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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Ana Maria Médice Cavalheri

  • Nome: Ana Maria Médice Cavalheri
  • Gênero: Feminino
  • Data de Nascimento: 24/07/1954
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: São Bernardo do Campo (SP)
  • Profissão: atriz / produtora cultural

Biografia

Ana Maria Médice Cavalheri é atriz do Grupo de Teatro Regina Pacis, de São Bernardo do Campo, desde o início do gupo até os dias de hoje.



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Trascrição do depoimento de Ana Maria Medice Cavalheri em 05/07/2005

  Depoimento de ANA MARIA MÉDICE CAVALHERI, 50 anos.

Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 05 de julho de 2005.

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC 

Entrevistadores: Priscila F. Perazzo, Tiago Magnani e Danielle Barbosa.

Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.

 

Pergunta: Vamos começar perguntando um pouco sobre a sua infância, local e data de nascimento. Como foi a sua infância?

 

Resposta:

Eu nasci em São Bernardo do Campo, no ano de 1954. São Bernardo era uma cidade com muito verde, tinha muitos sítios, chácaras. A minha infância foi muito assim, curti bastante esse lado natureza, uma infância que foi bastante divertida, com muitas brincadeiras, com a família ao lado. Foi uma infância saudável e feliz.

 

Pergunta: Como era São Bernardo do Campo quando você era criança?

 

Resposta:

São Bernardo mudou bastante. Ela realmente não tinha esse fluxo de pessoas morando, mesmo residências. Ela tinha aquelas famílias que moravam, com seus descendentes e muitas áreas verdes, que dava para você circular. Não era pavimentada, tinha muitas estradas de terra. Você circulava muito a pé. A gente caminhava muito para ir aos lugares, porque se tornavam distantes em função de você não ter muito recurso de locomoção, meios de transporte. Tinha, mas não era essa facilidade de hoje. Era muito legal. Cada coisa na sua época. Era uma época que eu me recordo que era boa. Para mim era muito bom.

 

Pergunta: Você se lembra das brincadeiras nesse período?

 

Resposta:

A gente brincava de tudo. Brincadeira de roda. A gente reunia os irmãos, porque nós somos nove filhos e eu tinha os primos. Eu morava numa casa onde nós tínhamos os primos morando numa casa do quintal. Quando juntava a criançada era muito legal, porque você brincava de roda, de pular amarelinha, você cantava, a nossa boneca era de pano, feitas pela mamãe e pela vovó. Era tudo muito artesanal. Tinha bolinha de gude, de figurinha, jogar bafo. Era sempre em grupo, às vezes em dupla, ou mesmo individualmente a gente curtia a bonequinha da gente. Basicamente eram essas as nossas brincadeiras.

 

Pergunta: Brincava de teatro?

 

Resposta:

Brincava de interpretar. Tinha essa coisa de juntar, aí um cantava, outro dançava. Já tinha essa coisa de representar, de você não ser você, mas ser alguém, de ser a menina que canta, ou ser a professora e o outro era o aluno. Tinha isso também.

 

Pergunta: E aqui estava vendo, com menos de 20 anos, você já estava se apresentando como atriz, pois você começou a fazer teatro com 20 anos.

 

Resposta:

Eu comecei a fazer teatro através do meu pai. O meu pai foi ator também, já falecido, e teve uma atuação muito grande na área artística. Ele cantava. Ele é nascido em São Bernardo também e atuou aqui na região e em São Bernardo também. Na comunidade da Igreja Matriz, ele cantava no coral, acompanhava as óperas que aconteciam no Teatro Municipal. Ele sempre foi um amante da música, no sentido da música vocal ou mesmo instrumental. Ele também fazia teatro, fazia esquetes na comunidade, se apresentava para a criançada. Então, cada semana era dupla de palhaços, ou era outra coisa. Eu já acompanhava, quando pequena, algumas coisas que ele já fazia e depois, quando ele começou a atuar no grupo, começou nesse grupo em que atuo até hoje, que é o Regina Paces, por volta de 1964. E eu acompanhava. Ia ter ensaio, eu estava lá assistindo ao ensaio, apresentação, aí eu ia com a minha mãe e ficava assistindo. Então, eu ficava encantada de ver meu pai atuando. Eu já gostava e fui pegando. Acho que toda essa veia artística, meu pai começou em 1964 e em 1968, com 14 eu já estava começando a fazer, já estava subindo no palco. Antes eu estava como espectadora, depois passei a atuar. No início muito achando que não ia conseguir, mas aí foi. Comecei como figuração, depois vi como funcionava o bastidor, como se chegava lá, como era o camarim, e todo o processo. Aí não parei mais. Isso que falo. Eu não tenho uma formação, uma escola de teatro enquanto instituição escola. O meu aprendizado foi nos palcos. Aprendi atuando no dia-a-dia, com diretores excelentes, com atores, a dinâmica do teatro. Eu não fui só atriz. É que a minha praia maior, eu acho que me dou bem realmente no trabalho de interpretação, mas eu já fiz a parte técnica, fui sonoplasta, já fui iluminadora. É muito interessante porque você acaba vivenciando o teatro no contexto que é, porque ele é um todo na verdade.

 

Pergunta: Antes de a gente avançar, como foi a sua escolarização? Aos 14 anos você devia estar na escola e já tinha toda essa atividade. Como foi, em que escolas você estudou em São Bernardo e como você se relacionava com a escola e as peças?

 

Resposta:

Eu comecei o pré, o jardim da infância eu fiz no Menino Jesus, que era uma escola de São Bernardo, que não era paga, uma escola pública. Depois eu fiz o ginásio na Escola Dr. José Fornari, que era sediada no Bairro Baeta Neves, fiz o colegial na escola João Ramalho, que existe até hoje em São Bernardo, depois fiz cursinho e faculdade. Um processo quase que normal, mas sempre conciliando, porque dava. Se eu estudava, eu fazia a lição em um período e depois ia com meu pai para o teatro, a gente ensaiava. Então, sempre deu para conciliar. Finais de semana, hora que tinha um tempinho livre. Não tive problema de conciliar os estudos com esse lado do teatro.

 

Pergunta: E nunca sofreu nenhum tipo de preconceito por parte de amigos ou dos próprios familiares?

 

Resposta:

Não. Justamente por isso acho que é interessante. Como o nosso grupo era uma coisa muito familiar, como eu que fui levada pelo meu pai, então tinha meu pai, amigos do meu pai, pessoas relacionadas à comunidade, e eu não senti esse tipo de preconceito por estar atuando, por ser uma mulher. Eu falo, da minha experiência não. Sempre foi muito bom, e eu nunca senti isso de ninguém. Claro que as pessoas que atuavam não, mas nem de parentes, nem do próprio público. Nunca tive nenhum problema com isso.

 

Pergunta: Sua mãe não era?

 

Resposta:

Não. Minha mãe fazia tudo, menos atuar. Ela que pregava o botão, arrumava a roupa, que acompanhava e dava a maior força e torcia pelos trabalhos. Até hoje ela é a fã número 1, mas nunca atuou.

 

Pergunta:

Ela incentivava você a ir com seu pai?

 

Resposta:

Incentivava a eu ir com meu pai, incentivava meu pai a continuar. Às vezes ela ficava, até por conta disso, muito tempo sozinha, porque ela não ia. Ela tinha de ficar com meus irmãos e a gente ia para o teatro, às vezes a gente saía para apresentar fora da cidade. Mas ela sempre compreendeu e sempre apoiou. Foi legal por isso. Essa coisa de você ter esse respaldo dos familiares é muito legal.

 

Pergunta: E o Regina Paces como foi? Como foi a sua participação no grupo que você continua até hoje?

 

Resposta:

Continuo até hoje. Foi através do meu pai. Ele começou em 1964, o grupo já existia desde 1962. O primeiro trabalho do meu pai no teatro foi cantando, porque era A Pedreira das Almas e ele fazia O Corvo e tinha a parte cantada. Ele fez esse espetáculo e depois fez Testemunha de Acusação, que ele até ganhou um prêmio na primeira atuação dele e eu comecei em 1968 e até hoje. Fiz mais de 40 espetáculos entre temáticas adultas e infantis. Fiz muitos espetáculos infantis, aprendi muito com a criançada. A minha trajetória é essa. Os prêmios que recebi foram decorrentes. A gente não faz nada para ganhar prêmio. Acho que o prêmio é o reconhecimento de um trabalho, de um esforço, mas não é a meta principal. A gente sempre fez com o intuito de levar alguma coisa para a população. Além de entretenimento, mexer um pouco com as pessoas, com a auto-estima, com esse lado imaginário das pessoas. Essa sempre foi uma meta da gente, a minha e do meu pai também.

 

Pergunta: E todos esses trabalhos que você citou, todos foram pelo Regina Paces?

 

Resposta:

Eu fiz alguma coisa sem o Regina Paces. Em 1972 eu estava com O Homem do Princípio ao Fim, com o Regina Paces, mas fiz um trabalho em Campinas também com a Tereza Aguiar, um trabalho profissional, com um grupo profissional. Nós estreamos no Teatro de Arena de Campinas. Foi uma montagem de Eurípedes. Sei que atuei nesse grupo de Campinas, a gente estreou esse teatro ao ar livre com esse trabalho, depois a gente apresentou em outros teatros da região, a gente rodou com esse espetáculo Hipólito. E fiz algumas coisas, tive alguns convites para atuar no teatro profissional na época, mas eu tinha de optar, porque eu trabalhava, estudava e tinha de ajudar a minha família. Eu não tinha como me aventurar numa coisa incerta. Nessa hora pesou essa coisa de eu ter uma subsistência mais garantida e poder ajudar minha família, porque a gente era uma família que não era uma família de classe média. A gente batalhou muito. A gente não era pobre, mas também não éramos ricos. Meu pai trabalhava. A gente sempre lutou com muita dificuldade. Eu tinha, o dinheiro que eu recebia, eu tinha de ajudar e sempre ajudei. Então nessa hora de vamos fazer teatro, eu fiquei assim, porque todo mundo falava que teatro não dava nada, que eu só ia comer pão com mortadela. Meu pai sempre falava isso. Você não vai conseguir sobreviver de teatro. Então, aquilo me pesava tanto e eu fui obrigada a optar. O que eu fiz? Tive de recusar alguns convites, porque eu tinha de estar integralmente em São Paulo ensaiando e eu não tinha como. Eu trabalhava.

 

Pergunta: Qual era a sua profissão?

 

Resposta:

Eu sempre trabalhei na parte administrativa. Não tinha nada a ver com teatro. Trabalhei numa agência de jornais e revistas, na parte de escritório. Depois trabalhei na Scania, também na parte administrativa, depois trabalhei num instituto de assistência à saúde, também na parte administrativa. Em 1982 entrei como Agente Cultural na Prefeitura de São Bernardo, trabalhando na área de cultura, no Departamento de Cultura. Aí tive um envolvimento maior com a cultura e conciliava. Não tinha a ver, na época em que eu tive esses convites, eu trabalhava nessa agência de jornais e revistas e não pude aceitar.

 

Pergunta: E você tinha uma jornada de trabalho de 8 horas por dia. Como ficavam os ensaios, as peças?

 

Resposta:

Normalmente se concentravam em finais de semana. Até pela característica do grupo, o pessoal todo tinha outra atividade. Eu estava comentando que antigamente, antes, não antigamente, porque senão vai ficar muito lá longe, mas um tempo atrás era muito arraigada à questão do teatro amador e ao teatro profissional. Até os festivais, eram festivais de teatro amador. Hoje em dia não tem mais isso. É teatro, porque você tem o teatro profissional que tem nível amador na qualidade e tem o teatro amador que tem o nível profissional na questão qualidade. A única coisa é a subsistência. O teatro profissional vive daquilo e o amador não. Como era um grupo eminentemente amador, a característica era realmente amadora, todo mundo tinha outra atividade. Todo mundo trabalhava durante o dia, estudava de noite. Era o meu caso, porque eu também estudava. Então, concentrava mais de final de semana. E a disponibilidade, o dia que dava durante a semana, quem pode, a gente trabalhava em grupos. Se duas pessoas podiam na terça, ensaiavam aquelas pessoas, na quinta outras e no final de semana junta todo mundo, via a parte técnica. A gente se concentrava mais nos finais de semana, sábados e domingos, quando o rendimento era maior. Nós ficávamos mais tempo dedicados ao trabalho que a gente estava realizando naquele momento, à montagem.

 

Pergunta: E como vocês conciliavam os recursos?

 

Resposta:

Os recursos financeiros?

 

Resposta:

A falta de recursos?

 

Resposta:

Era uma coisa de cada um, todo mundo colabora. A gente vai montar, então vamos fazer o cenário. A gente tinha muitos conhecidos no comércio local, então muita coisa a gente conseguia através de doação e a gente cobrava, quando a gente estreava o espetáculo, a gente cobrava sempre um ingresso super popular, irrisório, simbólico, mas toda a renda entrava para o caixa do grupo e isso mantinha certas coisas que a gente precisava para adquirir figurinos, para cenários. E quando não, a gente saía a campo, quem pode doar. E a gente sempre conseguia. E a gente colocava sempre no programa o patrocínio, apoio cultural. Em troca disso a gente conseguia muita coisa. Era assim. A gente estreava, a grana que entrava ia para o caixa do grupo, nenhum de nós vivia do teatro, a gente tinha outra atividade, então o dinheiro era para esse caixa, para suprir as outras montagens, para ser canalizado para os trabalhos do grupo. Assim que a gente ia.

 

Pergunta: O Regina Paces foi um grupo mais ou menos constante ao longo do tempo ou tinha entrada e saída de atores?

 

Resposta:

Ele teve uma constância muito grande. Ele teve muita gente nova que fez alguns trabalhos e depois não puderam continuar, mas a base dele sempre foi a mesma. É que o tempo vai passando e a gente tem algumas pessoas que faleceram, mas os pilares, o pessoal que fundou e que levou o grupo, estão praticamente até hoje. Mas muita gente passou pelo grupo, fez alguns trabalhos e depois não puderam continuar. A gente teve muitas pessoas assim que fizeram dois ou três trabalhos, que fizeram mais trabalhos. A gente tem alguns integrantes do grupo que estão até hoje. É um grupo que teve uma regularidade no decorrer desses anos todos.

 

Pergunta: Até hoje esse grupo está ativo?

 

Resposta:

O fundador foi o Antonino Assunção, que faleceu, a Hilda Breda continua até hoje. Ela escreve e teve coisas que ela dirigiu. A gente estava num trabalho até no ano passado, Encontro com Alice, que era um texto dela, com o elenco do grupo. Tem o Sérgio Rosset, que integra o grupo todos esses anos, agora ele está fazendo o trabalho mais na direção, não atuando, não no trabalho de ator, mas de diretor. A gente tem algumas dificuldades, porque os anos vão passando e as pessoas vão tendo outras dificuldades, até por questão dos empregos. Às vezes a pessoa tem de mudar de cidade, sai daqui e vai para outro lugar. Você não pode obrigar a pessoa a ficar ali. Pela característica do grupo, que é um grupo que não vive do teatro enquanto subsistência, então você tem de respeitar isso. Às vezes você quer fazer um trabalho, mas você fica restrito. Preciso de mais homens, mas tenho mais mulheres. Tem a questão do elenco em si, porque a dramaturgia brasileira é muito machista. Tem muito personagem masculino e poucos femininos. O que a gente vê por aí é que tem muita mulher integrando grupos, muitas atrizes, e poucos atores. Claro que tem, mas tem uma proporção muito maior de mulheres nos elencos.

 

Pergunta: É invertido?

 

Resposta:

É. E a dramaturgia só tem papéis masculinos. Então fica uma briga. Mas a gente vai driblando isso.

 

Pergunta: Como vocês se posicionam nessa questão no Regina Paces? Preferem fazer com que as mulheres assumam papéis de homens ou vão atrás de atores? Ou depende da época?

 

Resposta:

A gente já fez espetáculos em que travestiram, mulheres fizeram papéis masculinos, mas nem sempre. Sempre dá para conciliar. A maior dificuldade está sendo agora, nesse momento, que a gente está com mais dificuldades no elenco masculino do que a gente teve até agora. Até agora deu para conciliar. Nos espetáculos que a gente fez a gente conciliou. Esse que a gente fez no ano passado, que a gente terminou de apresentar em setembro do ano passado, a gente estava com um elenco basicamente feminino, até porque a gente estava com uma dificuldade de homens naquele momento. Vamos fazer um texto que fale de mulheres. Foi uma opção mesmo. E foi muito legal. Nós tivemos um homem só no elenco, com seis mulheres. Era um homem que fazia toda a pontuação, amarrava todas as cenas. Mas foi bem interessante. A gente já teve espetáculos com homem travestido de mulher, já teve mulher fazendo homem. Não é uma regra. Depende do momento, depende da nossa proposta, do que a gente está pretendendo fazer naquele momento. É bem variado mesmo.

 

Pergunta: E a Prefeitura da São Bernardo em algum momento chegou a dar algum tipo de subsistência para o Regina Paces, alguma ajuda financeira?

 

Resposta:

Nós tivemos um período em que nós tínhamos o apoio através das verbas que saíam pela Câmara para os grupos que eram sediados na cidade. Era uma coisa bem irrisória, mas auxiliava a gente. Por um bom período a gente teve esse apoio da Prefeitura. Esse dinheiro que entrava dava para a gente fazer toda a montagem de cenários e figurinos. Foi uma ajuda muito boa quando aconteceu e por questões de lei a gente não teve mais. Mas a gente teve um período em que a gente tinha um respaldo. Como nós viajávamos muito, participávamos de festivais, a Prefeitura sempre nos apoiou, na medida do possível, com condução. A gente conseguia ônibus para levar todo o elenco, para viajar, para representar a cidade nos festivais. Isso a gente sempre teve da Prefeitura de São Bernardo, esse apoio. Sempre foi muito importante, porque de repente era um elenco de 15, 20 pessoas para viajar, para representar a cidade em um festival numa cidade do interior, em Franca ou São José do Rio Preto. A gente tinha essa ajuda da Prefeitura, que nos cedia ônibus para levar todo o elenco. Sempre foi muito importante essa ajuda que a Prefeitura sempre deu ao grupo.

 

Pergunta: E esses festivais como eram? Foi no final dos anos 70 que aconteciam? Em quais festivais vocês foram?

 

Resposta:

Era como música, eram festivais de enlouquecer. Tinha a torcida. Era muito interessante. A gente participava dos festivais, mas era aquela coisa de disputa, mas saudável, aquela coisa de fazer o melhor para faturar, para ganhar. A gente participou de muitos festivais, porque na época tinha o festival de teatro amador em três fases, e era através das federações. Então, aqui no ABC tinha a Feanta. Você tinha uma fase municipal, uma fase regional e uma fase estadual. E foi em 1978, participando do festival estadual que ganhei o Prêmio Governador do Estado com O Auto da Compadecida, que ganhei o prêmio de atriz coadjuvante e meu pai de ator, no mesmo espetáculo. Foi muito interessante para nós recebermos o prêmio no Palácio do Governo. Os festivais tinham uma disputa. Era uma troca de informações muito grande entre os grupos aqui do ABC e grupos do interior do estado. Era uma fase muito legal. Tinha o júri popular também. Além do júri oficial que premiava o espetáculo, primeiro, segundo e terceiro lugares, depois as categorias individuais, ator, atriz, cenógrafo e tal, tinha o júri popular. Você tinha o primeiro lugar pelo júri oficial e pelo popular. Era a platéia que votava. A gente participou dos festivais do Sesc que foram também muito importantes, com um público muito interessante. Lotavam os teatros. Era uma efervescência muito legal. Hoje em dia já se perdeu, já se desgastou, como música também. Os festivais de música não têm mais. Hoje em dia emoções acontecem, mas não como antes. Não era só o fato de você apresentar o espetáculo. Você tinha um contexto de cursos, workshops, você conhecia pessoas que vivenciavam o teatro, profissionais de diversas áreas. Tenho saudade desse tempo muito legal que a gente vivenciou.

 

Pergunta: E nesses festivais do ABC, quais eram os outros grupos que participavam?

 

Resposta:

Em alguns festivais que a gente participou tinha o MCTA, o Teco, na fase que peguei. Em Santo André tinha o Panelinha. São Bernardo entrava nos festivais quando tinha o Forja, que não existe mais.

 

Pergunta: E saíam quantos grupos daqui para a fase regional?

 

Resposta:

Dependia do festival. Não me lembro como era a dinâmica. Acho que saíam dois de cada cidade. A gente ia para essa outra etapa e saía o vencedor para a etapa final.

 

Pergunta: Aquele festival no Chile não teve participação?

 

Resposta:

Não participei.

 

Pergunta: Quais eram os prêmios?

 

Resposta:

Normalmente eram troféus. O Governador do Estado era um prêmio que dava bolsa para fazer um curso na EAD. Lembro que não fiz por indisponibilidade. Não tinha como conciliar. Tanto meu pai como eu, a gente ganhou uma bolsa. Ganhamos um quadro, que tenho até hoje na minha parede, que é meu maior orgulho. Os demais prêmios que tenho são troféus, cada um na sua característica, um feito por artesão, tem em pedra-sabão, tem também aquele material tradicional. O único que foi uma ajuda, não foi em dinheiro, mas foi essa bolsa que a gente ganhou para fazer, que foi o do Governador do Estado. O restante foi sempre em troféus. Tenho alguns troféus lá em casa.

 

Pergunta: (Inaudível) ... ela fez o curso na EAD?

 

Resposta:

Ela fez. Eu na época me arrependi. Mas era a questão da opção. Hoje eu tenho a dimensão do que é isso. Na época não tinha a dimensão, até por ser tão jovem. A experiência te traz um aprendizado, mas na época achei que não era tão importante eu fazer. Eu achei que fosse, mas tinha de optar. Como eu ia conciliar? Eu estava trabalhando, estudando e a que horas ia fazer? Estava vendo em que horário poderia fazer e também era em São Paulo, que era mais complicado. Hoje é mais fácil. Como eu ia chegar lá, ia terminar tarde, não tinha quem fosse me buscar, meu pai trabalhava. Então, era complicado o mecanismo da coisa. Hoje eu penso que devia ter feito, mas já foi.

 

Pergunta: E a censura? Como era a questão do texto?

 

Resposta:

Eram cortes e cortes. Era o tesourão. Tudo era bastante censurado. A gente sofreu essa questão da ação da censura em um dos espetáculos, que foi Liberdade, Liberdade, onde nós estávamos inclusive encenando o espetáculo no salão paroquial de São Bernardo e a polícia chegou e baixou as portas e falou que a gente não ia apresentar. Era por conta do texto, que era bastante revolucionário e tudo mais.

 

Pergunta: Isso foi em que ano?

 

Resposta:

Em 1969.

 

Pergunta: Você conhece um autor chamado Coelho Neto?

 

Resposta:

Conheço de nome.

 

Pergunta: Em um dos espetáculos do Regina Paces... (Inaudível)

 

Resposta:

Não sei detalhes disso.

 

Pergunta:

Como vocês faziam para vencer a censura?

 

Resposta:

Tinha de cumprir até por conta de a gente não estar colocando em xeque o trabalho. Quando dava brecha, a gente colocava algumas coisas em uma apresentação quando a gente sabia que não ia ter maiores conseqüências. Só para aquele público. Era desagradável porque você ficava numa situação bastante difícil. Você queria recitar algumas coisas, mas por outro lado você tinha essa questão, era cerceado por outro lado. Às vezes você não dizia, mas insinuava. O resultado era até mais veemente do que você falar.

 

Pergunta: E a censura às vezes aparecia?

 

Resposta:

A coisa mais velada atinge até mais rápido.

 

Pergunta: Tinha várias etapas na censura. Era o texto, depois eles assistiam ao ensaio e depois era encenar. Vocês conseguiam perceber alguém na platéia?

 

Resposta:

Não. É claro que se tivesse a gente corria o risco, mas não chegava a perceber. A gente tinha toda essa coisa. A gente mandava o texto, nós tínhamos de fazer um ensaio geral para os censores e eles viam e sentavam na primeira fila e você encenava e eles iam seguindo texto para ver se você não tinha colocado nada que não estivesse lá, ou aquele corte que veio. A gente fazia exatamente igual. Depois nos espetáculos não existia tanto essa coisa deles virem em todos os espetáculos para checar o que você estava fazendo. A gente aproveitava alguns espetáculos e colocávamos algumas coisas.

 

Pergunta: Os censores vinham ou tinha de ir buscar?

 

Resposta:

Tinha de ir buscar. A gente marcava o local de São Paulo e ia alguém de carro para pegar e depois levava.

 

Pergunta: Normalmente repetia-se sempre o mesmo censor?

 

Resposta:

Não. Mudava. Às vezes eles designavam homens e às vezes mulheres. Dependendo de quem eles designassem, ia lá para fazer todo o trabalho.

 

Pergunta: Não era uma pessoa específica para aquele setor?

 

Resposta:

Mudava. Às vezes a gente ficava um ano para o começo do espetáculo, um ano e meio em cartaz, aí era uma outra pessoa que vinha e fazia essa análise.

 

Pergunta: Talvez não fosse a sua parte, mas tinha toda uma preparação de quem fazia o texto, preparava todo o processo para encaminhar para a censura?

 

Resposta:

Eu fazia também. A gente fazia tudo. A gente fazia o requerimento, encaminhava solicitando que o grupo pretendia montar aquele texto no período tal, aí anexava uma cópia do texto, porque tinha também a questão do SBAT para a liberação do texto. Não só do que estava no texto. A gente encaminhava para a Censura Federal, no endereço e eles mandavam essa resposta por escrito, marcando e dizendo que estariam vindo ver o ensaio geral. Nesse requerimento a gente colocava a previsão de finalizar o trabalho. A gente não queria confusão. A gente sabia que, pela conjuntura que era, tentar fazer alguma coisa nesse nível, nós mesmos íamos ser os grandes prejudicados e não era o nosso interesse isso. Então, a gente não bateu de frente. A gente seguia. A gente ficava revoltada com uma série de coisas, mas acabávamos fazendo o curso normal para não parar lá na frente com todo um trabalho. A gente teve alguns trabalhos na fase do ensaio que a gente não conseguiu avançar porque a própria censura vetou. A gente ensaiou achando e a gente mandou, e de repente o censor disse que aquilo não podia ser montado e a gente ficou com o trabalho, não que fosse perdido. Nada era perdido, porque tudo que a gente fazia a gente aproveitava, mas a gente não conseguia finalizar, mostrar ao público, que era o nosso objetivo.

 

Pergunta: (Inaudível)

 

Resposta:

Era um texto do Millôr Fernandes e do Flávio Rangel. Era bem do momento político, com muitas tiradas e cutucadas na questão do governo, do sistema político. A palavra de ordem, o teor do texto era essa coisa de ir contra o sistema estabelecido, quebrando essa questão opressora de uma ditadura. O enfoque era esse dentro do contexto. Mas tinha várias citações do espetáculo. Você pode fazer um protesto com um texto super poético, mas aquela poesia carregada de revolta, carregada de uma posição contrária ao sistema estabelecido. Era isso que chamava a atenção, até por conta de Millôr e Flávio serem pessoas que eram visadas também.

 

Pergunta: E vocês fizeram uma adaptação deles?

 

Resposta:

Era um chamariz.

 

Pergunta: Como era a linha de espetáculos do Regina Paces?

 

Resposta:

O Regina Paces nunca teve uma grande proposta vanguardista, como o pessoal falava em teatro de vanguarda. A proposta era realmente fazer um trabalho com qualidade, para ser visto por todos, dirigido ao público em geral, todos os níveis de público. Não tinha uma linha definida. A gente fez espetáculos de um dia, que marcou a trajetória do grupo, um espetáculo do Augusto Boal e do Jean Francesco Guarnieri. A gente sempre fez muitos espetáculos com muita gente no palco. Como a gente tinha um elenco que tinha também uma habilidade vocal, a gente fez muitos trabalhos que mesclavam música com teatro. A gente tinha atores cantando. A gente interpretava, então eram os atores cantando e não os cantores atores, mas sim atores cantores. A gente teve muitos trabalhos assim. A gente não teve uma linha. A nossa linha era fazer. A gente escolhia coisas que a gente achava que eram legais, dentro da nossa concepção, em consenso. A gente sentava, discutia e montava. Os nossos espetáculos sempre tiveram muito elenco, porque a gente tinha bastante gente no grupo. A gente teve grandes espetáculos com grandes elencos e nós mesclamos muito a temática. A linha era essa mesmo.

 

Pergunta: Qual era a média de tempo que um espetáculo ficava em cartaz e como o grupo se organizava para isso?

 

Resposta:

Depende. Nós tivemos espetáculos que ficaram dois ou três anos em cartaz e tivemos espetáculos que ficaram um ano, tivemos espetáculos que não ficaram nem seis meses. A gente queria apresentar.

 

Pergunta: Em que dias da semana? Só de sábado e domingo?

 

Resposta:

Não. Durante a semana também fazíamos, porque a gente também atuava com o teatro infantil. Nós fazíamos, além dos trabalhos nos finais de semana, nós levávamos o trabalho para as escolas de educação infantil de vários bairros da cidade, muitos distantes, onde as crianças nem sabiam o que era teatro. Era um público muito carente de informação cultural. A gente levava para tudo quanto era lado. A gente ficava bastante tempo em cartaz. A gente se apresentava em teatros, numa sala que havia condições também. Claro que perdia muito porque você não tinha a iluminação adequada, mas a gente fazia. Nós saíamos a campo fazendo para essas crianças. Lembro que a gente fez o espetáculo A Bruxinha Que Era Boa, da Maria Clara Machado, onde as crianças começaram a ficar apavoradas de ver a gente de bruxa, achando que aquilo era verdade. Nunca esqueço isso. Para chegar em nós eles tinham medo. No final você tinha de chegar na criança, mostrar que era um personagem. Elas ficavam assustadas, mas depois paravam. Era uma coisa muito diversificada. A gente levava para esse público durante a semana, dependendo da disponibilidade que a gente tinha. Normalmente a maior disponibilidade era de final de semana. A gente consultava o elenco, se dava para ser tal dia e tal hora. As pessoas davam um jeito. Normalmente concentravam mais de final de semana e dia de semana à noite os espetáculos adultos principalmente, porque o pessoal tinha mais disponibilidade. Quando tinha apresentação à noite, quem estudava não ia à faculdade e assim a gente fazia. Sempre conciliava. E a gente atingia bastante. A nossa divulgação como era? A gente fazia as filipetas, filipetava onde dava. A gente ia a tudo quanto é lugar, no comércio, nas escolas. Saíamos a campo para disseminar essa informação e trazer o público. Depois o boca a boca trazia mais público. E depois o grupo foi formando um nome e quando você estreava um novo espetáculo a pessoa via que era Regina Paces e já ficava ligada. Saía uma nota no jornal. A gente acabou tendo um público, a gente fez uma fidelização, a gente teve um público meio cativo no decorrer desses anos. Claro que tivemos um público meio diversificado, mas também um público que acompanhou essa nossa trajetória. Começou a freqüentar pequeno e de repente lembra que viu tal peça nossa e já está adolescente, depois já está adulto. A gente acompanhou um pouco essa trajetória do público também, não só da cidade, mas da região onde a gente se apresentou.

 

Pergunta: Quem foi Regina Paces?

 

Resposta:

Na verdade todo mundo pergunta e já fui até confundida com a Regina. Eu não sou a Regina. Teve até uma nota no jornal, quando fiz uma ponta no filme Sábado, que saiu: Enquanto não está atuando, a Regina Paces está atuando no cinema. Era eu, uma foto minha. Como é um grupo eminentemente que saiu da comunidade da Igreja Matriz de São Bernardo do Campo, primeiro era uma coisa por lazer e depois vamos fazer teatro. Isso, a Regina Paces era uma das ladainhas, Rainha da Paz, da celebração. Rainha da Paz, Orai por nós. Então ficamos na dúvida de qual nome a gente ia dar para o grupo. Alguém falou em Rainha da Paz, Regina Paces, no latim. E ficou esse nome até hoje. Foi justamente por essa ligação com a comunidade da igreja, de onde todo mundo saiu. Tem pessoas que acham que foi uma pessoa importante para o grupo, uma atriz. Cadê a Regina. Na verdade é Rainha da Paz, Regina Paces.

 

Pergunta: E falando dessa comunidade da Matriz, nesses anos 70, também ali na Matriz que teve toda aquela movimentação do sindicato, vocês conviviam com isso, com a agitação do sindicato e depois com aquelas ocupações da Matriz? Como vocês se relacionavam?

 

Resposta:

A gente acompanhou tudo isso. A gente continuava atuando e acompanhando tudo isso, mas era um momento que nós, eu enquanto cidadã e os outros integrantes, vivenciamos isso também e com o teatro a gente continuava fazendo o nosso trabalho teatral. Não teve.

 

Pergunta: Vocês provavelmente conheciam essas pessoas, porque as pessoas do sindicato também freqüentavam a igreja. Vocês, como grupo, tinham contato com eles?

 

Resposta:

A nossa atuação, o grupo se formou nessa comunidade da igreja, mas isso em 1962. Depois a gente não ficou mais sediada ali. O grupo se apresentou no salão paroquial como um dos espaços, mas também se apresentou no Teatro Cacilda Becker. Ele não ficou concentrado na igreja. Foi só o início dele, porque reuniu o pessoal que se encontrava nos finais de semana. E todo mundo tinha essa coisa de querer fazer alguma coisa na área cultural e optaram pelo teatro. Então, ele surgiu dali, mas nessa época a gente já estava em outro momento do grupo, não mais vivenciando essa coisa da igreja. Já era um outro momento.

 

Pergunta: Como era a sua visão do GTC? Você tem lembranças do GTC?

 

Resposta:

Muito poucas. Eu vi algumas coisas do GTC, como espectadora. Eu sempre fui espectadora das montagens do GTC, mas não tive um envolvimento maior com o pessoal. Sei das pessoas, mas via como espectadora.

 

Pergunta: Você se lembra da importância que teve o GTC?

 

Resposta:

Foi muito importante.

 

Pergunta: Existia algum tipo de rivalidade entre os grupos?

 

Resposta:

Eu não senti isso. Da minha parte não acho que houve essa questão de ciumeira. Acho que as pessoas até achavam legal. Não sei se alguém disse o contrário, mas eu, na minha visão, acho que não. Ele foi importante até para sedimentar que existia uma coisa de nível. Claro que sempre vai haver os que acham que são preteridos, porque também têm um trabalho tão bom quanto. Isso é difícil. Mas se eles conseguiram apoio, foi mérito deles, eles batalharam para isso. Acho que foi o reconhecimento de um trabalho de longa data que eles vinham fazendo, de onde saiu muita gente importante do grupo e tudo mais. Isso configura uma preocupação em apoiar uma coisa que também tinha qualidade.

 

Pergunta: Você se casou, teve filhos, como você conciliava a vida de casa com o teatro?

 

Resposta:

Eu sou casada, não tenho filhos, mas meu marido já me conheceu fazendo teatro. Foi assistir. Eu nem imaginava que fosse casar com ele, mas eu filipetava todo mundo. Vem ver a minha peça. Eu trabalhava com ele na época. Ele era meu colega de trabalho.

 

Pergunta: Onde era?

 

Resposta:

Eu trabalhava em São Bernardo, no Instituto Municipal de Previdência dos Funcionários da Prefeitura. Trabalhei pouco tempo. Falei que entrei lá só para conhecê-lo e depois saí. Casei com ele depois que saí de lá. Um dia ele foi assistir, gostou e começou a também acompanhar o trabalho, as montagens. A gente começou a namorar. Ele sempre me acompanhou, não faz a mínima restrição. Eu sempre atuei e ele está sempre na parte técnica, ele dá o maior apoio na parte técnica, no cenário, o que precisar, mas ele não sobe no palco porque não leva jeito. Mas nunca me tolheu em nada. A gente sempre... Há 19 anos eu estou casada, sempre fazendo teatro. Quando dava ele ia, quando não dava eu estava atuando e ele fazendo outra coisa. A gente sempre teve um relacionamento muito bom. Ele vivencia essa questão do teatro comigo, me acompanha, fica orgulhoso de ser um trabalho bem feito, de ter público assistindo. Eu sinto isso. Se ele até hoje está comigo, é sinal que ele também curte. A gente pensa muito parecido.

 

Pergunta: Você teve participação em outros grupos, fora o Regina Paces?

 

Resposta:

Eu fiz algumas coisas com um grupo de Diadema, fiz uma participação especial numa montagem que era resultante de um curso, que inclusive foi o Assunção quem ministrou esse curso e ele me convidou para fazer esse trabalho lá. Eu fiz e ficou muito legal. Era um grupo bastante grande e foi muito legal atuar. Esse que eu fiz profissional eu já atuava no grupo, em Campinas. Mas, basicamente, meu maior volume de trabalho foi no Regina Paces.

 

Pergunta: Esses trabalhos fora do Regina, você foi contratada ou você se interessou por isso?

 

Resposta:

Normalmente o pessoal não convidava porque pensavam que se eu já estava atuando ali, como conciliaria as duas coisas. Mas dava certo. Sempre foi de comum acordo. Normalmente foi por convite que eu recebia para participar. Até hoje aparece uma coisinha. Eu tive pequenas incursões no cinema, fazendo pontinhas, mas até para vivenciar a dinâmica do cinema, que é totalmente diferente do teatro. E fiz um vídeo com um rapaz que fez uma produção, e em alguns grupos. Mas basicamente meu trabalho é com o Regina Paces e em teatro mesmo.

 

Pergunta: Você participou da Fundação das Artes?

 

Resposta:

Lá nunca fiz. Atuei lá no espaço da fundação com o Regina Paces. Eu não fiz nenhuma escola constituída. A minha escola foi na vida teatral.

 

Pergunta: Qual foi o curso que você fez na faculdade?

 

Resposta:

Fiz Comunicação Social, na Metodista. Sou da segunda turma da Metodista, de 1977, eu me formei e fiz Relações Públicas dentro de Comunicação Social.

 

Pergunta: E depois disso você foi trabalhar na área cultural?

 

Resposta:

Foi bem depois. Eu me formei em 1977 e quando eu prestei concurso na Prefeitura, na área de cultura, foi em 1982. Entrei em 1982.

 

Pergunta: E como tem sido o desenvolvimento da cultura?

 

Resposta:

É complicado. Eu fazia teatro e sempre tive muito envolvimento com todas as áreas, artes plásticas, cinema, música, dança, pelo trabalho que eu desenvolvia lá, que era toda a programação da cidade mesmo, a programação cultural elaborada pela Prefeitura. Eu acho que a cultura, a gente tem muitos valores na região e muita coisa boa na região, que a gente precisava achar um canal para fazer isso aparecer mais. Eu sinto que tem muita gente, em todas as áreas, não só no teatro, que precisa de uma lei de incentivo mais regional ou municipal, porque essas coisas acabam travando. São Bernardo tinha lei, mas como vai regulamentar? Aí envolve arrecadação. Então, você tem tantos entraves que você não consegue dinamizar isso. A cultura não tem o espaço que ela sempre mereceu. É sempre aos trancos e barrancos que você consegue isso e aquilo. Você vê pelo orçamento. Claro que não é tudo. Quem trabalha com cultura está lutando até hoje porque tem a coisa do idealismo. Você mexer com arte, você tem muito do idealismo, da vontade. Você põe muita garra nessa coisa, porque senão não vai. Se depender só da parte do orçamento é complicado. Falando pelo ABC, que é a nossa região, é um potencial em todos os sentidos. É um potencial econômico. Com todos os percalços no decorrer dos anos, mas ainda é uma fonte, aqui tem muito potencial artístico em todas as áreas. Você vê músicos, o ABC é um celeiro de músicos de orquestra, músico erudito, popular. Acho que a gente precisava de um canal, porque às vezes falta um pouco até de uma união maior entre as cidades. A gente não vê essa questão, esse regionalismo. Essa força do ABC fica muito no papel, mas na dinâmica do dia-a-dia não fica. Não tenho fórmula mágica, mas precisa de alguma coisa nesse caminho para a gente selar esforços e levantar essa coisa cultural que é tão importante. Vai se perdendo, porque o mundo vai mudando tanto com uma velocidade tão grande que de repente o teatro, numa época informatizada como a nossa, como o teatro se insere nesse contexto virtual?

 

Pergunta: O teatro lhe deu dinheiro alguma vez?

 

Resposta:

Nunca. Eu mais pus dinheiro do que recebi. Mas não me arrependo de nada. Acho que tudo que fiz foi bom. Hoje lembro de muitas coisas e vejo que legal que foi. Não é saudosismo, mas foi o que eu achei que tinha de ser feito e foi legal ter feito. Foi uma opção. Quem não tem um arrependimento, poderia ter feito isso ou aquilo? Mas isso é normal, mas não me arrependo das coisas que eu fiz. Agora, dinheiro, são os privilegiados que ganham dinheiro com o teatro. São poucos, infelizmente, porque acho que muita gente poderia sobreviver de teatro. Mas não tem como. A gente não avança nesse lado.

 

Pergunta: Você acha que a mulher atriz no ABC tem uma importância e um espaço importante, uma importância significativa? Como você vê isso?

 

Resposta:

Eu acho. Acho que a gente tem grandes mulheres que batalharam. Algumas conseguiram fazer carreira e saíram do ABC, outras não têm tanta projeção, mas trabalham e batalham por esse lado cultural e teatral. Eu acho muito importante a presença da mulher. Acho que a mulher conquistou um espaço, principalmente na área artística, que foi muito do próprio esforço da mulher, dessa garra. Então, eu acho muito importante o papel da mulher aqui. Acho que temos muitas mulheres que têm muito a dar, a oferecer, a passar essa experiência. Não só na área de teatro, mas nas artes em geral, o lado artístico. Acho que a mulher tem uma luta constante, mas a mulher na região tem muita projeção. Eu torço pelas mulheres. Nada contra os homens, mas torço pelas mulheres.

 

Pergunta: Gostaria que você deixasse uma mensagem sobre essa sua vivência toda com o teatro, sobre essa ideologia de vida. Isso pode não ter o retorno financeiro, mas o retorno pessoal de saber que aquilo está fazendo bem para outras pessoas. Gostaria que você deixasse uma mensagem.

 

Pergunta: Eu falo que o teatro me trouxe um aprendizado. Dinheiro não é tudo. Ele ajuda, é importante, mas isso que você falou de você poder levar alguma coisa, fazer a pessoa pensar em alguma coisa. A pessoa está naquele momento te vendo. É uma magia. O teatro é único nesse sentido. Você fez um espetáculo, morreu ali. Você nunca mais vai fazer aquele espetáculo daquela forma, porque no outro dia você não é mais aquela pessoa que você era no dia anterior, você já tem mais um dia de vida, o público nunca vai ser o mesmo, mas as sensações nunca vão ser as mesmas, as reações. Eu acho que essa sinergia, essa coisa, é indescritível. Quem vivencia, não tem preço isso, porque é um aprendizado enriquecedor. Você não é você. Você ao mesmo tempo tem seu corpo, sua mente, você trabalha tudo isso, mas não é você, você é um outro personagem. Isso é uma mágica mesmo. Eu acho que você levar uma mensagem, o teatro não tem essa de vá ao teatro porque você vai me ouvir e vai pensar. Você faz, mas quando você vê aquele olhinho, você sente a respiração do público te acompanhando, você sente o pulsar do público, é uma coisa que não tenho palavras. E fazer a pessoa pensar em alguma coisa que você disse, alguma palavra que ela vai pensar e chega lá ela vai procurar alguma coisa, ela vai se olhar, olhar para ela mesma, essa questão da auto-estima. A função maior é isso, é o ser humano trabalhando com o ser humano através de uma linguagem artística. Eu faria tudo de novo e acho que as pessoas têm de ter esse lado porque se a pessoa não trabalhar esse potencial, as pessoas não têm idéia do potencial delas, do potencial que cada uma tem. O que você pode trabalhar em prol de outras pessoas. O teatro é esse grande canal de sentimentos. Você trabalha seu corpo, sua mente, seu coração, sua emoção, sua razão. Você se trabalha por completo em função de estar levando alguma coisa para alguém. Isso não tem definição, é o amor à arte mesmo.



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