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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

André Rubens Didone

  • Nome: André Rubens Didone
  • Gênero: Masculino
  • Data de Nascimento: 12/09/1940
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: Santo André (SP)
  • Profissão: Advogado / Professor

Biografia

André Rubens Didone viveu toda sua vida em Santo André. Sua família era proprietária da empresa Têxtil Didone Ltda., onde André trabalhou como administrador (setores financeiro e jurídico) por cerca de 30 anos. Também trabalhou em empresas como: Viação Barão de Mauá Ltda.; Fazenda Recreio Rancharia; Grupo Cobrave; Grupo Braga; Grupo Faé. Em 1969, ingressou como professor do curso de Administração do IMES (Instituto Municipal de Ensino Superior), em São Caetano do Sul, onde lecionou por mais de 40 anos.





Transcrição do Depoimento de André Rubens Didone em 04/07/2005

Depoimento de ANDRÉ RUBENS DIDONE, 64 anos.

Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 04 de julho de 2005.

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC 

Entrevistadores: Priscila F. Perazzo e Danielle Barbosa.

Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato

 

Pergunta: Professor, vamos começar com o senhor falando um pouco sobre a sua infância, e a data e o local de nascimento.

 

Resposta:

Nasci às 11h20min, do dia 12 de setembro de 1940, na Rua Dona Gertrudes de Lima nº 661, em Santo André. Nasci em casa. Naquele tempo a maioria dos partos eram feitos em casa e não houve assistência médica, mas assistência de uma parteira. Eu cresci em Santo André, a partir dos 10 anos até os 13 anos eu fui aluno interno do Instituto Mackenzie, em São Paulo, depois passei para o Externato e terminei o curso colegial no Mackenzie e vim cursar a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas em Santo André a partir de 1960. Sou da primeira turma da Fundação Santo André. Ao terminar a faculdade iniciei minha atividade no magistério, mas já atuava profissionalmente na área empresarial. A partir de 1965 ingressei na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e sou da primeira turma também dessa faculdade e saí de lá em 1969. Fiz uma carreira no magistério, que não pretendia desenvolver, era apenas uma atividade complementar que acabou se transformando na atividade principal em termos de atividade profissional. Mas sempre fui empresário, me afastei da empresa a pouco mais de quatro anos, para me dedicar ao estudo do doutorado em direito na Universidade Social Argentina, mas continuo aqui na atividade do magistério, e fui professor da Fundação Santo André, da Unisanta, de Santos, da Metodista, da São Judas Tadeu, fui convidado pelo Mackenzie, recebi um convite que acabei não aceitando da PUC, fui convidado a integrar o corpo permanente da Escola Superior de Guerra no Rio de Janeiro, em razão do aproveitamento do curso. Lá não existe uma classificação de curso, mas por ter cursado o Curso Superior de Guerra, então fui convidado a integrar o corpo permanente da escola, mas o IMES não concordou com a solicitação, porque a escola exigia que o IMES bancasse parte da ajuda de custo que implicaria meu deslocamento daqui para o Rio. Então, não pude atender a esse convite, que para mim tinha sido uma honraria, porque depois de dois anos naquele corpo permanente, eu teria ido para os Estados Unidos cursar o Colégio Interamericano de Defesa e depois voltaria para definir o que seria a minha atividade no magistério. Quando a gente sai daquela escola e vai para o Colégio Interamericano de Defesa, a gente vai servir como diplomata durante três anos, recebendo uma importância mensal razoável que permite até uma aposentadoria precoce. Mas nada disse se concretizou, mesmo tendo a escola me convidado uma segunda vez para integrar o corpo permanente. Como eu tinha cursado a escola por indicação da Confederação Nacional da Indústria, na ocasião o presidente da FIESP era o meu colega de turma do Mackenzie, Luiz Eulálio Vidigal, e tinha sido substituído pelo Mário Amato, que também tinha cursado a Escola Superior de Guerra, eu fui conversar com o Mário Amato para ver se a FIESP podia me dar alguma coisa, não precisava dar salário, apenas as despesas de deslocamento para o Rio, que eram quatro deslocamentos mensais, vinte refeições do tipo comercial para o jantar e mais oito deslocamentos da rodoviária do Rio até a Escola Superior de Guerra, e a FIESP negou a solicitação, alegando que a representação da entidade tinha de ser feita à custa do próprio bolso. Eu perguntei ao presidente da FIESP se quando ele representava a FIESP ele ia por conta da FIESP ou por conta do próprio bolso. Ele disse que era por conta da FIESP. Eu disse que ia representar quem, a senhora sua mãe?

 

Pergunta: Vamos voltar um pouco à sua infância em Santo André. O senhor é de uma família de quantas pessoas?

 

Resposta:

Na minha casa somos eu e minha irmã, mas minha família é muito grande. Nós estamos radicados na região desde 1890 e meus avós, tanto os paternos como os maternos, eram todos industriais e a minha família tem, aproximadamente, umas 80 pessoas entre o lado paterno e materno. Eu cresci em Santo André por ser onde iniciei meus estudos, no Instituto Coração de Jesus, no primeiro ano e depois acabou o curso primário para meninos e fui para o Primeiro Grupo Escolar, onde é hoje o Museu de Santo André. Fiquei lá até o início do quarto ano, quando então fui para o Mackenzie.

 

Pergunta: Fale um pouco mais de Santo André, da escola. O senhor tem alguma lembrança?

 

Resposta:

Tenho uma lembrança muito boa do Grupo Escolar. Eram quatro professoras espetaculares, dona Olga Midinavaga, dona Alice Fláquer, dona Odila Bento Bilac e dona Maria da Penha Marrei. Quatro professoras de primeira linha, que caberiam como professoras em qualquer escola de altíssimo nível de São Paulo. Era um sistema disciplinar rígido que funcionava muito bem, a escola era muito limpa, tinha um sistema de refeições, semelhante hoje à merenda escolar, que era bastante bom. Aqueles que não podiam pagar tinham merenda gratuitamente e os que podiam pagar, pagavam um custo simbólico. A escola podia providenciar também material escolar completo e compatível com aqueles alunos que tinham dificuldade para comprar o material. Ela preparava os alunos para saírem de lá bastante bem alfabetizados, diferente do que acontece hoje, que a pessoa sai do curso primário e não sabe nem escrever o nome. Naquele tempo realmente era bastante bom o sistema de ensino primário. Como eu fui para o Mackenzie, então o Mackenzie naquele tempo, como é em todo o sistema de ensino no Brasil, a gente sai do curso primário ou do curso ginasial, tinha de fazer exame de admissão ao ginásio. Não havia passagem direta. Quem tinha 11 anos até o dia 30 de junho, se estivesse no quarto ano, podia prestar o exame de admissão. Quem fazia 11 anos depois, como era o meu caso, tinha de cursar o quinto ano primário para depois fazer o exame de admissão ao ginásio. O Mackenzie tinha um curso primário realmente diferenciado em que você aprendia inglês e francês no quarto ano primário. Havia um professor para cada matéria no curso primário, professor de ciência, de desenho, de trabalhos manuais, de inglês, francês, de português, de história, de geografia, de educação física e o currículo disciplinar era interessante. Não havia uma obrigatoriedade religiosa. Havia uma formação espiritual dando sentido de que os alunos tinham a obrigatoriedade de ter uma preparação espiritual, não importava qual fosse a religião. Quando a gente saía do curso primário, a gente ia para o ginásio e o ginásio já tinha um pátio bem maior, uma biblioteca bem maior, cantinas maiores e aumentava a liberdade. Para sair do ginásio para o curso colegial do Mackenzie nós tínhamos uma carta de referência do ginásio, senão não seria aceito. Indo para o curso colegial, pátio aberto, sem muros, três cantinas, biblioteca central de quatro andares, mais a biblioteca do curso. Era um sentido de liberdade bastante amplo. Só que havia 17 classes do primeiro ano do científico e apenas 06 classes de segundo ano. Umas onze classes ficavam reprovadas por ano. Era o ponto final, todos os enganadores do ginásio tinham o ponto final no primeiro ano do científico. No outro ano a gente encontrava aqueles colegas fazendo o curso clássico, ou curso de contabilidade, secretariado executivo, que naquele tempo era curso médio. Ou então eles iam para o curso técnico de agrimensura, química industrial ou técnico em eletrotécnica. O Mackenzie dividia, a partir do segundo ano científico, as turmas que pretendiam fazer vestibular para ciências exatas sem misturar com os de ciências humanas. Era feita já a divisão. Naquele tempo o número de vagas nas faculdades era um negócio muito sério. A Escola Paulista de Medicina tinha 60 vagas, Pinheiros 80 vagas, a PUC, que ficava em Sorocaba a medicina, 60 vagas. A engenharia do Mackenzie, que era a segunda mais concorrida, tinha 150 vagas, a POLI 320. E o número de candidatos nunca era menor que 15, em qualquer das escolas. Era uma peneira fantástica. Havia os famosos cursinhos Anglo-Latino, Getúlio, que preparavam os alunos dando uma formação bastante ampla, considerando que eles vinham de uma base boa. Embora alguns optassem por um regime diferenciado, preferiam cursar colégios mais fáceis como o Maria José e fariam um cursinho mais pesado para ter mais chances de ingressar na faculdade.

 

Pergunta: O senhor morava em Santo André e estudou todo esse tempo em São Paulo. Como era a sua vida, sua locomoção?

 

Resposta:

Do quarto ano primário até o segundo ano ginasial eu fiquei interno, fui preso no internato.

 

Pergunta: Era comum isso?

 

Resposta:

Era comum. Internato, ainda que possam me contraditar aqueles que não concordam comigo, era uma Febem. É um verdadeiro antro de bandidos, de classe média alta. Todos bandidos. O resultado era que existia uma competição fantástica dentro do internato, disputa de grupos que mandavam, grupos que faziam contrabando. Havia uma comida muito ruim no internato e a gente se cotizava para comprar um vigilante para ir fazer compra de pizzas numa padaria lá perto. Então, o internato foi uma experiência, que de um lado foi negativa pelo ambiente, por nos deixar desligados de casa, por outro lado tem o lado positivo que a gente aprende a se defender. Quando deixei o ginásio... (Interrupção) Eu achei que meu pai estava gastando muito comigo. Sempre tive o orgulho pessoal de nunca querer depender de ninguém, então fiz um acordo com o meu pai, que ia passar para o Externato e passaria a trabalhar na fábrica do meu pai na parte da tarde, suprindo um cargo de auxiliar de escritório, porque esse salário correspondia à mensalidade e às despesas, e ficava empatada a conta. E de Santo André para São Paulo todo dia era uma aventura. Eu acordava às 4h30min da manhã, pegava um ônibus até a estação de Santo André e pegava o trem das 6h05min até a Estação da Luz. Lá eu tinha várias opções, de pegar ônibus que passava na Avenida Angélica ou ir a pé até a Avenida São João e pagar o bonde 14 Vila Buarque, que passava defronte ao Mackenzie, numa rota muito grande, ou ir a pé até a Praça Ramos e pegar qualquer um dos bondes, 28 Fradique Coutinho ou 29 Vila Madalena ou mesmo o 14 que era circular, ou na Praça do Patriarca pegar os ônibus 39 Conselheiro Botero ou 38 também, que passavam juntos no Mackenzie ou descer até o Vale do Anhangabaú e pegar o 55 Sumaré, que passava perto do Mackenzie também. Só que por vezes eu ia a pé. De 25 a 28 minutos a gente chegava no Mackenzie. Na volta conseguia vir a pé porque saía um trem da Estação da Luz às 12h37min e eu saía do Mackenzie 12h10min. Se fosse pegar o transporte convencional eu perderia esse trem e perdendo esse trem só tinha outro 13h47min, mais de uma hora depois. Então, não queria chegar muito tarde e vinha correndo para pegar esse trem. Chegando a Santo André, pegava o ônibus até a minha casa na Vila Luzita, almoçava comida esquentada e ia para a fábrica trabalhar na parte da tarde.

 

Pergunta: Conte sobre a fábrica, a Têxtil Didone?

 

Resposta:

O meu avô foi um dos primeiros gerentes da fábrica de tecidos Ipiranguinha, onde hoje é a Baleia, em Santo André. Ele acabou conhecendo a minha avó e ela vinha de um setor rico, porque tinha uma indústria. Só que naquele tempo havia a cultura italiana que só os filhos homens que tinham direitos a participar dos bens do pai e as filhas mulheres eram as sobras.

 

Pergunta: Quem era?

Resposta:

A família Purina. Acontece que os filhos do Sr. Purina, que seria meu bisavô, levaram a fábrica a uma situação de insolvência. Meu avô, também chamado André, fez amizade com um senhor chamado Alfredo Egídio de Souza Aranha, que é fundador do que vocês conhecem hoje como Banco Itaú, então Banco Federal. Meu avô contou para ele a situação e o Alfredo Egídio de Souza Aranha falou para o meu avô: Fica com a indústria que eu financio você. Foi assim que em 1933 meu avô ficou com essa indústria, que hoje é a Cooperativa da Rhodia ali na Perimetral. Ele iniciou a fábrica. Só que meu avô morreu em 1945, com 56 anos, muito novo, no dia 27 de março, e meu pai e os irmãos do meu pai continuaram com a fábrica, mas em 1948 houve uma cisão familiar, então eles venderam a fábrica para o Grupo Vidigal, do Banco Mercantil, e cada um foi para um lado. Meu pai, em 1952 montou essa indústria Têxtil Didone, que perdurou de fins de 1952 até 1985. A gente se preparou para dividir a fábrica porque ele chegou à conclusão que estava ficando velho, já ia fazer 70 anos, os filhos já casados, encaminhados e tudo mais e ele chegou na seguinte conclusão: o país atravessa diversas situações de crise econômica e nós estamos sempre pagando a conta. Nós estávamos numa situação hoje em que ele podia parar a fábrica, porque não devia nada para ninguém, então ele vendeu a maquinaria e alugou os imóveis. Foi o que ele acabou fazendo. A maquinaria foi vendida rapidamente, porque eu tinha dirigido a fábrica de 1959 até 1985, na parte comercial. Eu aprendi uma coisa, visitando outras empresas, que maquinaria velha não dá resultado. Então, a cada 05 anos eu trocava todo o sistema de máquinas da fábrica. Um processo interessante, porque eu comprava as máquinas com 01 ano de carência para começar a pagar, pagava em 03 anos e tinha mais 01 ano para desfrutar e comprava novas máquinas e a cada ano a compra ficava mais barata. A maquinaria foi vendida rapidamente e os imóveis estão lá até hoje, eu sou um dos proprietários, e estão alugados para uma outra indústria.

 

Pergunta: A Didone incorporou a Ipiranguinha?

 

Resposta:

Quando a Ipiranguinha entrou em crise, porque havia a Didone onde é a Cooperativa da Rhodia hoje, eles ofereceram a Ipiranguinha ao meu pai por 12 mil contos. Era um dinheirão, mas os irmãos do meu pai não concordaram com o negócio. A Ipiranguinha era um modelo de fábrica. Se a gente fosse considerar o tempo que ela foi fundada e o que ela oferecia em termos de programas sociais, ela estava adiantada uns 50 anos, porque todos os empregados tinham casa, cooperativa, atendimento médico e odontológico, farmácia, escola garantida para os filhos dos empregados, cursos de capacitação para os filhos dos empregados para várias profissões. Havia até uma previdência complementar. Isso nos anos 20, quando não havia nenhuma lei regendo isso, porque a nossa lei de previdência social é de 1923 e só começou a ser implementada por Getúlio Vargas depois que ele deu o golpe de estado em 1937, quando ele passou a implementar a previdência. Só que não havia nenhuma lei trabalhista o que demorou 05 anos para ser aprovada e só foi promulgada em 1943. Só que a lei trabalhista veio depois da previdência, um fato interessante.

 

Pergunta: E a maior parte dos operários era de mulheres?

 

Resposta:

Na parte da preparação de fios a predominância era de mulheres. Na parte de tecelagem, contramestres, chefes, eram homens. Na parte de tinturaria, exclusivamente homens. Essa fábrica que foi nossa, no dia 1º de abril de 1943, eu me lembro da data por causa do 1º de abril, eles foram me buscar no Mackenzie, pois eu tinha conseguido uma saída porque era Semana Santa, e meu tio falou: Você não sabe o que aconteceu hoje. A fábrica que era nossa explodiu. Pensei que era 1º de abril. Quando nós estávamos nos aproximando da fábrica havia telhas espalhadas por toda a redondeza e cheguei à conclusão que a caldeira tinha explodido mesmo. Morreram seis operários. Isso foi numa quarta-feira. Se fosse na terça-feira, defronte ao local da explosão, era a feira livre, a maior de Santo André, seria incrível.

 

Pergunta: Ali hoje é bem central. Naquela época o que significava para a cidade?

 

Resposta:

Santo André surgiu no Largo da Estátua, que é a Praça Embaixador Pedro de Toledo, só que ninguém sabe desse nome, porque todo mundo conhece como Largo da Estátua. Se você andasse num raio de 1500 metros, toda a atividade industrial de Santo André estava no entorno. Santo André tinha 52 mil habitantes numa contagem de 1950, havia cerca de 39 indústrias têxtil. Santo André era um pólo têxtil fantástico. Como indústrias grandes tinha a Firestone, a Pirelli, que eram mais afastadas, e a Rhodia. E uma grande indústria têxtil, a Kovarick, que era onde é o Jumbo da estação, e a Ipiranguinha, que é onde é a Baleia hoje. E havia a Conack, que é onde é a Cooperativa da Volkswagen. Eram as grandes empresas. Toda a atividade industrial de Santo André estava num raio, não chegava a 2 mil metros do Largo da Estátua. A maior parte das ruas era sem pavimentação. O primeiro semáforo instalado foi no cruzamento da Rua Senador Fláquer com o Largo da Estátua. Eu me lembro que ali eram duas mãos, os ônibus subiam e desciam. Não havia ainda sido consolidado todo o sistema de transporte coletivo, especialmente do Segundo Subdistrito. O sistema de transporte coletivo de Santo André tinha um padrão, quando a gente considera o ano de 2005, em 1947 o ônibus era importado, monobloco de alumínio, câmbio automático e direção hidráulica, piso rebaixado, que é reclamado hoje para o pessoal excepcional, já tinha, e bancos de couro. Havia duas empresas em Santo André que monopolizavam o serviço. Era a Empresa Auto Ônibus de Santo André e a Empresa Capuava de Auto Ônibus, com padrão de serviço fantástico. Era esse o padrão de Santo André, não havia grande problema no transporte coletivo. Os passageiros até se conheciam, pelos horários que eram precisos.

 

Pergunta: Por que surgiu o interesse de o senhor lecionar, se o senhor era empresário?

Resposta:

Eu tenho uma certa frustração. Nunca consegui ser subordinado. Já ingressei na atividade como chefe. O auxiliar de escritório da indústria do meu pai era o chefe do escritório. Então, nunca ingressei uma atividade de subordinação. Isso exigia da gente uma visão um pouco maior do que o chamado empregado comum. Além do escritório, eu supervisionava a portaria, carregamento e descarregamento de veículos, o embarque de mercadorias. A gente vai tendo uma visão ampla. E sempre gostei muito de administração, sempre fui muito chato com questões de limpeza, ordem e arrumação. Isso vai dando uma visão panorâmica do empreendimento e a gente passa a ser administrador, mesmo sem ter o diploma. A entrada no magistério aconteceu por acaso. Um colega meu estava lecionando na Unisanta, em Santos, quando ainda não se chamava Unisanta, apenas Faculdade Santa Cecília dos Bandeirantes, que era a Faculdade de Ciências Econômicas e Comerciais de Santos, na Rua Euclides da Cunha, junto ao Canal 1. Ele me telefonou falando que precisava de um professor de economia internacional para a faculdade. O que eu tinha a ver com isso? É que eu fui o melhor aluno de economia internacional, eu conhecia geografia econômica, a história. Ele perguntou se eu não podia quebrar o galho por um mês e meio, até que viesse outro professor. Não tinha nada para fazer à noite, solteiro, a faculdade estava terminada, então passei a lecionar economia internacional. A curiosidade é que essa primeira turma, a faculdade tinha ficado parada um ano e eu era mais novo que o mais novo aluno da turma, eram todos mais velhos do que eu, eu tinha acabado de fazer 23 anos. Eu gostei da atividade, mas sempre entendi que era uma atividade complementar, mesmo porque a remuneração não era lá essas coisas. Eu sempre fui amigo de trabalho pago, não gosto de trabalho gratuito. Tirando casos excepcionais de trabalho voluntário, eu acho que todo trabalho tem de ser remunerado, e, se possível, bem remunerado. E aí o Aristides, coordenador da São Judas, me telefonou falando que sabia que eu estava lecionando economia internacional em Santos e se eu não gostaria de ser assistente em Santo André. Não tem nada a ver com economia internacional. Ele queria que eu analisasse os alunos. Durante dois anos fui assistente, de graça, e em 1967, surgiu uma oportunidade, porque aumentaram as turmas da Faculdade de Economia, e eu fui ser adjunto de economia internacional. Aí comecei a minha atividade na Fundação, ganhando, embora estivesse lá dentro desde 1964. Fiquei até 1971, quando houve um problema administrativo. Eu tinha sido promovido a titular da cadeira, só que a Faculdade se enganou. Segundo o regimento da escola uma cadeira não podia ter dois titulares. O Aristides era titular de economia internacional e de análise microeconômica. Então eu falei que não ia ficar no lugar do Aristides, porque isso para mim é uma atividade complementar. Então eu falei para o Aristides ficar com a cadeira. Seu eu ficasse como titular, o Aristides não ia ser mais titular e ele dependia daquilo. Como ele era gerente do Banco do Brasil, em São Paulo, aquela atividade para ele era importante e ele estava fazendo a casa dele na época. Ele falou que se licenciava. Mas não aceitaram ele se licenciar da cadeira. Eu vou levantar uma questão de direito. Pode uma cadeira ter dois titulares? Não. Isso acontecendo, o que deve ser feito? Deve ser rescindido o contrato daquele que for mais novo, que no caso era eu. Foi feita a rescisão do meu contrato e eu recebi uma indenização correspondente a cinco anos de trabalho. Deixei a Fundação, mas voltei no ano seguinte como curador e acabei presidente da Fundação Santo André durante três anos. Depois deixei a Fundação definitivamente e em 1989, quando o Celso assumiu, eu fui lá falar com ele. Eu tinha uma boa amizade com o Celso porque nós tínhamos lecionado juntos três anos na Metodista, mas eu conhecia o Celso desde garoto e falei: Você precisa do meu cargo? Eu podia ser eleito mais um ano porque tinha a maioria no conselho. Ele falou se eu podia abrir mão do cargo porque ele gostaria muito de atender um interesse partidário. Tudo bem. O presidente da Fundação não era nada, era um cargo honorífico. Ele falou para eu terminar o mês e no mês seguinte ele designou outra pessoa. E assim deixei a Fundação Santo André.

 

Pergunta: E o IMES?

 

Resposta:

Eu vim para cá em agosto de 1969, para substituir o Professor Jamil Bailão, que tinha ido para a Escola Superior de Guerra. Ele era assessor da FIESP. Mas o Jamil sofreu um acidente de carro, quase morreu, e interrompeu o curso dele na Escola Superior de Guerra e falou que ia precisar ficar aqui. Só que nessa altura, o Aécio Gonzales, que tinha me convidado para vir para cá assumiu a cadeira porque alguém precisava elaborar o primeiro planejamento técnico didático. Eu tinha experiência nesse trabalho e fiquei encarregado de elaborar o planejamento do IMES, que foi editado em 1970, mas não tinha registro em carteira porque eles não tinham verba para me pagar, não havia IMES ainda, era Faculdade de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais de São Caetano do Sul. Então, em março de 1970 fui registrado como professor, a partir de 1º de março de 1970. Em maio de 1970, foi criado o IMES. Em 1972, o IMES foi extinto e foi criada a Fundação Educacional Di Thiene, uma sociedade mantenedora da Faculdade de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais de São Caetano do Sul. Em 1973, o Braido havia ganhado a eleição e ele tinha ódio de morte daquele pessoal que estava aqui e o presidente da fundação renunciou, porque ele acumulava o cargo de diretor da faculdade e alguém precisava ocupar a direção da casa para terminar o mandato. Então foi consultado o Professor Carlos Dallanese e falou que não podia, o Sr. Carlos Gaglhanone e ele falou que não podia porque ele era diretor da Copyboy e era incompatível ter dois cargos de diretor, o Benatte, que é professor de Sociais e ele não podia aceitar porque era diretor da Faculdade de São José dos Campos. Então sobrou para mim, que era mais novo. Eu nunca recusei um desafio e aceitei o cargo de diretor do IMES por oito dias. No segundo dia, estava aqui, tocou o telefone e era o Braido: Estou mandando alguém para tomar conta desse negócio aí. Aqui o senhor não vai mandar ninguém porque existe um diretor e o mandato termina no dia 15 de fevereiro. Depois o senhor pode mandar quem o senhor quiser. Essa voz é do Didone, então nós estamos em casa, te conheço e não tem problema. Ele falou que ia nomear o Oscar. Tudo bem. E me convidou para ir tomar um café com ele, mas nunca fui. É uma questão de não gostar da pessoa. No dia 15 de fevereiro, o Oscar assumiu e aconteceu um negócio muito chato. Houve uma verdadeira limpeza, ele mandou embora um monte de gente, pessoas que não tinham nada a ver com o processo político. Mandaram embora o administrador de pátio que era fantástico, Onofre Rosso, que era irmão da Vânia Rosso, que era inimiga de morte do Braido. Mandaram embora uma mocinha que trabalhava na secretaria, chamada Inês, que fazia Sociais à noite e trabalhava durante o dia. Mudaram o horário de trabalho dela para ela não poder mais estudar. Ou ela estudava ou deixava o emprego. Ela preferiu deixar o emprego para terminar o curso. Mas foram casos assim, com professores fizeram um rapa. Os que não foram mandados embora pediram a conta, Fábio Natanael, o Jaquinto, o Altamir, o Celso.

 

Pergunta: A relação com o Poder Público era muito próxima. Foi ele que fez também toda a abertura do IMES?

 

Resposta:

Foi constituída uma comissão, no fim de 1967, presidida pelo Oscar Carbelotto, procurador municipal, para organizar a primeira faculdade de São Caetano. Foi assim que surgiu a Faculdade de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais de São Caetano do Sul, em julho de 1968. Em 1969, o IMES incorporou o curso da ESAN e, em 1970, teve uma formatura, mas não era a turma do IMES, mas a primeira turma que se formou no IMES, do pessoal que veio da ESAN. A primeira turma do IMES se formou aqui em 1971, que era a primeira turma de economia. O Marco Antônio é de 1972, da segunda turma e foi meu aluno, como o Laércio também foi meu aluno em Santo André, em 1967. Quando o Braido nomeou o Oscar, ele extinguiu a Fundação Educacional Di Thiene e foi recriado o IMES. Então, o IMES tem duas fundações, a primeira em maio de 1970 e a segunda em 1973, quando ele voltou.

 

Pergunta: Por que precisava ter uma escola superior da Prefeitura?

 

Resposta:

... E como estava mais na moda, na época, economia, então foi feito. E havia um exemplo bom a ser seguido, que era economia da Fundação Santo André, que fez história entre as melhores, não do Estado, mas do Brasil. De uns anos para cá é que caiu o nível de eficiência da escola, mas era uma escola muito boa, tanto que o cidadão que se formava lá saía economista e administrador. Todos eles eram pessoas que profissionalmente foram bem-sucedidas. Uma passagem curiosa de Santo André, fala-se tanto na Universidade Federal, mas quando Jânio Quadros assumiu a Presidência da República, em 31 de janeiro de 1961, um dos primeiros atos que ele fez foi criar a Universidade Federal de São Paulo, constituída, que foi a Escola Paulista de Medicina, Escola de Engenharia de São Carlos, Faculdade de Filosofia de Rio Preto, Faculdade de Bauru e Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas de Santo André. Foi essa a primeira universidade federal de São Paulo. Aí o Jânio renunciou e o processo não se consolidou. Muitos anos depois foi criada a Universidade Federal de São Carlos, de engenharia, a Escola Paulista de Medicina, outra universidade federal, e agora se fala em outra universidade federal que seria gerenciada pela escola de São Carlos, que seria na verdade parte do projeto original de 1961.

 

Pergunta: E os alunos? Como eram esses alunos que vinham para as primeiras turmas?

 

Resposta:

De uma maneira geral os alunos da primeira turma eram da cidade, porque era uma novidade e o pessoal vinha ver. Por analogia, é mais ou menos o que aconteceu com a primeira turma de direito. Foi um chamariz que trouxe uma proporção de candidatos fantástica. Era a grande novidade. Aí passou essa super onda, que aconteceu, passou a Tsunami do direito e agora está balizado nos patamares normais. Era uma novidade. E havia um detalhe. Em Santo André, a seleção para economia era dura, e quando prestei a ESAN, fiz segunda época, porque naquele tempo para se prestar só com os documentos completos. Eram dois diplomas de ginásio originais, dois diplomas do colegial originais, duas fichas modelo 19, duas fichas modelo 19, atestado de antecedentes, atestado de idoneidade moral, certidão negativa de cartório, carteira de identidade. Se você não entregasse todos os documentos, não tinha inscrição para o vestibular. E o Mackenzie só fornecia documentos de acordo com o calendário deles, que era dois dias depois de encerrar as inscrições em Santo André, então fiquei torcendo para que sobrassem algumas vagas de primeira época para poder fazer uma segunda época. Sobraram seis vagas e havia cerca de 58 candidatos. Quando saiu o vestibular sempre olhava eu e mais cinco, porque se eu não estivesse entre os seis, não dava. Aí dei sorte e passei. Santo André era uma espécie de barreira para o pessoal, era mais difícil a escola. Então, quando abriu uma aqui, a primeira análise, além de ser mais fácil o ingresso, por não ser conhecida, havia uma fluência maior. Era esse o público.

 

Pergunta: E vinham muitos alunos das empresas da região, da GM?

 

Resposta:

Boa parte do público era oriunda de empresas.

 

Pergunta: E aquele curso vespertino?

 

Resposta:

Ele veio mais de dez anos depois de iniciado o IMES. Havia uma demanda grande e chegou-se à conclusão que o curso vespertino poderia ser uma alternativa para o aumento de vagas e para atender a demanda que estava se expandindo. E esse curso vespertino, eu lamentei que ele foi eliminado, porque o curso matutino não resolveu o problema. Há cursos, como o de economia e administração que não têm viabilidade de manhã. Estou vendo que começa com 65 alunos e termina com pouco mais de 40. O segundo ano chega para 30, o terceiro vai para 20 e o quarto ano termina com meia dúzia. Tentou-se curso à tarde, também não houve procura. O ideal seria esse curso vespertino. Eu me sinto um pouco culpado por isso, porque quem propôs eliminar aulas aos sábados fui eu, mas eu propus isso porque havia um problema, não no sábado de manhã, mas no sábado à tarde. Ninguém queria lecionar aos sábados à tarde. Então, fomos acabar com aula aos sábados e deixar os sábados para as reposições, complementação. Só que mudaram o horário também do vespertino. Ao invés de começar 17h10min, começava 17h59min, porque depois das 18h não é mais vespertino. Começando 17h59min tinha um público maior e muita gente podia iniciar o curso e o aluno chegava 18h20min e estava tudo certo. Isso era normal. Eu propus esse horário, mas em vez de ter 08 aulas de 40 minutos, havia 06 aulas e ficava dentro dos conformes. Só que pegaram a idéia de eliminar aulas aos sábados e acabaram com o vespertino também. Se foi para atender o custo, não foi a melhor solução, porque mesmo vendo em termos de custo, um professor daria no máximo seis aulas por dia e não oito. Alguns professores reclamariam, mas em função de dar oito aulas, as duas últimas aulas são extremamente improdutivas, porque ele não tem mais aquele pique. Antigamente nós tínhamos aulas aos sábados aqui em três períodos, só à tarde, só de manhã e misto manhã e noite. Tinha um período em que a aula começava a meio-dia e ia até oito da noite. Eu dava essas oito aulas e cheguei à conclusão que era um mau negócio. Infelizmente acabou-se com o vespertino. Há uma tentativa de volta do vespertino, existe público para isso. Nós temos aqui algumas distorções, porque temos algumas turmas aqui com 90, 100 alunos. Como é didático um processo como esse? Gostaria de entender porque não faz sentido. A classe ideal, de acordo com normas técnicas, teria 65 alunos, que acho muito. Acho que 50 alunos estariam de bom tamanho numa classe, porque 50 alunos já dão um ponto de equilíbrio, porque a classe não é deficitária com essa mensalidade. Mas sou apenas um pensamento e, por enquanto, minoria.

 

Pergunta: No período da criação do IMES até 1978, existiam estudantes ou professores que sofriam por causa da ditadura?

 

Resposta:

Não havia. Nós tínhamos um curso de Sociais que era chamado pelo professor Agai, que é titular da USP hoje, ele dizia para mim que o curso do IMES era melhor que da USP. A regulamentação do código de educação no Brasil começou em 1973. Antes disso a carreira de docente tinha outro viés. O cidadão era convidado a dar aula na faculdade como assistente e depois de algum tempo, não menos que três anos, ele podia entrar num concurso para livre docência. Se ele não fosse primeiro colocado, mas tivesse nota acima de 9, ele era nomeado livre docente e depois ele poderia concorrer a ter a carta. Assim que a carreira era. Hoje não. Hoje em dia livre docente é depois de doutor. Antigamente não havia essa história de doutorado. A partir de 1973 é que houve essa regulamentação. Eu era regente, que era equivalente ao doutor. Então, surgiu uma oportunidade de fazer algumas defesas de teses para dar o título de doutor para aqueles que eram regentes. Flávio de Braga foi o primeiro que se inscreveu. A tese dele foi sobre o futebol e um dos membros da banca examinadora foi o então bispo de Santo André, D. Cláudio Humes, que hoje é o cardeal de São Paulo. Nesses cursos sociais se discutia alguma coisa, nada muito profundo, até porque nós temos várias histórias no Brasil, do lado de quem ganhou, o lado que perdeu e foi essa a história de um cidadão que analisou os dois lados. Se a gente for olhar a história do cidadão que analisou os dois lados, o período de 1964 até 1985 foi um período de exceção? Foi. Foi tão terrível quanto falam? Mas nem de longe foi terrível como falam. Muitas pessoas morreram em decorrência da repressão e aqueles agentes da repressão, que morreram também, comparado com qualquer país que teve um processo semelhante, não servem nem de amostra. Havia a censura. Só se tinha algum conhecimento do que acontecia de bom, porque aquilo que acontecia de ruim ninguém noticiava. Esse é um lado negativo. Só que o lado da repressão, é preciso entender que havia dois grupos combatendo, um querendo derrubar o regime e outro querendo manter o regime. E um dos lados ganhou, levou a melhor. A guerrilha, ainda que inserida no contexto, não era o pessoal que combatia a ditadura militar. A guerrilha pretendia levantar um novo Brasil, sob uma outra ótica. Ainda que eles estavam inseridos no contexto, não era nada disso. Ela foi descoberta por acaso. Num domingo à noite em Fortaleza, havia o Superintendente da Polícia Federal chamado Edilson Granjeiro Xavier, que era compadre de um cidadão chamado Valdir Torres, que era o Coronel Chefe da Segunda Seção do Quarto Exército. A Segunda Seção era o Serviço de Segurança e Informações. Eles estavam chateados porque tinham ficado de plantão no domingo à noite na Polícia Federal e estava presa uma pessoa, que eles achavam que não passava de um energúmeno mentecapto, de tão idiota que era, e o Xavier que era um gozador quis dar um susto naquele cara. Ele passou a mão na metralhadora e chegou para o cara e perguntou: Você quer morrer em pé ou deitado. O cara falou: Não me mata que eu conto tudo. Quando ele falou do Araguarça, como eles chamavam, um olhou para o outro. Esse cara está delirando. Por via das dúvidas ligaram para o Comandante da Décima Região Militar, que fica em Fortaleza e em dez minutos o Comandante estava lá. Ele já tinha uma notícia que havia alguma coisa por aí. Pegaram esse cidadão e mandaram um pessoal para a região do bico de papagaio, hoje Tocantins. Foi mandado para lá um grupo de conscritos, que são soldados que estão fazendo o serviço militar. Não escapou nenhum, todos aniquilados. Então resolveram montar um comando de verdade. Quem tinha organizado essa guerrilha era o Rui, que era líder no Amazonas, ao meu entender um canalha, porque ele deixou todo mundo no fogo e fugiu. Aqui em São Paulo o Ministro do Exército era Orlando Geisel, irmão do Presidente Ernesto Geisel, e ele montou um comando integrado. Tinha um general que era Secretário de Segurança de São Paulo, o General Hugo de Abreu, que era Comandante da Brigada Pára-quedista e pelo General que era comandante da Quinta Divisão de Infantaria do Rio Grande do Sul. Montaram uma força com soldados profissionais, porque a Brigada Pára-quedista é uma brigada profissional, mandaram a Unidade de Infantaria de Selva, também todos profissionais e mandaram forças especiais, que são todos soldados profissionais. Formou-se um grupo de soldados profissionais contra guerrilheiros, bem ou mal organizados e se desenvolveu essa coisa toda. O José Genuíno nunca foi guerrilheiro. Ele saiu da região do Amazonas dois meses antes de acontecer o conflito e chegou em São Paulo por outras razões.

 

Pergunta: As pessoas do IMES, da região, o que aconteceu com elas?

 

Resposta:

Daqui da região nenhum membro se destacou. Sabe-se, por exemplo, que o SNI, Serviço Nacional de Informações, teria, coloco na condicional porque isso nunca vai se poder provar, recrutado algumas pessoas influentes da região para serem uma espécie de informantes do que se passava na região, para dar uma idéia do clima que se desenvolvia aqui. Mas nada disso ficou provado.

 

Pergunta: O senhor sabe da história da estátua que tem aqui na frente do IMES?

 

Resposta:

A estátua do Agenor. Esse cidadão fez, pegou uma tora de madeira e fez essa estátua para dar de presente para o Papa. Só que, sem querer pichar o trabalho dele, que é bem feito, isso virou um trambolho que ninguém queria ficar. E como havia espaço disponível aqui, colocaram essa estátua no IMES e ficou aí. E acabaram colocando essa estátua de pé, porque ela estava deitada e acabou sendo incorporado ao acervo do IMES como se fosse um símbolo. Não tem nada a ver com o IMES. Isso tem tudo a ver com uma negativa da Igreja de receber isso para dar de presente para o Papa. É igual ao Zé do Burro, do filme O Pagador de Promessa que queria entrar na igreja com aquele presente. A analogia é bem válida. Essa é a história da estátua do Agenor.

 

Pergunta: No início da década de 70 como era o prédio do IMES?

 

Resposta:

Havia apenas esse prédio do meio. Não começou aqui o IMES. A faculdade começou no centro de São Caetano e depois veio para cá. Esse prédio era um galpão. Dizem que o projeto final do IMES era um prédio cuja maquete estava em cima do auditório velho. Era um prédio de vários andares que começaria onde é o estacionamento dos professores, mais o prédio da sala dos professores e rua a rua, com vários andares, abrigaria não só a faculdade que existia, mas também aquelas que viriam e seria demolido o da Goiás, seria feita uma desapropriação do terreno defronte e seria feia uma passagem de nível na Avenida Goiás para fazer a expansão do campus universitário do IMES. Só que depois os fatos atropelavam os planos. Como o Moacir foi diretor, o Prefeito era o Antonio Dallanese, fez um acordo com a Prefeitura, que devia alguma coisa ao IMES e a Prefeitura fez esse prédio A, que é o primeiro prédio em frente à rua, um prédio barulhento, que foi feito exatamente como não devia ser feito. Se fosse feito um outro prédio aqui, seguramente o resultado seria melhor. E a maquete sumiu. Depois o que aconteceu são problemas que a gente recebe pronto. Não existe um processo de comunicação. O engenheiro chega aqui e diz que o processo de expansão é esse, vai acontecer isso. O processo de comunicação do IMES é falho e o processo decisório é muito centralizado. Há o lado negativo e o lado positivo. Só que aquele processo não podia ser tão centralizado e nós devíamos conhecer todos os planos de expansão do IMES. Estive num seminário, a mando do IMES, três semanas atrás, e lá se falou no projeto pedagógico de cada instituição. Eu não conheço o projeto pedagógico do IMES. Sei que há um projeto. E a firma que falou é a firma que dá consultoria para o IMES, só que nós não conhecemos o projeto pedagógico. Isso, numa universidade, precisa ser revisto, porque não se consegue que uma instituição de ensino superior que está tentando galgar degraus mais elevados, porque daqui um ano ou dois nós teremos cursos de doutorado aqui também, só que vai chegar o doutorado, depois o pós-doutorado e qual o projeto pedagógico do IMES ou que cursos virão a seguir? Estou sabendo que no ano que vem pode ser que seja oferecido um curso de curta duração, de dois anos, de administração da pequena e média empresa. Será que é isso que a realidade do mercado está exigindo? Uma escola não pode ignorar o mercado, ainda que a palavra mercado para uma instituição de ensino não seja muito simpática, mas é uma coisa que não pode ser ignorada. Uma instituição não sobrevive sem receita. Eu tinha proposto dois cursos no IMES que até hoje estou esperando a resposta, um de gestão ambiental, que é um curso necessário, mas um curso sério com duração de dois anos também com possibilidade de incorporação a outros cursos, e também eu propus um curso de relações internacionais, já que dificilmente um profissional procura só um curso de comércio exterior, então propus um curso de relações internacionais, passível de ser complementado pelo curso de comércio exterior e estaria dando um campo completo para essa área que é bastante importante. Mas até agora não veio a resposta.

 

Pergunta: A gente está chegando ao fim e queria fazer uma pergunta. Como o senhor estava comentando sobre a industrialização da região do ABC, de Santo André, o senhor trabalhou sempre com administração, mas o senhor acha que a região tem uma identidade industrial ou uma identidade operária, essas coisas que a gente conhece o ABC por isso?

 

Resposta:

A região tinha uma identidade industrial e está se transformando. Santo André, por exemplo, nos últimos 50 anos, perdeu cerca de 700 estabelecimentos, entre indústrias, estabelecimentos comerciais e alguns prestadores de serviços, sobretudo a atividade têxtil de Santo André desapareceu. Eram 39 empresas e hoje temos o Lanifício Santa Marta, uma sobra do que era a Rhodia antigamente e acabou. Tem essa indústria que está funcionando num prédio que é meu, onde era a nossa indústria, mas não pode classificar como atividade têxtil, uma tecelagem. É uma indústria de transformação de tecidos, não uma tecelagem. Algumas indústrias automobilísticas que forneciam para a indústria automobilística, como a Freios Góes, que por não se associarem a empresas estrangeiras também desapareceram. Outras, como a CIMA, Companhia Industrial de Materiais Automobilísticos, mudou-se da região para outro local. Outras mudaram de Santo André para Mauá. Várias empresas que forneciam para a indústria automobilística também desapareceram. Santo André está perdendo a identidade industrial. Mauá que era chamada de cidade da porcelana, praticamente lá sobrou só a Porcelana Schimidt. Ribeirão Pires nunca teve identidade industrial. Diadema, a partir da administração do Lauro Michels, ele montou uma assistência para pequena e média empresa e hoje Diadema é um pólo de pequenas e microempresas bastante desenvolvido. São Bernardo, por exemplo, tinha um pólo têxtil que também desapareceu. E também muitas indústrias automobilísticas, como a Simca, a Karmann Guia também não produz mais veículos, só parte de componentes, a Toyota não produz mais caminhonetes, só no interior. A Volkswagen chegou a ter 45 mil funcionários e hoje tem uma parte desses funcionários apenas. A Mercedes não é mais Mercedes, mas apenas a metade do que tinha e mudou de nome. A Scania parece que continua a mesma planta. A Willys desapareceu e deu lugar a Ford. Mesmo a indústria automobilística está reduzida em relação ao seu projeto inicial.

 

 

Pergunta: Para terminar a gente sempre pede para as pessoas deixarem seus recados. Já que o senhor tem essa trajetória de tantos anos de IMES, o senhor gostaria de falar um pouco do significado, desde a sua origem até onde ele se transformou em universidade?

 

Resposta:

Quando vim para o IMES, vim por várias razões. Em primeiro lugar porque ia ficar sem aulas em Santo André, porque uma cadeira não poderia ter dois titulares. E o IMES era um atrativo financeiro interessante. A maior aula no IMES, em 1970, pagava 34 reais e Santo André pagava 28. Aí nós ficamos dois anos sem aumento e aí reduziram o salário dos programadores chefes, que era o nome antigo dos que ajudavam os chefes de departamentos. Depois veio um problema no tempo do Oscar Garbelotto e nós também fomos sensivelmente prejudicados e isso nunca foi consertado o problema. Mas o IMES, apesar de tudo, cresceu e hoje nós somos, de um grupo original de pouco mais de 30 professores, somos quase 300 e hoje não conheço a maior parte dos professores que adentram à sala dos professores. Então, da forma como estão sendo selecionados também, dificilmente vai ser formada uma cultura de professores do IMES. São professores que passam pelo IMES, dão uma ou duas aulas e só voltam na semana seguinte. Nessa condição dificilmente o cidadão vai criar uma raiz forte na instituição em que ele trabalha, porque aqui é apenas um ponto de parada durante a semana, de duas horas, onde ele presta seus serviços, vai embora e, dia 14 e 28, recebe o pagamento. Esse é um ponto que precisa ser analisado e existir uma reflexão, porque toda instituição vai bem quando a comunidade que nela trabalha tem identidade com a instituição. Não vejo identidade, principalmente nesse pessoal mais novo.



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