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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Benedita Damasceno Porfírio

  • Nome: Benedita Damasceno Porfírio
  • Gênero: Feminino
  • Data de Nascimento: 21/04/1927
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: Tambaú (SP)
  • Profissão: Empregada Doméstica

Biografia

Benedita Damasceno Porfírio mora na região do ABC há mais de 40 anos.





Transcrição do Depoimento de Benedita D. Porfírio em 04/07/2005

Depoimento de BENEDITA DAMACENO PORFÍRIO, 78 anos.

Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 04 de julho de 2005.

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC 

Entrevistadores: Vilma Lemos e Robson Conceição.

Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.

 

Pergunta: Por favor, conte onde a senhora nasceu, a data e como eram seus pais, como vocês se relacionavam na família, quantos irmãos.

 

Resposta:

Nasci no município de Tambaú e fui batizada na igreja da cidade. Fui criada no município de São Simão. Minha mãe chamava-se Benedita Porfírio, mas como ela casou, ficou Benedita Damaceno, meu nome. Meu pai se chamava Femiano Pinto Damaceno. Eu fui criada no interior, na roça, não tinha escola. Meus irmãos, como eram homens, meu avô arrumou uma escola para eles, mas como nós éramos mulheres, ficamos. Aprendi um pouco com a minha tia e tudo que sei devo a essa tia minha. Não sei se está viva, porque faz muitos anos que não sei dela, uma irmã do meu pai. Nós somos dez irmãos e eu era a mais velha dos irmãos.

 

Pergunta: Sempre trabalhou na roça?

 

Resposta:

Sempre. Deixei de trabalhar na roça depois que eu casei.

 

Pergunta: E a senhora casou com gente da roça?

 

Resposta:

Sim.

           

Pergunta: Como a senhora veio para cá?

 

Resposta:

Meu marido já tinha vindo para São Paulo e ele falou que não ia ficar a vida inteira cortando lenha, porque ele trabalhava na roça e o tempo que ele tinha, cortava a lenha. Tinha um ribeirão para passar, mas, quando enchia, passavam pela pinguela, com água pela cintura. A gente começou a ficar com medo daquilo, vendemos tudo que tínhamos e os pais dele já estavam em São Paulo, aí ele comprou um terreninho e fomos embora para São Paulo.

 

Pergunta: A senhora veio casada?

 

Resposta:

Sim. Vim com um menino de um ano e oito meses e minha filha veio na barriga. Quando cheguei aqui, depois de dois meses, ela nasceu.

 

Pergunta: Quando a senhora era criança na roça, não teve escola. O que se fazia lá? Como era?

 

Resposta:

Plantava arroz, feijão, algodão.

 

Pergunta: As crianças participavam?

 

Resposta:

Todas participavam. Criança com 6 anos já ia na roça apanhar algodão. E com 6 anos, minhas irmãs já iam pegar algodão.

 

Pergunta: Com que idade a senhora começou a trabalhar na roça?

 

Resposta:

Eu tinha uns 10 anos.

 

Pergunta: E passava o dia inteiro?

 

Resposta:

Não ficava o dia inteiro. Eu ia levar o almoço e, quando eram umas quatro horas, meu pai mandava ir embora para ajudar minha mãe. Aí meu irmão ficava.

 

Pergunta: A senhora aprendeu a ler?

 

Resposta:

Aprendi com a minha tia, graças a Deus.

 

Pergunta: Aprendeu a ler na roça?

 

Resposta:

Sim. Ela veio morar perto de nós e meu pai pediu e ela ensinou.

 

Pergunta: Ensinou a todos ou só à senhora?

 

Resposta:

Ela quis ensinar as outras, mas elas não quiseram.

 

Pergunta: E quando a senhora veio para São Caetano, com um filho pequeno e outro para nascer, como foi essa mudança da roça para a cidade grande?

 

Resposta:

Eu estranhei muito porque lá no interior a gente não usava nada, porque lá era quente, chegamos aqui e estava frio, então a gente teve de comprar roupa, fazer, arrumar. Foi um sofrimento, mas a gente venceu.

 

Pergunta: A senhora se lembra em que ano foi?

 

Resposta:

Foi em 1948, no mês de setembro. Era frio nessa época; aquela garoa à tarde.

 

Pergunta: E a senhora veio para São Paulo ou direto para São Caetano?

 

Resposta:

Para São Caetano.

 

Pergunta: Em que lugar?

 

Resposta:

Onde estou até hoje, aqui na Nova Gerti, na Rua Nélio Pelegrini. Antes, como não tinha nome direito, colocaram Rua 10 e a rua de baixo, hoje é Augusto Ferreirinha, era a Rua 9.

 

Pergunta: As ruas não tinham nomes. Havia muitas casas?

 

Resposta:

Eram poucas casas. Até em frente à minha casa era uma chácara, mais para baixo, onde é a Igreja Nossa Senhora das Graças, era um mato só.

 

Pergunta: E as poucas pessoas que moravam ali faziam o quê?

 

Resposta:

Trabalhavam nas firmas. Tinha firma em São Caetano, a Matarazzo, outros trabalhavam na Alpargatas. Eram todos amigos. À noite, quando a gente ia dormir, nem trancávamos as portas. Era só uma tranquinha. Meu marido trabalhava à noite e eu dormia com os dois pequenos e nunca teve nada. Todo mundo criava galinha, era amigo. Era assim.

 

Pergunta: Tinha alguma festa especial que seus amigos faziam?

 

Resposta:

Não. Mas sempre tinha circo, parque e movimentava ali.

 

Pergunta: E as ruas, como eram?

 

Resposta:

Era só terra, tudo terra.

 

Pergunta: E para se locomover, ir de um lugar para outro?

 

Resposta:

Era só a pé. Tinha uma padaria na esquina da Rua 5, a Padaria Tubarão, onde a gente comprava pão. E o mercado que tinha era aquele Joanin, da Visconde. Era mercado, comprava material de construção. O velho Joanin naquela época era novo e ele trabalhava assim, com a esposa dele. A gente ia fazer despesa lá, comprar as coisas lá.

 

Pergunta: E como se fazia despesa, pagava em dinheiro?

 

Resposta:

A gente comprava e pagava. Depois, onde é o posto hoje, numa vendinha, o dono até já morreu, ele se chamava Júlio e ela Carmela, ela deve estar viva ainda, a gente passou a comprar naquela vendinha deles e a gente pagava uma despesa e fazia outra. Aí a gente já estava conhecido, ele ia levar a despesa na nossa casa.

 

Pergunta: Entregava a despesa?

 

Resposta:

Sim.

 

Pergunta: Se não havia tantos carros, como era a entrega?

 

Resposta:

Era na carroça. A gente, para ir para São Caetano, no começo tinha três ônibus e depois colocaram mais dois. A gente ia a pé, ia e voltava.

 

Pergunta: A senhora teve dois filhos?

 

Resposta:

Três. Dois eu criei e um Deus tirou para ele.

 

Pergunta: Como foi trabalhar? A senhora trabalhou na Matarazzo. Como a senhora resolveu a situação com as crianças?

 

Resposta:

Minha irmã ficou em casa comigo sempre. Depois ela começou a querer passear muito e a gente não podia deixar, porque meus pais eram muito rígidos, aí meu marido falou para eu ficar em casa, cuidar dos filhos e ele ia fazer hora extra. Até hoje falo para meus filhos que meu marido morava dentro da firma. Ele entrava seis horas da manhã e saía dez horas da noite. Eu fiquei com meus dois filhos em casa. Depois o meu pequeno faleceu.

 

Pergunta: E como era esse trabalho que a senhora realizava?

 

Resposta:

Tinha aquelas bobinas e eu trabalhava numa seção chamada revestimento. Então, tinha de revestir todas aquelas bobinas. Daquelas que vinham com seda tinha de tirar a seda, limpar, tinha de passar na prensa. Era gostoso trabalhar. Era limpinho.

 

Pergunta: Era um trabalho pesado?

 

Resposta:

Não era pesado, porque era só pegar a linha e limpar. O mais pesado era quando enchia o carrinho para levar embora. Mas aí tinha os homens que vinham buscar para levar para a seção. Eles levavam.

 

Pergunta: Como que a senhora conseguiu emprego na Matarazzo?

 

Resposta:

Naquele tempo você chegava lá e não precisava mais nada. Você entrava na fila, eles olhavam seus documentos e já mandavam entrar, ali você já fazia uma ficha, marcavam hora para tirar chapa do pulmão. Aqui em São Caetano não tinha, então tinha um senhor que colocava a gente num ônibus e levava a gente para São Paulo, na Rua das Figueiras. Hoje se for perguntar onde é eu não sei, mas ele levava a gente lá. Pegava uns 10, 12 e levava. Lá a gente tirava a chapa, falavam para aguardar o resultado e ir dois dias depois na firma. Fui na firma, acabei de completar a ficha e fui trabalhar. Trabalhava das seis às duas e das duas às dez.

 

Pergunta: Nesse período, a sua irmã ficava com as crianças. Por quanto tempo a senhora ficou trabalhando?

 

Resposta:

Trabalhei dois anos.

 

Pergunta: Foi o único emprego da senhora?

 

Resposta:

Foi o único emprego, mas fui costurando também. Costurei 18 anos no Brás, numa casa portuguesa.

 

Pergunta: Como era isso? A senhora ia ao Brás?

 

Resposta:

Eu ia lá buscar, às vezes eles traziam em casa. Fazia na máquina e fazia aquele bordado ponto-ajur a mão. Eram bordados da Ilha da Madeira.

 

Pergunta: A senhora aprendeu com quem esse bordado?

 

Resposta:

Eu não fazia o bordado, fazia só o contorno.

 

Pergunta: Como a senhora aprendeu os pontos?

 

Resposta:

Aprendi em casa, porque a gente fazia nos guardanapos. Tinha de fechar a fronha inteira.

 

Pergunta: E como era o pagamento dessa costura toda que a senhora fazia?

 

Resposta:

A gente ia entregar e receber. Se não recebia, juntava um dinheiro a mais na próxima vez.

 

Pergunta: E não tinha inflação?

 

Resposta:

Não lembro.

 

Pergunta: A senhora passou aquele período em que a inflação atrapalhou a vida das pessoas?

 

Resposta:

Não.

 

Pergunta: O dinheiro hoje valia uma coisa e amanhã já era outra?

 

Resposta:
Naquela época era muito bom. Hoje em dia é problema. Chega no fim do mês e está todo mundo duro.

 

Pergunta: A senhora costurava para o Brás. A senhora lembra quanto pagavam? Dava para fazer o quê?

 

Resposta:

Eles pagavam, naquela época que peguei, era dez reais o par de fronhas.

 

Pergunta: A senhora trabalhava só com fronhas?

 

Resposta:

E quando era lençol, tinha de costurar o lençol na máquina.

 

Pergunta: E essa casa para a qual a senhora trabalhou, que era no Brás, como se chamava?

 

Resposta:

Era Casa Terpes.

 

Pergunta: Existe ainda?

 

Resposta:

Não sei. Faz muitos anos que não vou lá. Depois que nasceu a minha neta eu larguei de costurar e fiquei só em casa ajudando, porque minha nora trabalhava.

 

Pergunta: E no período da ditadura militar, a senhora sentiu carência, falta de algumas coisas?

 

Resposta:

A gente sentiu medo.

 

Pergunta: O que aconteceu?

 

Resposta:

O pessoal vinha com armas. Muita coisa eu não entendo direito.

 

Pergunta: Como era trabalhar na Matarazzo? A senhora vinha para casa fazer o almoço?

 

Resposta:

A gente levava marmita. Tinha um refeitório e a gente levava marmita. A gente saía cinco horas de casa e a pé. Às vezes dava certo do meu marido também estar naquele horário e a gente ia. Eu juntava muita gente, tinha aquela turminha e ia embora junto.

 

Pergunta: A senhora tinha registro em carteira?

 

Resposta:

Na Matarazzo sim.

 

Pergunta: E tinha fundo de garantia?

 

Resposta:

Não tinha nada. Lembro que o último ano que trabalhei, eles deram os abonos.

 

Pergunta: Qual foi o último ano que a senhora trabalhou?

 

Resposta:

Não estou lembrada.

 

Pergunta: E quando a senhora acabou o serviço lá, a senhora recebeu algum prêmio?

 

Resposta:

Não, porque eu pedi a conta. Quando pedia a conta não recebia nada. Naquela época não tinha fundo de garantia.

 

Pergunta: Como era a relação patrão e empregado, na Matarazzo?

 

Resposta:

As mestras eram muito boas. Lembro que tinha uma mestra que se chamava Amélia, uma morena muito bonita e educada com a gente. E tinha uma que se chamava Alzira, uma magrinha.

 

Pergunta: Tinha de cumprir produção?

 

Resposta:

Onde eu trabalhava não tinha esse negócio de produção. Agora, lá nas outras partes tinha. Para mim não. A gente dava conta direitinho do serviço. Nós trabalhávamos em 15 mulheres. Não tinha homem. Só tinha um homem na prensa, que ficava lá.

 

Pergunta: No Brás, a senhora foi registrada?

 

Resposta:

Não.

 

Pergunta: A senhora trabalhava por empreitada?

 

Resposta:

Sim.

 

Pergunta: E esse ponto-ajur, como ele é feito?

 

Resposta:

Você desfia dois fios de pano, depois encosta outro, alinhava. Se você tem prática não precisa, mas se não tem, tem de alinhavar. A senhora pega o de baixo e o de cima e fica muito bonito.

 

Pergunta: E precisa ser todo tecido? Dá para fazer esse arremate ou só em alguns?

 

Resposta:

Dá. Dá para fazer certinho. Dá o fundo da fronha, a fronha para pregar o fundo.

 

Pergunta: E fale um pouco do INSS naquela época.

 

Pergunta: O INSS naquela época... Sabe a Rua Gonzaga, que entra na Amazonas? Logo que entrava na Amazonas tinha uma parada de ônibus. O INSS ali se chamava Sanduti. Não era INSS depois que foi mudando para baixo. O pronto-socorro, onde era o Depósito Santa Tereza, o pronto-socorro era ali naquele prédio. Hoje que fizeram tudo diferente.

 

Pergunta: E perto da sua casa, existia escola, farmácia, hospital?

 

Resposta:

Não existia. A farmácia era lá no Joanin.

 

Pergunta: E escolas?

 

Resposta:

Era na Vila Paula.

 

Pergunta: Como eles iam para a escola?

 

Resposta:

A pé.

 

Pergunta: E o que a senhora e o seu marido ganhavam dava para as despesas da casa e guardar algum valor?

 

Resposta:

Dava para as despesas. Ele economizava, fazia hora extra, comprava material. Nós fizemos três cômodos, que ficaram sem rebocar. Ele comprava material para rebocar devagar.

 

Pergunta: E quando vocês mudaram para São Caetano o terreno já era de vocês?

 

Resposta:

Já tinha comprado.

 

Pergunta: Já estava pago?

 

Resposta:

Já. Nós pagamos trezentos em quatro de prestação.

 

Pergunta: Por quanto tempo?

 

Resposta:

Acho que foram uns dois anos. Foi mais. Foi em 1959 que meu marido fez a escritura.

 

Pergunta: Era um loteamento?

 

Resposta:

Era dos Leandrini. Era o Zé Leandrini que tomava conta. Até o escritório era onde é a garagem dos ônibus Ulipe. Era uma casa velha e imunda.

 

Pergunta: A senhora viveu algum período em que houve racionamento de comida?

 

Resposta:

De açúcar.

 

Pergunta: A senhora se lembra como foi?

 

Resposta:

Não lembro quando, mas que teve, teve. A gente ia ao Joanin comprar dois quilos de uma coisa e dava dois quilos de açúcar. E na venda que a gente fazia despesa, eles davam um pacote de cinco quilos. Ele até falava: Não vai falar para ninguém. Foi duro.

 

Pergunta: A senhora tinha quantos anos?

 

Resposta:

Acho que tinha uns 28, 30 anos. Não lembro.

 

Pergunta: A senhora casou com quantos anos?

 

Resposta:

Com 18 anos e meio.

 

Pergunta: E como era a vida doméstica? Quando a senhora ficava em casa, como era a alimentação básica da sua família?

 

Resposta:

Era arroz, feijão, verdura. Carne era uma vez por semana, ovo sempre. Era assim. A gente tinha uma parede de chuchu e o pessoal pedia chuchu.

 

Pergunta: Os vizinhos?

 

Resposta:

Dava para os vizinhos. A gente era muito amigo.

 

Pergunta: E os vizinhos traziam alguma coisa?

 

Resposta:

Traziam couve. A gente trocava couve por chuchu. Foi gostoso. Os quintais eram todos abertos e tinha uma liberdade danada. Aí, quando vão construindo, o pessoal vai fechando.

 

Pergunta: Quando vocês mudaram, havia luz elétrica ou água encanada?

 

Resposta:

Era poço. Luz elétrica mesmo veio em 1951.

 

Pergunta: E água para beber e tomar banho?

 

Resposta:

Era poço. Tenho o poço até hoje na minha casa. Pouca gente sabe, mas está na lavanderia.

 

Pergunta: A senhora tem alguma crença religiosa?

 

Resposta:

Sou católica. Todo domingo vou à missa.

 

Pergunta: Voltando um pouco na alimentação, o que era muito difícil, além de carne, de comer nessa época, que era muito caro?

 

Resposta:

Era peixe, porque peixe era só quando tinha feira.

 

Pergunta: E a feira era quando?

 

Resposta:

Era só de sábado. Era aqui na Rua Ferreirinha. Depois de muito tempo passou a ser na rua da minha casa, porque arrumaram a rua e mudou. Depois de um tempo voltou para baixo.

 

Pergunta: Quando as crianças ficavam doentes, a senhora acreditava, ou recorria a benzedeiras, a remédios caseiros?

 

Resposta:

Não. Sempre levava na farmácia. Às vezes levava para benzer. Minha menina ficava com o bucho virado.

 

Pergunta: O que é isso?

 

Resposta:

Diz que a criança cai e vira. Minha menina sempre vomitava. Um dia, fui à farmácia do seu Abrão e ele falou que ela tinha bucho virado. Eu fui até a benzedeira e a mulher pegou a menina, pegou na barriga, empurrou a barriga dela, pediu para eu ajudar, porque ela era bem gordinha, levou na porta, virou de cabeça para baixo e bateu o pé dela na porta. Eu pensava se ia dar certo. E ela ficou boa. Já pensou? Depois voltei na farmácia e a dona perguntou se tinha benzido a menina. Ela falou que tinha acontecido com o filho dela. Ela fez a mesma coisa. Ela tomava remédio e não melhorava. Tudo que engolia, ela vomitava.

 

Pergunta: Tem mais alguma simpatia que a senhora conhece?

 

Resposta:

Só essa.

 

Pergunta: A senhora ouvia rádio?

 

Resposta:

Quando veio a força, sim. Meu marido não desligava o rádio.

 

Pergunta: A senhora ouvia?

 

Resposta:

Sim. Era novela, era música, música caipira.

 

Pergunta: Que novelas a senhora assistia?

 

Resposta:

Naquela época era na Rádio São Paulo, mas não lembro mais.

 

Pergunta: Direito de Nascer?

 

Resposta:

Não lembro se teve essa na Rádio São Paulo, mas teve novelas muito bonitas. Tinha o Valdemar Nunes, uma que está no programa do Sílvio Santos, uma magrinha. Eram novelas muito bacanas.

 

Pergunta: E existia o hábito de ler jornal ou o rádio era o meio de informação?

 

Resposta:

Tinha um livro que eu gostava de ler, O Livro dos Sonhos. Quando vinha jornal eu pegava e lia. Teve uma vez que meu filho assinou um jornal e eu lia. Quando o jornaleiro jogava o jornal, eu era a primeira a pegar e ler.

 

Pergunta: E quando chegou a televisão, como se fazia para ver televisão?

 

Resposta:

Foi normal.

 

Pergunta: A senhora tinha televisão?

 

Resposta:

Não. Aí comprou e foi normal.

 

Pergunta: Quando a senhora costurava em casa, a senhora ficava com seus filhos em casa?

 

Resposta:

Eles ficavam brincando no quintal.

 

Pergunta: E quando a senhora ia levar as costuras?

 

Resposta:

Eu ia quando meu marido estava em casa. De manhã, quando ele estava de folga.

 

Pergunta: Ele trabalhava onde?

 

Resposta:

Ele trabalhava numa metalúrgica. Até a metalúrgica, acho que já falei, era onde é o Carrefour. Era uma metalúrgica grande.

 

Pergunta: Da época que a senhora veio para São Caetano até hoje, a senhora viu muitas mudanças na cidade. Fale um pouco disso.

 

Resposta:

Ali na estação tinha uma cerca de arame e ali eram os pontos de ônibus. Tinha a Pernambucanas, que era um pouco para cima da estação.

 

Pergunta: A senhora comprava lá?

 

Resposta:

Sempre. Era onde era mais barato.

 

Pergunta: E tinha de pagar em dinheiro?

 

Resposta:

Era em dinheiro.

 

Pergunta: E dava?

 

Resposta:

Dava.

 

Pergunta: A senhora tinha lazer, divertimento?

 

Resposta:

A gente saía para São Caetano, depois começaram a fazer o jardim de São Caetano e a gente ia com as crianças.

 

Pergunta: E ia como?

 

Resposta:

A pé.

 

Pergunta: Tinha charrete de aluguel?

 

Resposta:

Tinha sim.

 

Pergunta: O que mais a senhora se lembra de lojas?

 

Resposta:

Onde é Casas Bahia tinha uma loja do seu Alberto e da dona Marli, que vendia roupas. A loja Santo Antônio, e fizeram uma lojinha e eu falava Lojinha do Paulo. Depois o seu Abrão fez a farmácia e foi aumentando.

 

Pergunta: Era comum fazer festas de aniversário para os filhos?

 

Resposta:

A gente fazia um bolinho, cantava parabéns.

 

Pergunta: E Natal?

 

Resposta:

Natal era sagrado. Sempre foi.

 

Pergunta: E os seus pais vieram visitá-la?

 

Resposta:

Vieram, mas voltaram para trás. Hoje não tenho mais nem pai nem mãe.

 

Pergunta: E a sua mãe vinha com freqüência ver os netos?

 

Resposta:

Não. Minha mãe era muito doente. Ela não podia sair que dava uma dor de cabeça nela que ela não agüentava. Então, ela quase não saía. E aqui ela veio e morou por dois anos em São Paulo, mas depois meu pai decidiu voltar para o interior. Depois voltou outra vez e morreram os dois em São Paulo. Morreram com meu irmão.

 

Pergunta: A senhora teve os filhos em casa?

 

Resposta:

Em casa, tudo em casa.

 

Pergunta: E quem fazia os partos?

 

Resposta:

No interior era uma parteira que trabalhava com o Dr. Floriano.

 

Pergunta: No primeiro filho. E o segundo?

 

Resposta:

Era uma senhora chamada dona Marília. Os dois que tive em casa foi ela.

 

Pergunta: E vocês a chamavam?

 

Resposta:

Ela morava na (Rua) Visconde.

 

Pergunta: E dava tempo de chamar?

 

Resposta:

Era tranqüilo.

 

Pergunta: E ela cobrava por isso?

 

Resposta:

Eram dez cruzeiros naquela época. Ela vinha, dava banho na criança dois dias e a gente não ficava só naquilo.

 

Pergunta: Quando a senhora teve seu primeiro filho, a senhora morava na cidade com seu marido?

 

Resposta:

No interior.

 

Pergunta: E aqui em São Caetano, como a senhora cuidava das crianças?

 

Resposta:

Tinha a minha sogra que morava aqui. Então, ela não era bem minha sogra, era madrasta do meu marido, porque a minha sogra mesmo já tinha falecido.

 

Pergunta: A senhora chegou a freqüentar cinema com seu marido?

 

Resposta:

Com ele não, mas com as crianças sim. Com ele eu fui uma vez só. Ele não gostava. O cinema era onde é a Bem Ur, onde é o bingo na (Rua) Visconde.

 

Pergunta: A senhora se lembra do nome?

 

Resposta:

Não lembro. E aqui, vizinho da minha casa, onde é a Igreja Universal, foi feito um cinema que ficou muito tempo. Quando era quinta-feira, as mulheres não pagavam.

 

Pergunta: Tinha que ir com roupa especial?

 

Resposta:

Não. Era com roupa esporte.

 

Pergunta: E os homens iam como?

 

Resposta:

Também esporte.

 

Pergunta: Usava-se chapéu?

 

Resposta:

Sim. Meu marido usou muito tempo, mas nem usa mais agora.

 

Pergunta: Qual era a sua roupa preferida?

 

Resposta:

Gostava de azul-claro.

 

Pergunta: E quando a senhora veio para cá, usava calça comprida?

 

Resposta:

Não.

 

Pergunta: Por quê?

 

Resposta:

Porque ninguém quase usava. A mulherada não usava. Era muito difícil ver uma mulher de calça comprida. Às vezes usava calça de pijama por baixo, mas saia por cima.

 

Pergunta: O que a senhora via no cinema?

 

Resposta:

Era matinê. Levava as crianças. A gente assistia e dava risada.

 

Pergunta: A sua avó era escrava. Lembra um pouco a trajetória da sua família.

 

Resposta:

Minha avó fala que não chamava o pai de pai, mas de nhô. A minha bisavó era uma pretinha muito bonita e o nhô levou ela para dentro de casa para trabalhar. Ele levava as meninas para lá e lá aproveitava. E minha bisavó teve minha avó. E quando acabou a escravidão, ele adotou todos os filhos e deu um lote para todas as filhas. O que a minha avó tinha era um lote.

 

Pergunta: Isso foi lá em Tupã?

 

Resposta:

Não. Era num lugar que chamava São Pedro dos Morrinhos, Barro Vermelho. Eu não conheci o lugar. Diz que ele tinha fazendas e ele dividiu e deu um pedaço para cada um. Quem quis vender, comprou outras coisas. Quando a minha avó casou, ela quis a parte dela e meu avô comprou um lote perto de São Simão e conforme ele foi trabalhando, foi comprando outro pedacinho. Criava gado, fazia queijo, tinha carro de boi.

 

Pergunta: Daí os olhos verdes de alguns filhos?

 

Resposta:

Dos meus filhos. A minha avó falava que tinha uma geração, que era a terceira geração. Aí nasceram meus filhos com os olhos verdes.

 

Pergunta: Os dois?

 

Resposta:

Os três, porque um foi embora. Era esverdeado.

 

Pergunta: Com o que seu marido ganhava nessa época deu para crescer economicamente. Vocês compraram carro?

 

Resposta:

Nessa época a gente não comprou carro. O carro foi comprado agora, pelos meus netos. Meu filho teve carro, mas nós não tivemos carro. Meu marido, nem carta ele tinha.

 

Pergunta: E o que ele tinha era para a casa?

 

Resposta:

Na casa. Começamos com dois cômodos e meu marido foi fazendo e hoje a casa tem cinco cômodos. Minha filha mora junto comigo em casa.

 

Pergunta: E ele fez sozinho ou com ajuda?

 

Resposta:

Fez com os amigos. Um vai ajudando, depois quando precisa vinha mais. Era assim que a turma trabalhava. Quando um ia fazer, o outro ajudava e assim ia.

 

Pergunta: A senhora costurou até quando?

 

Resposta:

Até quando minha neta tinha dois aninhos, porque minha nora foi trabalhar e eu larguei porque estava muito cansada, dava dor nas costas.

 

Pergunta: E a costura era uma forma de rendimento para a família?

 

Resposta:

Era para mim. Eu comprava roupa de cama, tudo assim. Comprei o enxoval da minha filha lá e tinha uma diferença.

 

Pergunta: E seu marido trabalhava numa metalúrgica. E a época das greves?

 

Resposta:

Ele ia trabalhar e voltava. Quando não podia entrar, ele voltava. O sindicato não deixava entrar. Por ele, às vezes entrava. Mas quando o sindicato não deixava, ele voltava para casa.

 

Pergunta: E ele participava?

 

Resposta:

Era difícil, mas o pagamento dele vinha, porque não era por vontade dele.

 

Pergunta: Seu marido nunca se envolveu nas greves?

 

Resposta:
Graças a Deus, não. Ele falava, já que eu não posso trabalhar, vou trabalhar na casa.

 

Pergunta: A senhora chegou a se aposentar?

 

Resposta:

Não sou aposentada. Agora estou indo atrás para ver se consigo.

 

Pergunta: Uma alegria grande nessa trajetória de vida da senhora, qual foi?

 

Resposta:

Quando nasceram os netos. Meus filhos não estudaram. O rapaz até estudou um pouco, mas a menina só pegou o diploma.

 

Pergunta: Qual diploma?

 

Resposta:

Da escola. Ela não estudou mais.

 

Pergunta: E seu filho?

 

Resposta:

Ele fez o colegial.

 

Pergunta: E hoje eles estão bem?

 

Resposta:

O menino não está bem porque está com um problema.

 

Pergunta: A maior alegria da senhora qual foi?

 

Resposta:

Os filhos e os netos. Eles estão ganhando o dinheirinho deles.

 

Pergunta: A senhora acha a vida mais fácil ou mais difícil do que quando a senhora veio para cá?

 

Resposta:

Hoje está mais difícil. As coisas estão mais fáceis, mas ganhar a vida está mais difícil.

 

Pergunta: Por que está mais difícil?

 

Resposta:

Quando um filho sai, você fica pensando nesse negócio de drogas. Meus filhos e meus netos, o homem fuma, mas o resto não. Tenho uma neta professora e o irmão dela é guarda municipal.

 

Pergunta: Quando a senhora veio morar aqui, era tudo descampado, era bosque, árvores, vocês não trancavam a porta. A senhora tem a lembrança do período em que foi necessário começar a trancar a porta?

 

Resposta:

Porque a turma falava que tinham escapado alguns presos da cadeia.

 

Pergunta: Tinha cadeia lá perto?

 

Resposta:

Tinha, mas não foi aqui, foi em São Paulo. Falavam que escaparam uns presos e eles vinham para o mato. A gente fez uma cerca na frente e todo mundo começou a fechar o quintal e aí já tranca na porta era certo.

 

Pergunta: As suas crianças já eram grandes?

 

Resposta:

Elas já iam para a escola.

 

Pergunta: Como não havia luz, a senhora tinha receio?

 

Resposta:

A gente tinha medo de pessoas. Mas a gente tinha o lampião a querosene.

 

Pergunta: Era caro?

 

Resposta:

Não lembro mais.

 

Pergunta: Mas gastava muito?

 

Resposta:

Não. Na sala era um e na cozinha era outro. A gente dormia cedo. Quando era oito e meia, nove horas, estava todo mundo dormindo, porque levantávamos cedo.

 

Pergunta: Acordava quando clareava?

 

Resposta:

Sim.

 

Pergunta: O fogão era a lenha?

 

Resposta:

Era a carvão.

 

Pergunta: Quem vendia o carvão?

 

Resposta:

Era o carvoeiro que passava na rua. Ele passava gritando. Ele sabia quem comprava e parava nas casas.

 

Pergunta: Comprava como?

 

Resposta:

Por saco.

 

Pergunta: Como era o saco de carvão?

 

Resposta:

Era saco de estopa.

 

Pergunta: E quando veio o fogão a gás, a senhora sentiu a diferença?

 

Resposta:

Sim. As panelas não ficavam pretas.

 

Pergunta: E o gosto da comida?

 

Resposta:

A gente sentiu a diferença. O carvão fazia a comida mais gostosa, porque depois o fogão ficava com a chapa quente, que demorava a esfriar, então as panelas ficavam ali e quem vinha comer, sempre estava quente. No fogão a gás não, você desligou, passou e está frio.

 

Pergunta: Tinha mais alguma coisa que era vendida na rua?

 

Resposta:

O verdureiro, frutas, peixe, sorveteiro, carrinho de pipoca.

 

Pergunta: A senhora pode falar mais do circo?

 

Resposta:

Teve um circo na frente da minha casa, onde é aquele estacionamento. Vinha muita gente. Era um divertimento. Meu marido gostava também.

 

Pergunta: Veio muitas vezes?

 

Resposta:

Veio uma vez só.

 

Pergunta: E a senhora assava bolos em casa, no fogão a lenha?

 

Resposta:

Assava na assadeira, na espiriteira.

 

Pergunta: Ficava bom?

 

Resposta:

Sim. Era a ar.

 

Pergunta: E não murchava o bolo?

 

Resposta:

Você colocava a quantia de ar certa, tampava e assava. Eu fazia pão e assava na caçarola.

 

Pergunta: Qual prato que é a sua especialidade que a senhora faz muito bem?

 

Resposta:

Na minha casa, de domingo, se não tiver macarrão, não tem domingo.

 

Pergunta: E quando a senhora veio para cá, no começo da vida de casada, qual era o prato mais feito em casa?

 

Resposta:

Meu marido gostava muito de frango. Naquela época não tinha frango branco e depois começou a chegar. Era frango caipira. Meu marido adorava arroz, feijão e frango caipira com polenta. Ele adorava. Isso é desde o interior.

 

Pergunta: E quem matava o frango?

 

Resposta:

Eu.

 

Pergunta: Como?

 

Resposta:

Destroncado. Pega o pé dele e puxa o pescoço.

 

Pergunta: Agora a senhora compra o frango?

 

Resposta:

Compro, mas não é gostoso. Experimenta comprar um frango caipira e um frango normal.

 

Pergunta: Os vizinhos eram amigos?

 

Resposta:

Eram amigos. Agora muitos mudaram para o interior, para o Paraná.

 

Pergunta: Alguns permaneceram?

 

Resposta:

Sim, mas alguns foram vendendo. Hoje em dia eu tenho uma vizinha daquele tempo. Os pais vão falecendo e os filhos vendem.

 

Pergunta: Como é a conversa com essa vizinha? Lembramos tempos?

 

Resposta:

Às vezes a gente conversa, lembrando como era bom. Ela se chama dona Neide. A gente conversa e lembra. Ela tinha banca de feira. Ela está bem acabadinha.

 

Pergunta: E vocês lembram de quê? Qual a época que vocês mais lembram nessas conversas?

 

Resposta:

Do nosso tempo de mocinhas, do tempo que os filhos eram pequenos, da nossa dificuldade. Quando a gente começa a conversar vai saindo.

 

Pergunta: Qual era a dificuldade maior, hoje, que a senhora vê daquele período para cá? Qual foi a dificuldade maior?

 

Resposta:

A dificuldade maior foi que lá no interior a gente tinha tudo, arroz, feijão, milho. A dificuldade maior era o dia que pensava em fazer despesa. Acabavam as coisas em casa e tinha de fazer despesa. Isso que achava que era difícil.

 

Pergunta: Pela distância ou porque o dinheiro era pouco?

 

Resposta:

Porque o dinheiro era pouco. Tinha de contar certinho para pagar.

 

Pergunta: A senhora não passou necessidade?

 

Resposta:

Não, graças a Deus. Até hoje nunca faltou nada em casa. Depois que a gente foi comprar na venda do seu Júlio, ele que falou para a gente pagar uma despesa e fazer a outra. A gente fazia isso. Se faltasse alguma coisa, a gente ia pegar lá. Lembro que a gente pagava em prestação e meu marido nunca ficou um mês sem pagar uma prestação.

 

Pergunta: E para comprar os móveis da casa?

 

Resposta:

O que a gente tinha no interior a gente trouxe. Era época que embarcava tudo para cá.

 

Pergunta: A senhora gostaria de falar alguma coisa, algumas palavras boas da sua vida, que sejam marcantes, para deixar registrado?

 

Resposta:

A coisa mais marcante da minha vida, o que já sofri com meu marido, nós dois, a única coisa que Deus nos abençoou, eu e ele, há 59 anos estamos casados. Agora, no mês de novembro, dia 14 de novembro, nós fazemos 60 anos de casados. Nós casamos em 1945. É uma alegria, uma vida. Seis anos atrás ele ficou doente e precisou fazer uma cirurgia delicada. Eu sofri. Ao mesmo tempo em que estava na minha casa, eu já me trocava e chamava o ônibus e ia para São Paulo. Ele foi operado e ficou tudo bem. Com a graça de Deus, ele ficou curado. Ele fez agora 83 anos.  



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