que dá, né?', e o profissional que era o responsável pela vaga, era o que hoje seria um gerente de marketing. Ele não era da área Publicitária, era da área de Recursos Humanos, mas respondia pela comunicação da empresa, que era uma comunicação parca, simplória, mas era uma figura muito legal, um senhor já, com muita experiência de vida, e muito gente boa. Quando eu sentei para conversar com ele, ele foi com a minha cara, gostou de mim logo de cara, nós fizemos um teste lá com máquina de escrever, para saber se eu dominava a datilografia que, naquela época era datilografia. Eu tinha feito escola de datilografia, para aprender datilografia, uma coisa que os estudantes hoje acham graça quando a gente comenta, mas naquela época era necessário e, acabou a entrevista, ele falou: ‘Olha, tem mais quatro rapazes que vieram, mas eu vou escolher você'. Eu achei que ele estava brincando, não levei muito a sério, e aí dois dias depois ele ligou em casa e falou: ‘Olha, você pode vim começar a trabalhar'. E aí eu comecei. O cargo tinha um nome esquisitíssimo, era auxiliar de expedição de correspondência. Quando eu olhei o cargo, eu pensei: ‘O que que eu vou fazer? Eu vou fechar envelope de carta, é isso? Ou vou levar as cartas no correio, qualquer coisa assim'. Mas era o nome que a empresa tinha, foi uma das surpresas que eu tive nessa empresa. Uma das coisas que mais me chamou a atenção...Ah, e a empresa era muito diferente, uma das coisas que mais me chamou a atenção é o fato de que na empresa, tinha cento e tantos funcionários, uma unidade industrial grande, na empresa só trabalhavam homens, não tinha nenhuma mulher, absolutamente nenhuma, em nenhuma função, inclusive cozinha, tudo. Eram só homens, aquilo me chamou a atenção: ‘Mas por que isso?'. Porque a esposa de um dos donos exige que só sejam homens...então tá. O dono já era um senhor com seus sessenta e tantos, de cabelo grisalho, mas só homens. Durante todo tempo que falei lá, eu fiquei quatro anos mais ou menos, eram só homens trabalhando, em todas as funções, em absolutamente todas as funções, só homens trabalhando. Uma empresa familiar, muito legal, que como toda empresa familiar, quando os donos, dois sócios, quando os donos acabaram se afastando, um por falecimento e outro por doença, aposentadoria e tal, quando os filhos assumiram, não conseguiram dar conta, a empresa acabou falindo, bem depois de eu ter saído, coisa de 15 anos mais ou menos, a empresa acabou falindo e hoje não existe mais. Existe o espaço físico, mas agora é uma unidade da CET ali, da Companhia de Engenharia de Tráfego.
Pergunta - Luciano:
E como vai se dando a sua trajetória rumo à área da comunicação?
Resposta:
Então, não tem essa trajetória rumo à área de comunicação, não é uma coisa assim: ‘Ah, eu estava indo para cá, e de repente eu virei para lá'. Não, a comunicação sempre fez parte da minha vida, isso é uma coisa que eu tenho que agradecer muito ao meu pai, tem muito a ver com ele. Ele sempre gostou de notícia, apesar de nunca trabalhar com nada que tivesse a ver com isso, que tivesse uma relação, para ele era fundamental estar bem informado, ele gostava disso, fazia parte do dia a dia dele. Então, todos os dias pela manhã, ele ia até a padaria comprar a bengala de pão que é o que a gente comia no café da manhã. Hoje dificilmente você vê bengala, hoje são pãezinhos comum, pãezinhos, e naquela época não, você tinha o pão grande, a bengala [25']. Então ele ia na padaria, comprava a bengala, comprava o leite, que era vendido em saquinhos, comprava o saquinho de leite, parava no jornaleiro e comprava um jornal, e levava para casa. A gente tomava o café da manhã ouvindo o radiojornal. Meu pai gostava bastante da Rádio Bandeirantes, e ele ouvia o jornal da Bandeirantes de manhã. Pela profissão dele, quase sempre ele almoçava em casa, que também era uma coisa legal, a gente almoçava ouvindo o jornal na hora do almoço e a noite, quando ele chegava em casa, a gente assistia ao telejornal, no caso o Jornal Nacional, da rede Globo, a gente assistia em casa. Então, esse universo da comunicação fazia parte do meu dia a dia, eu cresci dessa forma. Tinha jornal todo dia em casa, a gente estava acostumado a ouvir rádio, primeiro porque meu pai ouvia as notícias, sempre, e depois minha mãe adorava rádio, e aí eu ficava a maior parte do tempo em casa com ela, quando eu estava em casa, eu estava muito mais com a minha mãe. E aí eu ouvia os programas de rádio que ela estava acostumada a ouvir. Os programas de comunicadores populares, na maior parte dos casos programas musicais e programas de comunicadores populares. Isso esteve presente em toda a minha infância e adolescência e, naturalmente na escola, não sei te dizer por que, mas eu sempre tive muita facilidade por escrever, fazer redação, sempre foi uma coisa normal. Eu me dava melhor com professora de língua portuguesa, conversava mais com elas, as professoras elogiavam o meu texto, as minhas histórias, a maneira como eu escrevia a tal ponto, que quando eu fui para o Ensino Médio, o Ensino Médio eu saí da escola pública e fui para a escola particular. Eu fui para um colégio que existia na via Anchieta, na própria via Anchieta, um pouquinho mais perto do Sacomã chamado Colégio Modelo, que foi tradicional durante um período de tempo ali na região do Ipiranga, e ele era um colegial técnico, ele tinha cursos técnicos, porque a lógica qual era: ‘Já que eu estou trabalhando, eu preciso ter alguma formação que me ajude no trabalho'. Eu trabalhava na área administrativa, acabei fazendo um curso técnico de administração. Aí a diferença foi...se eu senti um degrau no comecinho do meu processo de ensino e aprendizagem quando eu saí da escola particular e fui para a pública, quando eu fui dessa pública para a particular, aí foi absurdo. Eu entrei na escola, me matriculei. Aí a moça da secretaria falou: ‘Olha, existe um processo de seleção aqui para bolsas de estudo. Os alunos que vão bem, de acordo com a nota, consegue uma mensalidade, duas mensalidades, três mensalidades'. Eu falei: ‘Ah, está bom. Isso vai até onde?'. ‘Ah, o aluno que for muito bem, ele consegue o ano gratuitamente'. Falei: ‘Está bom'. Fui lá, fiz a prova, consegui o ano de graça, não paguei o primeiro ano, aí fiz a prova no final do primeiro ano, não paguei o segundo ano, aí, no terceiro ano, eles me proibiram de fazer a prova, eu tive que pagar o terceiro ano do colegial técnico, mas o nível já foi bem menor, não só o nível foi bem menor de qualidade de ensino, mas me prejudicou significativamente na preparação para a universidade, porque no colegial técnico você não tem boa parte da carga de disciplinas que você precisaria ter para se preparar para o vestibular, no meu caso, por exemplo, de administração, você não tinha nada de biomédicas, ciências, nada. Então, quando você tem que fazer o vestibular, que está lá separado, você se perde. Física, química e biologia, zero. Isso veio me prejudicar lá no futuro, mas não tinha jeito. Você tinha que pensar momento a momento. Naquele momento era o necessário, e eu fiz, e no próprio colegial técnico, uma das disciplinas que a gente tinha era língua portuguesa, era uma professora que eu tinha uma afinidade legal com ela e tal, e quando eu estava terminando o ensino médio, que era o colegial, eu estava terminando o ensino médio, ela me chamou e falou: ‘O que você pretende fazer?'. Eu falei: ‘Ah, pretendo fazer alguma coisa em comunicação, é o que tem mais a ver comigo' [30']. Ela falou: ‘Não, com certeza você é da área de comunicação, mas em comunicação você pretende fazer o que?'. Eu falei: ‘Ah, não sei, eu estou em dúvida'. Eu tinha dúvida entre Jornalismo e Rádio e TV. Rádio e TV estava começando naquela época, bem incipiente, poucas faculdades tinham. Aí ela falou: ‘Você tem tudo a ver com jornalismo', eu falei: ‘Eu também acho que tem mais a ver com Jornalismo porque o Jornalismo tem mais a ver com escrever do que o curso de Rádio e TV'. Aí ela falou: ‘Pensa em fazer Jornalismo'. E eu pensei. Acabei me inscrevendo, eu sempre tive muito claro quais eram as minhas condições, então eu não prestei muitos vestibulares, tem gente que fez 500 vestibulares, eu não. Eu prestei na USP porque era quase que uma obrigação prestar, mas eu sabia que não ia passar, nem na primeira fase, quanto mais na segunda, e prestei na Metodista porque, aonde eu morava era natural, você tinha um grupo pequeno de universidades de comunicação, você tinha a USP que era pública, e que era quase inatingível para quem vinha de escola pública ou particular técnica, como era o meu caso. Você tinha a Cásper Líbero, a PUC e a Metodista, era esse o rol. Nesse sentido, para mim, do ponto de vista de logística, fazia toda a diferença, eu não vou em uma faculdade em Perdizes, ou na Paulista, trabalhando, porque eu continuei trabalhando. Não vou, não vai ser viável financeiramente e em termos de tempo, porque a Metodista está aqui, e eu acabei fazendo o vestibular da Metodista, no qual eu também não passei. Foi um período bem delicado esse, bem delicado, porque eu vim daquela fase da educação básica todo vaidoso, de ter ótimas notas, eu participei de olimpíada, participei de olimpíada de matemática, olimpíada de língua portuguesa, era um aluno conhecido na escola e tal. Aí quando eu fui para a técnica, eu continuei conhecido na escola, o nível caiu, mas o destaque continuava. Aí quando eu fui fazer o vestibular, eu nunca vou esquecer isso, eram 65 vagas, eu prestei à noite, porque eu trabalhava durante o dia, então só podia fazer à noite. Eram 65 vagas, eu fiquei na colocação 87. Aquilo foi uma tragédia para mim, eu achava que era o maior fracasso que eu poderia ter era aquele. Eu chorei para caramba, foi bem complicado, mas a minha mãe ficou no meu pé, ela falou: ‘Vai lá, vai na universidade, vê como é que é e tal'. Aí eu fui, conversei com uma secretária super atenciosa, e ela me explicou: ‘Olha, existem listas de espera, porque existem pessoas que acabam passando, mas depois passam em outra e não efetivam a matrícula. Então, se você quiser, você coloca seu nome aqui, preenche uma ficha e você fica na lista de espera'. E eu fiz isso, preenchi uma ficha e fiquei na lista de espera. Nada de me ligar. Minha mãe encheu meu saco, eu fui lá, eu falei: ‘Olha, eu preenchi uma ficha e tal'. Aí a menina foi olhar e falou: ‘Olha, dos 65, nós já estamos no 81 se não me engano'. Eu falei: 'Poxa, então tem quatro', ela falou: ‘Vai ser difícil, porque as aulas já começam agora na semana seguinte'. Isso foi véspera de carnaval. Eu fui para o carnaval com os amigos, fui para o litoral, isso também ficou marcado. Eu fui para o litoral, na Praia Grande, fui com uns amigos, tomei um porre daqueles, eu falei: ‘Não, vou extravasar as minhas mágoas' [risos] tomei um porre daqueles. Voltei na terça-feira, na quarta-feira eu estava com aquela cara de quarta-feira de cinzas mesmo, achando que o mundo tinha acabado para mim. Aí eu estava trabalhando na metalúrgica e minha mãe me ligou desesperada, falou: ‘Olha, te ligaram da faculdade, tem uma vaga, mas você tem que ir hoje, se matricular e as aulas começam hoje'. Eu falei: ‘Caramba, mas e o dinheiro da matrícula?', porque eu não tinha o dinheiro da matrícula, já não tinha antes, mas depois que eu gastei com o porre e a viagem para o litoral, aí que eu não tinha mesmo [risos] [35'].
Pergunta - Luciano:
Ia ter bafômetro também.
Resposta:
[risos] Se tivesse bafômetro eu teria perdido também, não passava. Aí eu fui pedir para esse meu chefe. Eu falei: ‘Olha, passei no vestibular'. Ele ficou todo contente e tal. Aí eu falei...pedi para ele no sentido da empresa, não para ele como pessoa física: ‘Não tem como a empresa me ajudar e tal?'. Aí eles fizeram um adiantamento para mim para eu poder ir lá e fazer a matrícula. Fui, fiz a matrícula e comecei a estudar, e foi muito interessante porque...a primeira coisa que eu fiz quando entrei em sala de aula foi olhar e falar: ‘Eu quero saber quem ficou em primeiro lugar'. Foi a primeira coisa, eu quero saber quem é a criatura que ficou em primeiro lugar no vestibular. E aí você conversa daqui, conversa dali e acaba descobrindo, né? Era um rapaz classe média alta, motoqueiro, capacete todo bonitão e tal, estilo aluno de classe média alta. Falei: ‘Está bom, então estou na captura dele, ele vai ser a minha métrica, eu tenho que, no mínimo, fazer o mesmo que ele fizer'. E, no final, ele acabou largando o curso no final do primeiro semestre, não era o que ele queria fazer, e eu acabei me dando super bem no curso de Jornalismo, me destaquei, tanto me destaquei que eles me contrataram para dar aula seis meses depois que eu acabei a faculdade, eu comecei a dar aula na própria universidade.
Pergunta - Priscila:
Que ano você entrou na faculdade?
Resposta:
Eu entrei em 1985, fiz a faculdade de Jornalismo de 1985 a 1988.
Pergunta - Luciano:
Flávio, eu ia propor então uma pausa, porque a gente tem até um compromisso com o horário da Ileane, e aí a gente retoma numa segunda sessão...na faculdade, entrando na faculdade e vida profissional para a gente chegar na USCS. Queria deixar uma última pergunta então da primeira etapa, você falou dessa sua convivência desde sempre na comunicação, quem foram suas grandes referências? Quem você pode citar como aquelas, seja em quaisquer desses momentos, quem foram os comunicadores que te influenciaram?
Resposta:
Caramba, é difícil isso, viu? Do ponto de vista de comunicação, a minha grande referência foi o Hélio Ribeiro. Um comunicador que fez muito sucesso na década de 1970, mais década de 1980, uma voz maravilhosa, aquela voz padrão sensacional, e ele tinha um texto muito legal, ele cativava os ouvintes pela maneira como ele falava. Ele tinha um programa dele, o Programa Hélio Ribeiro, e foi uma grande referência para mim. Do ponto de vista jornalístico, até porque a minha área é o rádio, eu sempre gostei de rádio, me formei focado no rádio, meu primeiro emprego na área de jornalismo foi em rádio, a minha principal referência é o Heródoto Barbeiro. É uma figura que eu comecei a ouvir quando eu ainda era adolescente, estudante de jornalismo e depois se transformou no meu primeiro chefe. Então é alguém que eu respeito bastante, gosto da maneira como se coloca, eu não diria que é um ídolo, mas é certamente uma referência de jornalismo para mim...acho que esses dois são os principais. Tem uns ícones, como o Lopes Correia, que foi um locutor da Rádio Globo mas ficou mais conhecido por ser um dos primeiros apresentadores do Jornal Nacional, com aquela cara sisuda, aquela voz empostada, também é uma referência. Do ponto de vista histórico, você tem os apresentadores do Repórter Esso, são figuras importantes, mas esses dois acho que são mais marcantes.
Pergunta:
Perfeito. Bem, vamos encerrar, primeiro que a gente não judia muito... [encerramento da entrevista neste dia. Retorno no dia 13/07/2017].
Pergunta - Luciano:
Bom Flávio, vou pedir para você retomar então do nome completo, local e data de nascimento, mais para ajudar aí na hora da edição.
Resposta:
Tudo bem. Nome completo, meu nome é Flávio Falciano, idade...nascimento é 28 de agosto de 1967 e é em São Paulo.
Pergunta - Luciano:
Perfeito. Então, a gente está retomando o seu depoimento, iniciado semana passada. Na semana passada, nós chegamos até a Metodista. Você entrando na Metodista, você até falou para a gente daquela questão que entrou, mapeou ali a sala e falou: ‘Quem foi o primeiro colocado, foi aquele rapaz, vou colar nele, minha briga ali é com ele' [40']. Então queria que você retomasse falando um pouquinho das suas lembranças nesse período de aluno na Metodista.
Resposta:
Ah, foi bem interessante porque primeiro você tem um componente de ser um curso que eu queria, ser a área que eu queria, e aí conforme foram se desenvolvendo os semestres deu para perceber que era exatamente o que eu queria mesmo, o tesão pelas disciplinas, pelo conteúdo, isso só fazia aumentar. Tem também o fato de ser um momento muito particular do ponto de vista histórico do país, porque eu entrei na faculdade justamente no início do processo de abertura política, a chamada nova república, eu entrei nesse período, então você tinha uma efervescência do ponto de vista da comunicação e do jornalismo, isso estava muito presente na universidade. A Metodista se caracterizou, no período de Ditadura, por ser uma instituição que dava espaço para os profissionais, os professores que tinham uma visão política mais avançada, e que não tinham espaço em outros lugares para conseguir trabalhar. Então, ali, era meio que um foco de resistência da Ditadura Militar, nesse período mais complicado político do país. Isso deu para perceber no transcorrer do curso, tinha um viés político muito presente em todas as disciplinas, acho que isso enriqueceu o meu processo de formação profissional. Então, foi um período muito legal, eu estava fazendo o que eu queria, que é o curso de jornalismo, do ponto de vista logístico era muito legal, porque era uma universidade próxima da minha casa, então não tinha muita dificuldade, a dificuldade que existia era uma dificuldade financeira porque a minha família era uma família, como eu falei, de classe média baixa, e eu precisava trabalhar para pagar a faculdade, então as dificuldades eram dificuldades mais do ponto de vista financeiro, mas eu adorei o período de faculdade porque eu estava me formando naquilo que eu queria fazer, naquilo que eu realmente achava que ia seguir a minha vida inteira, e realmente isso acabou acontecendo nesse período. O que mais eu posso destacar?
Pergunta - Priscila:
Flávio, você falou um pouco na semana passada, mas só para retomar, por que da sua escolha pelo Jornalismo?
Resposta:
Não dá para dizer que houve um episódio que tenha sido fundamental...eu sempre gostei de escrever. Isso eu acho que é o ponto fundamental. Sempre gostei de escrever e, pelo que falavam, eu escrevia muito bem. Então, era meio que natural, as minhas notas de maior destaque eram as notas na área de língua portuguesa, principalmente na redação. Eu tinha um texto fluido e os professores valorizavam isso, sempre tinham comentários positivos nesse sentido. Como a comunicação era uma coisa muito presente no meu dia a dia, fazia parte do meu dia a dia, e eu tinha e tenho essa característica de ser muito curioso, querer saber o que está acontecendo, querer saber o que está por trás do que está acontecendo, acho que o Jornalismo foi um caminho natural. Quando eu tive que escolher o curso para fazer o vestibular e tal, eu tinha alguma dúvida com relação à perspectiva de Rádio e TV, mais por conta da USP, porque a USP tinha esses dois cursos, Jornalismo e Rádio e TV, então havia essa possibilidade, mas, na hora de me inscrever, foi muito natural, eu sempre me vi como sendo um jornalista, sempre, nunca imaginei uma outra área. Minha mãe brincava comigo que o sonho dela era que eu fosse maestro, ela adorava música e ela queria que eu trabalhasse nesse lado, mas nunca tive qualquer virtude no sentido musical. Então para mim o Jornalismo foi, não era nem assim, uma das opções, era a opção. Eu prestei vestibular só para Jornalismo, prestei na USP por uma questão que era normal, acho que até hoje é normal prestar vestibular na USP, mas eu sabia que não tinha nenhuma condição de passar, por causa do colegial técnico que deixava de fora um conteúdo fundamental no caso do vestibular, e prestei na Metodista porque era uma das faculdades mais renomadas na época, a USP era a primeira, e era pública, depois você tinha, no mesmo patamar, você tinha Metodista, Cásper Líbero e PUC, eram as três faculdades que disputavam o ranking de melhor universidade de Jornalismo [45']. Para mim, a Cásper Líbero e a PUC não me chamavam a atenção principalmente do ponto de vista de localização, como eu tinha que trabalhar para pagar a faculdade, sair do trabalhar cinco e meia, seis horas para conseguir chegar ou na Paulista ou em Perdizes, com transporte público, era impensável. Então, foi a Metodista, e me dei super bem, existe uma coisa meio de se sentir em casa. Quando eu entrei na Metodista, eu me senti em casa, fiz os quatro anos com a maior tranquilidade, às vezes até, muito raramente, o pessoal saía à noite para beber, e sair à noite para beber significa você dividir o preço de uma cerveja, isso era sair à noite para beber na minha situação financeira, e algumas vezes eu perdia o último ônibus que passava onze e meia na via Anchieta, e eu voltei andando da Metodista até em casa, porque é uma distância aí de uns quatro quilômetros mais ou menos, então eu cheguei a voltar andando até minha casa, não era tão complicado.
Pergunta - Luciano:
Flávio, e ainda nesse período seu como estudante de Ensino Superior, teve alguma situação que você viveu ali que depois, anos mais tarde, já na carreira docente, que você se reconheceu em sala de aula, por alguma oportunidade, algum aluno que você: ‘Poxa, olha, eu fazia isso, eu era mais ou menos assim, tive essas dúvidas'.
Resposta:
Bom, primeiro é fundamental deixar claro que eu nunca imaginei ser professor, nunca. Não esteve em nenhum momento nas minhas perspectivas de futuro profissional quando eu estava no período da faculdade. Nunca, não é dizer assim: ‘Ah, eu gostava, não gostava'. Eu nunca pensei nisso. Para mim, eu ia fazer a faculdade, ia entrar no rádio, e ia desenvolver uma carreira no rádio, essa era a perspectiva que eu tinha, basicamente era isso. Mas depois, quando eu comecei a dar aula, várias vezes eu enfrentei situações que eu lembrei de momentos semelhantes quando eu estava do outro lado. Isso até era um gatilho, eu falava: ‘Não, espera aí, eu tenho que pegar um pouco leve porque eu me lembro que já vivenciei isso do outro lado', principalmente no ponto de vista de autoridade, de você querer fazer valer a sua decisão, o seu ponto de vista e tal, então eu sempre tive um pé no freio para saber controlar esse tipo de coisa. O meu começo no magistério foi muito complicado, muito complicado, e isso é uma falha do magistério do ensino superior desde aquela época até hoje, e olha que são 30 anos de distância. Você não tem um processo de formação de professor para o ensino superior, principalmente para o ensino superior do ponto de vista técnico, de disciplinas técnicas. Não existe isso, e os professores acabam entrando para dar aula pela experiência profissional que eles têm, pelo desenvolvimento de carreira que eles têm. Isso não acontece só no Jornalismo, acontece em todas as áreas profissionais, e é muito complicado, porque você vai para a sala de aula, dominando o conteúdo inquestionavelmente, mas sem domínio absolutamente nenhum da didática. Você sabe o que tem que ser feito, mas não sabe como ensinar o que tem que ser feito, isso eu senti na pele, isso para mim foi bem marcante. Até porque, eu comecei muito cedo, absurdamente cedo. Hoje eu sei que é absurdamente cedo. Naquela época eu recebi o convite, terminei a faculdade, seis meses depois eu recebi o convite, porque eu já trabalhava na área, esse foi o grande diferencial, eu já trabalhava na área, eu comecei a trabalhar no Sistema Globo de Rádio no segundo ano da faculdade, foi muito cedo, no quarto semestre eu já estava trabalhando na área. Botei na minha cabeça que eu tinha que trabalhar na área, e aí eu peguei o meu período de férias, onde eu trabalhava, que eu trabalhava como auxiliar de escritório na metalúrgica, eu peguei aquele período de férias e fui bater de porta em porta nas emissoras de rádio [50']. Peguei a lista telefônica, naquela época ainda era lista telefônica...peguei a lista telefônica, peguei o endereço de todas as emissoras de rádio e fui, uma por uma, com aquele currículo impresso xerocado de máquina de escrever, cheguei lá e falei: ‘Olha, queria trabalhar aqui'. Bati, levei porta na cara em quase todas, onde eu fui melhor atendido foi justamente no Sistema Globo, que naquela época era Rádio Globo e Rádio Excelsior. O chefe de redação na época, Celso Antonio de Freitas, me atendeu. Foi um dos poucos que me atendeu. Aí ele sentou comigo, bateu papo e tal, e aí ele falou: ‘Você sabe que as emissoras não contratam estudantes de Jornalismo', porque naquela época o estágio era proibido, então não contratava estudante de Jornalismo. Eu falei: ‘Não, tudo bem, mas eu quero trabalhar, eu faço qualquer coisa, se precisar fazer o café, eu faço o café, não tem problema nenhum, eu quero trabalhar na área'. Ele falou: ‘Olha, como você é uma pessoa legal e tal, eu não vou jogar o seu currículo no lixo, mas a gente não vai te contratar'. ‘Está bom'. Aí depois eu fiz com ele a mesma coisa que eu fiz com todos os outros, passou uma semana eu liguei, para ver se tinha alguma novidade; depois de 15 dias eu liguei, para ver se tinha alguma novidade, e passou batido. Eu voltei a trabalhar na metalúrgica e menos de um mês depois ele me ligou, ligou na minha casa, aí minha mãe me ligou e falou: ‘Olha, ligaram para você lá da Globo, para você retornar'. Aí eu liguei e ele falou: ‘Olha, se você estiver disposto, você começa amanhã'. Aí eu, no trabalho, como é que eu faço agora. Que eu ia, não havia nenhuma dúvida, mas eu precisava de uma logística ali que tinha que ser acertada. Consegui conversar com o dono da empresa, eu falei: ‘Olha, não tem como eu trabalhar só de tarde aqui', porque eu ia ser contratado para trabalhar na Globo de manhã, e ele topou, até porque a empresa pagava uma parte da minha faculdade, eu tinha feito um acerto antes para me ajudar a pagar a faculdade, então eles me pagavam uma parte da faculdade, aí eu comecei a fazer esse esquema de entrar na Globo às seis da manhã, sair da Globo ao meio dia, entrar na empresa a uma da tarde e ficar até às cinco e meia na empresa, mas aí com três meses eu abri o bico, não conseguia mais, fiquei doente e tal, porque era muito maluco, eu entrava às seis, saía meio dia, pegava o ônibus correndo para chegar na empresa a uma, sair às cinco e meia, voltava para casa correndo para comer alguma coisa, para entrar na faculdade às sete e meia até as 11 da noite. Dormia uma média de quatro horas por noite, e o corpo não aguentou, larguei a empresa e fiquei só na rádio.
Pergunta - Luciano:
O que que mudou nesse meio tempo para uma empresa que não ia te contratar para ela aceitar a contratação?
Resposta:
É, segundo o Celso me disse na época, foi porque eles tiveram a saída de um funcionário, inesperada, e não tinha ninguém por indicação, porque nos meios de comunicação, e principalmente no rádio, as contratações se dão por indicação, em 99% dos casos é assim, porque é muito melhor você ter alguém que indique, e que meio que se comprometa com aquela pessoa que está indicando, do que você fazer um processo de seleção, principalmente no início de carreira, que você vai exigir o que de alguém que está começando agora. Não tem muito como selecionar. Eles não tinham ninguém, e aquele currículo que ele não jogou fora, estava na gaveta. Aí foi o primeiro que ele pegou, ele falou: ‘Ah, vou chamar esse rapaz aqui', e me chamou.
Pergunta - Luciano:
E como foi esse início de trabalho na Globo?
Resposta:
Foi sensacional, porque eu entrei assim, rasgando. Eu tinha tanta vontade de fazer aquilo, que eu fazia muito mais do que eles esperavam. Eu entrei como auxiliar de produção, eu não fui estagiário, eu fui contratado. Eu era um radialista. Eu entrei como auxiliar de produção, com a responsabilidade de fazer rádio escuta, nesse período da manhã. Eu fiz rádio escuta por um mês, eles já me tiraram e eu fui para a pauta, virei pauteiro e fiquei quase três anos e meio trabalhando como pauteiro.
Pergunta - Priscila:
Flávio, descreve um pouco esse trabalho, rádio escuta, pauteiro, descreve um pouco como se ninguém soubesse o que é [55']
Resposta:
Rádio escuta...hoje está mais em desuso, mas ainda as emissoras de rádio trabalham com rádio escuta. O papel fundamental do rádio escuta é você ouvir o que as outras emissoras de rádio, a concorrência, está veiculando, e também ouvir o que as emissoras de televisão, os programas jornalísticos das emissoras de televisão estão veiculando, para saber se tem alguma assunto que não é trabalhado pela rádio, para que a rádio possa ir atrás e também divulgar aquele assunto. Ou se tem, entre os assuntos que a rádio está trabalhando, se tem algum enfoque diferente, algum entrevistado diferente que chame a atenção. Então o rádio escuta, para ele fazer um trabalho de qualidade ele precisa, primeiro, ter a perspicácia de acompanhar várias coisas ao mesmo tempo, porque os noticiários são paralelos, principalmente no período da manhã, que é o período mais importante do noticiário do rádio, então você tem ao mesmo tempo, eu trabalhava para a Excelsior, que hoje é a CBN, no período do jornal da manhã da Excelsior você tinha a Jovem Pan com o jornal, você tinha a Bandeirantes com o jornal, que eram as duas mais importantes, e também tinha os telejornais do período matutino, então eu tinha que acompanhar tudo isso ao mesmo tempo. Eu tinha uma sala com vários aparelhos de rádio e dois televisores, e gravava tudo isso, porque é claro, você não consegue transcrever tudo imediatamente, então você precisava ir gravando um, gravando outro, quando entrava o comercial desligava um, ligava o outro, para depois você transcrever tudo isso. Quando a gente diz gravando é importante frisar para o pessoal que, naquela época, gravando era gravando em gravador de rolo, aqueles gravadores grandes de rolo que a gente manipulava e voltava e tal, para poder conseguir ouvir e repassar isso para o chefe de reportagem, a partir das informações que eu repassava para o chefe de reportagem, ele verificava se o repórter tinha que dar um ângulo, dar um enfoque diferente na matéria que eu estava fazendo, ou se tinha alguma notícia que o pessoal de redação que precisava apurar para colocar no ar. Esse é o trabalho do rádio escuta. Aí, quando eu passo para a função de pauteiro, o meu trabalho fica sendo pegar essas informações que o rádio escuta passa e bolar propostas de pauta para virarem reportagem, além de checar a central informativa, que é Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, as estradas, para saber se está acontecendo alguma coisa importante que mereça virar notícia ou virar reportagem. Então, o trabalho de pauteiro é um degrau significativo acima do trabalho de rádio escuta. Eu imaginei que eu fosse ficar uns dois ou três anos lá trabalhando como rádio escuta, mas eles logo me passaram para pauteiro, porque eu também tinha muita facilidade no telefone, eu lidava muito fácil com isso. Eu conseguia agendar entrevistas que o pessoal tinha dificuldade de conseguir, eu dava um xavecada no pessoal no telefone, e aí viabilizava as entrevistas. Como boa parte do período de trabalho era o período que o jornal estava no ar, isso fazia grande diferença, e aí o retorno veio do Heródoto, que era o apresentador do jornal da Excelsior, edição da manhã na época, porque antes tinha muita dificuldade de colocar entrevistado no ar ao vivo por telefone, e depois que eu entrei isso passou a ser um pouco mais fácil. Aí ele falou: ‘Então vamos puxar o menino', o menino era eu, ‘Vamos puxar o menino para trabalhar nessa área de pauta e de agendamento de entrevista'. Foi aí que eu acabei ficando todo o meu período na Globo.
Pergunta - Luciano:
Como se dá o seu primeiro contato com a USCS neste contexto da sua atuação, seja profissional ou seja acadêmica?
Resposta:
Foi mais ou menos como começar a dar aula. Eu não imaginava que eu iria dar aula, fui convidado, comecei a dar aula na Metodista com seis meses de formado, com 21 de idade. Eu entrei na sala de aula para dar aula com 21 anos. Na sala de aula que eu estava dando aula, na primeira sala de aula que eu peguei, que foi uma sala de quarto semestre de Jornalismo tinha, era uma sala de sessenta e poucos alunos, tinha pelo menos 15 com mais idade que eu. Então, foi uma coisa muito traumatizante, meu primeiro semestre foi uma catástrofe [01:00']. Os alunos procuraram a coordenação, para que me tirassem da sala e tal, porque eu sabia o que eu precisava explicar para eles, mas não sabia como ensiná-los a fazer o que eu sabia fazer. E aí foi muito legal a participação desses alunos mais velhos, porque chegou uma hora que eu juntei a classe e falei: ‘Olha, se o que vocês querem é que eu saia, eu saio, não tem problema nenhum. Isso aqui para mim é uma experiência que eu nunca imaginei que eu iria ter. Eu sei o que precisa ser feito, agora eu tenho dificuldade de passar isso para vocês. Se vocês colaborarem, a gente pode desenvolver legal, se vocês se mantiverem irredutíveis e o melhor é que eu saia, eu saio, não tem problema nenhum'. Aí eu lembro bem que dois dos mais velhos, com 30 e tantos anos eram...isso foi muito marcante, irmãos gêmeos, que estavam na sala de aula, e os dois trabalhavam na Mercedes Benz aqui em São Bernardo, eles levantaram, foram lá na frente e falaram: ‘Gente, se trocar o professor, até arrumar outro, esse outro pode vim com os mesmos problemas que esse, ou com mais problemas, vamos dar uma chance pro menino', foi bem assim, ‘Vamos dar uma chance para o menino, ele está com boa vontade, está querendo colaborar com a gente, vamos prestar atenção na aula', porque os alunos não prestavam a atenção na aula, saíam da sala de aula, era complicado, e eu ainda não tinha esse controle. Aí, com a fala deles, a classe mudou a postura, e a gente conseguiu tocar o semestre até o final, eu fui ensinando e muito aprendendo, até chegar num ponto de estar mais tranquilo, pegar outras disciplinas e tal, isso foi num crescente. Eu fui me desenvolvendo na própria Metodista, comecei a pegar mais aulas de outras disciplinas, de outras áreas, também fui desenvolvendo minha carreira fora da Metodista, paralelo ao magistério, tive outras várias experiências profissionais e, em 1988, quando eu estava fazendo o mestrado, eu tive uma experiência delicada com o coordenador, na época era faculdade de comunicação da Metodista, que era o coordenador do mestrado que eu fazia, lá na Metodista mesmo, que é o professor José Marques de Melo. Ele estava dando uma aula no mestrado, ele colocou lá uma situação qualquer, que eu não lembro qual era, mas era uma informação, números sobre a atuação profissional no jornalismo, e eu contrapus, e falei: ‘Olha, a minha experiência profissional, trabalhei em rádio, assim, assim, assim, minha experiência profissional é diferente disso', e ele se sentiu ofendidíssimo porque eu o questionei em sala de aula, levantou a voz, falou quem eu achava que eu era para poder questioná-lo em sala de aula, e eu falei: ‘Não, eu só estou passando a minha experiência profissional', foi bem complicado porque ele se sentiu atingido de alguma forma, não era o caso, mas ele se sentiu ofendido de alguma forma, e baixou minha nota, eu era o único que fazia os trabalhos, eram trabalhos em grupo da disciplina dele, que era uma disciplina obrigatória e tal, eu fiz o trabalho para quase toda a classe, toda a classe teve A e eu tive B. Ali eu já percebi que a coisa ia ser complicada. E, no final daquele semestre, ele me mandou embora da Metodista. Eu dava aula em quatro cursos diferentes, em Jornalismo, em Rádio e TV, em Relações Públicas e Publicidade, e ele me mandou embora. O coordenador do curso de Jornalismo na época era o professor Gino Giacominni, a gente tinha uma proximidade muito legal, se dava super bem e tal, e ele ficou muito mal com aquilo porque ele não concordava, mas precisou aceitar porque veio de cima, e aí ele falou: ‘Olha, eu não tenho o que fazer para evitar a sua demissão, não concordo com ela, acho injusta e tal, mas não tenho o que fazer, mas eu estou coordenando a abertura de um curso de Jornalismo em uma outra faculdade aqui da região, em São Caetano, você já ouviu falar do IMES?', ‘Nunca ouvi falar do IMES' [01:05']. Aí ele falou: ‘Se você estiver disposto, tem uma disciplina lá, que é uma disciplina introdutória, Introdução ao Jornalismo. Lá é público, mas como está abrindo o curso ainda, eu consigo te contratar por tempo determinado e depois quando abrir o concurso, você presta o concurso', ‘Está bom'. Topei! Eu falei: ‘Vamos lá, vamos conhecer como é que é e tal', e vim para cá, para cá não, lá para o campus Barcelona e comecei a dar aula da USCS, e foi mais ou menos, na época era IMES, né? E foi mais ou menos a mesma situação que eu tive quando eu entrei na Metodista para cursar Jornalismo. Eu entrei no IMES e eu me senti em casa, foi uma coisa assim, sabe quando casa? Casou. Nem parecia que era um lugar que eu nunca havia estado, não conhecia ninguém, fui muito bem recebido, muito acolhido, e comecei a dar aula para essa primeira turma, dei aula para a primeira e para a segunda turma. Quando estava terminando a segunda turma, foi aberto o concurso, prestei o concurso e não passei. Não passei assim, fiquei em segundo lugar. Quem ficou em primeiro lugar foi uma professora da USP, a professora Roseli Fígaro, que ficou em primeiro lugar na disciplina. Foi muito engraçado que os alunos fizeram até abaixo assinado, entregaram para o reitor na época, pedindo que eu continuasse e tal, e foi uma situação bem complicada, porque no período que antecedeu...às vésperas da realização do concurso, eu tive um problema de saúde muito sério, fiquei internado durante um tempo, eu tive trombose venosa profunda nas duas pernas, fiquei 30 dias internado, foi justamente no período das férias de janeiro. Fiquei internado nesse período e, quando eu voltei para casa, ainda de repouso, foi quando foi marcada a aula...do concurso, que na época o professor precisava fazer uma aula para uma banca, ser avaliado por uma banca, e aí eu entrei em contato com a faculdade e falei: ‘Olha, eu não tenho como ir na banca, eu tenho atestado médico e tudo, não tem como', e o pessoal foi super solícito, eles contrataram um carro para levar a banca toda na minha casa, eu dei a aula para a banca na cama da minha casa. Os professores sentados no pé da cama, estava o professor Ismar, a professora Margarida (Conche) e a outra professora eu não lembro o nome. A professora Margarida odiou, nunca tinha passado por uma situação daquela e tal, só pela fala dela antes do início eu falei: ‘Estou ferrado', não vai ter jeito. Mas assim, eu fui bem, eu não fiquei em primeiro lugar porque, naquela época a professora Roseli era doutora, então a pontuação é muito díspare, isso conta bastante no concurso, então eu acabei ficando em segundo lugar, e aí a professora assumiu as aulas em fevereiro, quando foi em junho, ela abriu mão das aulas, que não é o que ela queria, era muito complicado para ela vir para São Caetano, e aí ela abriu mão e aí me chamaram, e eu reassumi a turma na metade do ano, em agosto eu reassumi a turma, foi bem emocionante porque essa mesma turma que tinha feito abaixo assinado foi me visitar em casa quando eu estava de repouso, foram vários alunos lá, fizeram uma visita, foi muito legal, e quando eu reassumi, no primeiro dia de aula, eles fizeram festa na sala de aula, com quitutes, bebidas e tal, foi bem gostoso, foi muito marcante. E de lá eu estou até hoje.
Pergunta - Luciano:
Flávio, como era a USCS nesse momento, final dos anos 1980?
Resposta:
Ela era muito diferente e muito igual hoje. Muito igual porque a essência continua exatamente a mesma, o que caracteriza a USCS hoje e que a gente traduz muito nesse símbolo do orgulho de ser USCS, isso sempre esteve presente [01:10']. A USCS tem, desde a época de IMES, ela tem muito essa característica de família, sabe? As pessoas vão sendo agregadas e passam realmente a fazer parte da comunidade da universidade. Não tem essa coisa de você ser um número, por exemplo. Tanto professores quanto funcionários e alunos. Eu percebo isso porque eu continuo trabalhando na Metodista, eu acabei sendo recontratado um ano depois, assim que o professor Marcos de Melo saiu, eu fui recontratado. Eu trabalho na Metodista, por dever do ofício eu tenho contato com diversas outras faculdades de comunicação, principalmente da Grande São Paulo, tenho muito contato com professores e coordenadores de curso, e você não tem isso na grande maioria das universidades, quanto maior a universidade, mais você se separa desse corpus que é a universidade. E, aqui, não. Aqui as pessoas são próximas, há um interesse em você participar, por mais que haja problemas, e todas as universidades têm problemas, a gente também tem, mas você percebe que há uma preocupação com quem está ali, não é só um número ou alguém que vai ficar ali por no máximo quatro anos e depois vai desaparecer. Não tem essa relação. Os alunos são recebidos, que é uma coisa que me chama muito a atenção. Alunos é recebido por coordenador de curso, é recebido por professor fora do horário de aula, é recebido pelo reitor, por pró-reitores, naturalmente, sem a menor dificuldade. Isso acontece porque é assim, a USCS é assim. Nas outras universidades, não tem nada disso, sabe? Qualquer coisa que você vai fazer, você precisa marcar horário, verificar se há a possibilidade de agendamento, é tudo muito burocrático, aqui não, aqui são mais relações mesmo, são estabelecidas relações sociais, relações próximas, e isso eu acho que é um grande diferencial da USCS. Isso não mudou, já era assim com IMES, e continua assim com a USCS, na minha percepção. O que mudou é o crescimento, a olhos vistos. Quando eu entrei aqui, quando era IMES, você tinha o chamado núcleo duro da universidade, que são os cursos mais tradicionais, Administração, Economia, Contabilidade, esse eram os cursos básicos, formavam ali o chamado núcleo duro de sustentação da universidade, e ela tinha acabado de abrir essa perspectiva de comunicação, tinha o curso de Publicidade com dois anos, e abriu o Jornalismo e Rádio e TV. Então, ela era muito pequena, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista estrutural. O horário era feito por um professor da universidade com os professores todos acompanhando ali do lado: ‘Que dias que eu vou dar aula e tal', ele ficava ali sentado e ia discutindo com cada um. Imagina você fazer isso hoje, nós estamos aí com quase 400 professores, imagina se há alguma viabilidade disso. Então, na véspera de começar as aulas, na sala dos professores, eu me lembro bem desse professor, do professor Santander sentava lá e os professores iam: ‘Ah, como é que vai ficar o meu horário e tal, como é que vai ser'. Era assim que se decidia. Havia as reuniões de reitoria, reunião dos professores com a reitoria, isso acontecia e você lotava o auditório, com todos os professores, às vezes nem lotava, era uma coisa menor, os eventos eram menores e tal. Hoje a universidade ganhou uma proporção que extrapola São Caetano, quando eu entrei aqui ela era muito a faculdade de São Caetano, tinha muito essa característica. Hoje não, hoje você tem mais de um campus, nós estamos aqui no campus Centro, tem o campus Barcelona, que já se ampliou bastante. Quando eu comecei na faculdade não havia o prédio de comunicação, ainda não existia, era só o prédio principal. Depois foi criado o prédio de comunicação, que é o prédio D, depois foi construído esse campus Centro, você agregou outras áreas, como a área de saúde, que é uma das áreas que mais cresce na universidade, inclusive com o curso de Medicina, que é uma coisa que pouquíssimas universidades do país conseguem conquistar, e a USCS conquistou [01:15']. Graças a isso, também se ampliou para fora de São Caetano, com a abertura do campus São Paulo para o curso de Medicina, então hoje você já tem essa característica de uma universidade de médio para grande porte, com todos os aspectos positivos, que é a visibilidade que você ganha, muito maior, hoje quando você fala: ‘Eu trabalho na USCS', isso já é muito mais conhecido do que na época que eu entrei aqui. Eu falava: ‘Eu dou aula no IMES'. Quem não era de São Caetano, dificilmente conhecia o que era o IMES. Hoje, quando você fala da USCS, já tem uma outra representatividade. O desenvolvimento que houve na área de pós-graduação, com a criação do mestrado em comunicação, doutorado em administração, só dá um ganho significativo para a Universidade. Acho que esse é um aspecto que dá para se dizer de comparação, e os problemas também acabam sendo problemas maiores, porque as exigências são muito maiores, a partir do momento que você deixa de ser instituto e passa a ser universidade, você assume uma série de compromissos que você tem que dar conta deles. Isso não é fácil, é uma mudança grande. A gente até brinca que... nós não sabemos se, quando eles toparam mudar para universidade eles tinham noção de tudo que estava envolvido, você tem professores mais antigos que ainda se ressentem daquela época de instituto que era quase uma família, um grupo de professores era quase uma família, se faziam festas de professores no saguão da universidade, com as famílias dos professores. Hoje você não consegue fazer isso, porque se todos os professores trouxerem as suas famílias, não tem como ocupar aquele espaço do saguão ali, é muito pequeno, então mudou nesse sentido, mas eu acho que as mudanças foram muito para melhor.
Pergunta - Luciano:
Ainda nessa questão aí do que mudou, e o aluno? Quer dizer, aquele aluno, em 1998 que você entrou no IMES, chamado de IMES, é 1998, é isso?
Resposta:
Noventa e oito, exatamente.
Pergunta - Luciano:
Você falou do concurso, aí não sei porque eu fiquei com 1988 na cabeça, mas me fala um pouco do aluno, quer dizer, esse aluno daquelas primeiras turmas, para esse aluno que você encontra hoje na sala de aula, o que você sente aí de mudanças, ou de não mudanças?
Resposta:
Eu acho que a gente tem...não, que tem mudanças não tem nenhuma dúvida, você tem períodos distintos, não dá para caracterizar uma mudança pura e simples, você tem períodos distintos. Naquela época que eu comecei aqui, você tinha ainda um nível alto de estudantes, porque o acesso à universidade ainda era bastante limitado, então você tinha nesse período um nível mais alto de qualidade dos alunos. Aí você tem, ao longo do tempo, não dá para precisar em datas, mas você tem uma popularização, um processo de popularização do ensino universitário, de facilidade de acesso do ensino universitário, a abertura de vagas, de linhas de financiamento e tal, então você tem uma popularização, e isso acaba fazendo com que você tenha um nível mais baixo de qualidade dos alunos que entravam na universidade, até porque isso ocorre paralelamente a um processo de sucateamento do ensino fundamental, principalmente do ensino fundamental público. Então, você tem os alunos com menos qualidade porque não aprenderam no período que deveria ter aprendido. E, de uns anos para cá, de uns quatro a cinco anos para cá, você tem um processo de retomada de qualidade, exatamente com uma diminuição do acesso, da facilidade de acesso dos estudantes e de uma melhor qualificação, um processo de melhor qualificação nesse período que antecede à universidade. Então eu acho que a gente tinha um nível mais alto, foi decrescendo, e agora a gente está num processo de retomada de crescimento em termos de qualidade, isso é uma perspectiva. Uma segunda perspectiva é que você tinha alunos um pouco mais velhos, com um pouco mais de idade, e um pouco mais maduros, nesse período que eu comecei a dar aula no IMES, e hoje você tem alunos de menos idade e um pouco mais imaturos [01:20']. Menos idade porque, naquela época, você tinha alunos entrando na faixa de 18, 19, 20, por aí, e agora você tem alunos entrando com 16, 17... e a questão da maturidade está um pouco ligada ao perfil socioeconômico, a mensalidade era proporcionalmente mais baixa naquele período, então você tinha pessoas de classe mais baixa, consequentemente pessoas que batalhavam muito mais,