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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Cleonísio Vicente Perazzo

  • Nome: Cleonísio Vicente Perazzo
  • Gênero: Masculino
  • Data de Nascimento: 30/05/1936
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: Santo André (SP)
  • Profissão: Professore e gerente de empresa

Biografia

Cleonísio Vicente Perazzo nasceu e viveu toda a vida em Santo André. Estudou no 1º Grupo Escolar. Foi professore de inglês no Colégio Estadual Dr. Amérco Brasiliense. Trabalhou na área de recursos humanos na Phillips do Brasil, sediada no bairro da Capuava em Santo André. Casou-se com Maria Amélia Ferreira Perazzo em 196, teve 3 filhos.



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Transcrição do Depoimento de CLeonísio Vicente Perazzo em 08/07/2003

Depoimento de Cleonisio Vicente Perazzo, 67 anos.

Universidade de São Caetano do Sul, 8 de julho de 2003.

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC 

Entrevistadores: Vilma Lemos e Vanessa Guimarães de Macedo.

Transcritores Meyri Pincerato; Marisa Pincertato, Márcio Pincerato

Pergunta:

Qual o local de nascimento?

Resposta:

Eu nasci em 30 de maio de 1936, em Santo André, na Rua Santo André. Naquela época não tinha hospitais, então, era um trabalho feito pelas parteiras. Eu nasci em casa, se não me engano foi um parto normal e como diz minha mãe eu nasci pagando as contas, porque era dia trinta, e nasci às cinco e meia da tarde, na hora que o trem apitava que trazia o pessoal de São Paulo, era da São Paulo Railway.

Pergunta:

Esse trem trazia trabalhadores?

Resposta:

Trazia o pessoal que trabalhava em São Paulo. Meu pai trabalhava em São Paulo, porque ele era modelista de calçados. Ele sempre foi desenhista. Depois ele foi rádio-técnico. Ele exercia essas duas profissões. Ele foi modelista do grupo de cinema, que na época era uma firma de fazer sapatos ali perto do Brás, onde se pegava o trem.

Pergunta:

Ele relatava sobre a linha do trem? Como era o trem?

Resposta:

Se ele relatava, eu não tenho lembrança, porque eu era moleque pequeno. Não posso falar, porque não tenho lembrança.

Pergunta:

Como era o relacionamento com os pais?

Resposta:

Sempre foi bom. Meus pais sempre foram unidos. Minha mãe era uma cozinheira de mão cheia, hoje infelizmente ela está internada numa clínica de mal de Alzheimer. Era um relacionamento normal.

Pergunta:

Havia conversa, diálogo?

Resposta:

Havia,  também havia brigas, discussões, tudo no bom sentido.

Pergunta:

E brincadeiras de infância, lazer?

Resposta:

Sobre brincadeiras de infância, como eu já falei, quando nasci, eu morava na rua Santo André e meu pai trabalhava em São Paulo, depois ele começou a trabalhar na Rhodia secundária, a antiga Valisère. O logo do Pão de Açúcar era de autoria do meu pai. Esse logo nem existe mais. Meu pai sempre foi apaixonado por cinema e nessa época nós mudamos, ele encontrou um amigo dele que tinha um tipo de autorização do governo para abrir uma rádio, essa rádio era para ser aberta em Tupã e naquela época a estrada de ferro era a Paulista e chegava só até Tupã. Então nós mudamos para Tupã. Ele vendeu tudo que tinha aqui, foi uma aventura danada. Chegando lá, como ele sempre foi uma pessoa louca por cinema, verificou que estava à venda o cinema de Oswaldo Cruz, que era uma cidade bem além de Tupã, mas ele não teve dúvida, fez os negócios dele, que eu não lembro porque era moleque, tinha seis ou sete anos, só tinha uma irmã naquela época e hoje somos três, tenho um irmão que faleceu, e ele abriu o cinema. Ele levou o operador, que hoje se chama projetista, mas na época era operador, levou daqui. Oswaldo Cruz, quando chegamos, se chamava Califórnia e tinha dois ou três bancos naquela oportunidade. Na cidade só tinha duas casas de alvenaria, a do padre e a nossa, o resto era tudo madeira. Era um areião danado que queimava e afundava os pés, mas fomos tocando. E quando estava em Santo André, como dizia ele, a gente tomava água da biquinha, uma biquinha que não existe mais em Santo André, eu não guardo nome de ruas, mas hoje tem um estacionamento fechado. Depois de dois anos e pouco nós voltamos para Santo André outra vez.. Nessa oportunidade eu me diverti muito, por lá ser interior, ia roubar mamão nos arrozais para comer, para fazer suco. Foi uma boa oportunidade e não queria voltar, mas acabamos voltando para Santo André. Quando voltamos, meu pai abriu uma loja de rádios, em frente ao Cine Santo André, que não existe mais. Hoje seria ali na Rua Coronel Pedro Fláquer, não na Perimetral, porque a Perimetral passa por baixo, mas a Coronel Pedro Fláquer é a de cima, e foi ali que ele montou a loja de rádio, a marca sempre foi Dinatron. Meu pai é que fazia alguns rádios. Naquela época era muito comum um móvel pequeno que tinha o rádio na frente e uma tampa e tinha também toca-discos. Ele montou a loja com um sócio e esse sócio estava em Garça, era irmão daquele que ele levou como operador, e que por sinal também era operador, porque aprendeu com o irmão, operador de cinema. O que aconteceu? Houve um fire partner na história e quatro sócios fizeram o Cineax, na Vila Alpina, meu pai, meu tio Hugo e esse operador montaram o cinema. Fizeram tudo, levantaram do chão ali na Vila Alpina. Na época era um bom cinema e eu trabalhava de operador lá. Eu fiz questão de aprender, desde carregar as latas de filme... [risos], aí foi que eu me apaixonei completamente pela coisa.

Pergunta:

Como era a atividade de operador?

Resposta:

Naquele tempo, vou falar daquela época porque hoje deve ser completamente diferente, a cabine de cinema era um negócio de dois por dois. Tinha os dois projetores e uma mesinha para desenrolar o filme e era um calor insuportável. Como meu pai era do ramo, ele montava a máquina. O projetor era Alemão, a lanterna que fazia o foco de luz era igual às usadas ainda hoje, com arco voltaico e a parte de som foi meu pai que fez. Uma parte da máquina foi meu pai quem fez. Na época, o filme era como é hoje, em partes, partes simples ou duplas. As simples de oito a dez minutos, as duplas de dezoito a vinte minutos. A gente recebia o filme ou alugava. Já sabia a duração do filme, se dizia oito partes, daí se sabia a duração. Naquela época era comum projeção de dois filmes, com intervalo. Então, se colocava um filme bom, de primeira linha, no início da sessão, e o filme de classe B, no fim da sessão. Porém era uma sessão só, que começava às oito horas e acabava às onze horas e quinze minutos, com intervalo de 15 minutos. Fazia-se um intervalo de quinze minutos, porque tinha o homem da bala que queria vender um pouco. Não tinha esse cheiro de pipoca que tem hoje, era só bala mesmo. E era muito comum esse sistema de dois filmes na mesma sessão. Era a coisa mais comum do mundo. Quando tinha um só o pessoal achava ruim. Aí veio o sistema de duas sessões, às sete horas e às nove horas, com o mesmo filme e é assim que funciona até hoje. Outra coisa que era comum nessa época era a matinê de domingo, duas horas da tarde era sagrado ter matinê. E o que tinha na matinê? Dois filmes também, só que tinha um terceiro que era o seriado. Tinha seriado de tudo que era jeito, com índio, Flash Gordon. Tinha que ter o seriado, senão a matinê não estava completa. Geralmente, o seriado era de duas partes duplas, então eram dois capítulos, cada parte dupla era um capítulo. Conforme o seriado, ele tinha vinte ou vinte e quatro partes, isso significa que ele durava de dez a doze minutos e sempre acabava num perigo, o mocinho caindo de um avião, umas coisas assim, e no outro domingo passava a continuação.

Pergunta:

E na semana santa?

Resposta:

Na semana santa era comum passar a Paixão e morte de Jesus, todo cinema fazia isso. E às vezes tinha que fazer duas sessões, uma às sete horas e outra às nove horas ou às seis horas, porque o Padre lá da igreja de Santo Antônio queria fazer a procissão dele e dizia que o cinema atrapalhava. Meu pai falava com ele e combinava uma hora para que todos ficassem felizes. Como todo mundo passava esse filme, era um filme velho, amarelado, com uma dublagem péssima, todo mundo tinha esse filme e não dava para alugar, tanto que meu pai comprou uma cópia do filme.

Pergunta:

As pessoas se arrumavam para ir ao cinema? Tinham alguma roupa especial?

Resposta:

Lá no Cine Arte tinha um problema. Naquela época, não era censura, era o juizado de menores. Crianças abaixo de cinco anos não entravam. Então meu pai, para ter um bom movimento, permitia a entrada dos bebês. Ia pai, mãe e mais os bebês. Os homens iam de paletó normal ou uma camisa esporte, coisa simples. Mas em São Paulo, no Cine Metro, Cine República e Marrocos, eles exigiam paletó e gravata. Se não estivesse de gravata e paletó, não entrava. As mulheres sempre bem arrumadas, com vestidos bonitos. Eu me lembro que aqui no Tangará eles quiseram fazer o mesmo, mas não deu certo, tiveram que deixar de lado a gravata, mas a gente ia ao cinema de paletó, bonitinhos, as moças iam bem arrumadas, não era como hoje que se entra de bermuda, de qualquer jeito.

Pergunta:

Como eram as cadeiras?

Resposta:

A disposição delas era igual à das de hoje, porém eram de madeira. O Tangará, a platéia, onde hoje é estacionamento, era de madeira, mas eles fizeram o balcão, que era na parte de cima, então era mais caro e as poltronas eram estofadas. O Carlos Gomes é o cinema mais velho da cidade e tinha poltronas de madeira. Tinha a sessão do amendoim, que era de sexta-feira, que só iam homens, era a maior bagunça, passava faroeste e só dava homem. Sempre tinha briga... É, briga no bom sentido, porque o pessoal não chegava às vias de fato, mas xingava, jogava coisas, ia para o balcão e jogava coisas embaixo. Voava amendoim a sessão inteira.

Pergunta:

E como era a relação entre exibidores?

Resposta:

Eles se davam bem. Aqui em Santo André era o Carlos Gomes, depois veio o Tangará, que era da família mais chique, um outro cinema bem velho de Santo André é o Cine Raf, lá no Parque das Nações, tinha o Cine Roxy, e tinha um outro cinema em Santa Terezinha, que não me lembro o nome, mas se não me engano era Irajá. Eram proprietários, não é como hoje, uma cadeia. O pessoal se reunia, almoçavam juntos, discutiam o preço das entradas, os problemas do cinema, porque na época você fazia o contrato com as distribuidoras, Columbia ou Fox, o que seja, tinha que engolir os abacaxis. Por exemplo, se você tinha interesse em um filme, tinha que levar um pacote de vinte filmes, todos de segunda categoria. Geralmente, eram esses os filmes passados na segunda sessão, mas acho que hoje isso não deve existir. Se você quisesse O Cangaceiro, que foi distribuído pela Columbia, você tinha de pegar 20 filmes, ou não tinha acerto. Tinha esse problema.

Pergunta:

Como acontecia o lançamento de um filme?

Resposta:

O filme era lançado em São Paulo e chegava aqui em Santo André um mês ou dois meses depois. Como meu pai não era cinema de centro, ele era obrigado a pegar o filme sempre depois. Muita gente até esperava passar no Cine Arte, porque sabia que lá iria passar, depois que passasse no centro.

Pergunta:

Esses prédios de cinema tinham uma mesma arquitetura, uma mesma decoração?

Resposta:

Não eram muito diferentes. Quando chegou o Cinemascop no Brasil, você sabe que ele foi lançado nos Estados Unidos como represália à televisão de lá, que estava dando problemas para eles e como de costume acabou chegando no Brasil também. O filme comum é igual ao filme de máquina fotográfica, 35mm, um quadro tem quatro dentes, então é esse o tamanho. No Cinemascop, a cena era condensada. Se você pegasse o filme antigo, você via a cena perfeitamente, porque o filme era positivo, e a máquina fotográfica, negativo, e você via direitinho. E quando você pegava um filme filmado em Cinemascop, era tudo comprimido, então você não podia ver. A lente na frente do projetor é que a espalhava. Então a tela era retangular e pegava toda a boca do cinema.

Pergunta:

Essa era a vantagem do Cinemascop?

Resposta:

Essa era a vantagem sim. Depois veio o cinema com som estéreo. O primeiro filme lançado foi O Manto sagrado, pela Fox. Foi a Fox que lançou o Cinemascop e teve dois ou três filmes. Era um espetáculo. Para a época estava bem avançado. Hoje temos umas telas panorâmicas, que é outro tipo de lente. As coisas mudaram muito. Hoje o filme é em partes e às vezes você não percebe quando trocam a máquina, mas a máquina troca, porque tem as partes.

Pergunta:

E a sua escolaridade?

Resposta:

Eu comecei a estudar em Santo André. Comecei lá no primeiro grupo, que hoje é o museu, depois eu fiz a admissão no colégio estadual. O Américo Brasilense começou no primeiro grupo e depois ele mudou para a Avenida Portugal, na chácara dos Bastos, onde hoje é o correio. Ali eu fiz o ginásio, e na época fui trabalhar na aviação, quando então fui fazer um curso básico e fiquei lá pelos lados de Bauru e fiz a cadeira de inglês. Eu sempre gostei de inglês e estudo desde os onze anos. Como eu trabalhava à noite no cinema, tinha a manhã livre, porque o colégio era no período da tarde, então eu pegava o trem de madeira, descia no Brás, pegava o ônibus e descia ali perto de onde era a Câmara, onde era a União Cultural Brasil-Estados Unidos e lá comecei a estudar inglês com 11 anos.

Pergunta:

A sua paixão pelo inglês veio pelo cinema?

Resposta:

Não, veio por uma vizinha que era secretária, mas sabe aquele tipo de vizinha que é quase da família? Ela se chama Vilma e resolveu dar uns exercícios de inglês. Nessa época as escolas começavam a ter aulas de inglês na segunda série, mas eu era moleque novo, não entendia nada daquela língua estranha. A vizinha continuou a me dar aulas e nessa oportunidade, por ela ser secretária, ela tinha certas facilidades por intermédio da empresa. Ela me encaminhou para a União Cultural, onde ela estudava. Foi uma beleza e eu estudo inglês até hoje.

Pergunta:

Como era esse trem de madeira?

Resposta:

Essa história é muito bacana. O trem vinha de Paranapiacaba, onde está o ponto final, mas não tinha muitas estações, não exista a Capuava, nem a Prefeito Saladino e uma outra, uma estação antes da Mooca. Então só tinha Ribeirão Pires, Mauá, Santo André, São Caetano, Ipiranga, Mooca, Brás e Luz apenas. Os trens eram ingleses, da São Paulo Railway. No começo eram umas locomotivas a carvão, depois veio a de óleo diesel. O trem era de madeira, superconfortável e tinha a primeira e a segunda classe. Na primeira classe, eram uns vagões grandes, cabiam umas cem pessoas, as cadeiras eram estofadas de vermelho. E, na segunda classe, os bancos eram de madeira e o preço era a grande diferença, tinha uma diferença grande de preço, tanto é, que você chegava no bilheteiro e pedia São Paulo primeira ou São Paulo segunda. Eu sempre comprava a de segunda, passava o bilheteiro clicando e depois que ele passava nós íamos para primeira classe, porque ficava vazia, ninguém queria comprar a de primeira. Depois veio um trem chamado Liturina. Eram três vagões, mais ou menos parecidos com os de hoje. Era um trem pequeno e muito luxuoso. Ele saía de Santo André sete e dez da manhã, mas só que ele ia direto: Santo André, São Caetano e Luz. Você desembarcava na Luz sete e meia em ponto, era sagrado. De lá ele ia para Jundiaí. Esse trem de madeira ia para Santos usando o sistema de cremalheira da serra. Quando se ia para Santos de trem, ia até Paranapiacaba, descia, a locomotiva saía, porque a locomotiva não descia e aí descia,. não me lembro bem, acho que desciam um ou dois vagões, porque eles eram muito grandes. Engatava na cremalheira e descia a serra, ia até Cubatão. Chegando lá tinha uma outra locomotiva e esperava o trem ficar composto e dali ficava pertinho de Santos.

Pergunta:

Fale um pouco da sua juventude, bailes, passeios, namoros.

Resposta:

De namoro eu não quero falar, porque não quero me comprometer. Mas de juventude eu tenho uma passagem muito boa na minha vida. Eu sempre estava com os estudantes. Corria para lá, brincava para cá e ia muito a baile. Tínhamos uma turma que ficava bebendo, dançando, era comum. Por eu dar aula no Brasiliense, eu ia a muitas formaturas. As formaturas eram no Moinho São Jorge, Palácio de Mármore, muito animadas, um espetáculo. Os bailes eram feitos por orquestras, não tinha nada de disco, era Silvio Mazuca, Tabajara, do Rio. A escola era conhecida pela festa que fazia e o Américo Brasiliense sempre trouxe as melhores orquestras. O traje tinha que ser a rigor, os homens de terno azul e gravata borboleta, as mulheres com longos na cor branca e rosa, era isso que valia. Na época a gente subia de elevador, mas no final do baile o elevador não dava, então íamos pela escadaria. Chegávamos lá embaixo com as pernas moles e depois ainda vinha a pé. Era bem longe... e vínhamos amassando barro, porque nessa época o local não era asfaltado.

Da época, posso citar Laerte, Pedro Cia. Nós realizamos o Desfile Bangu. Na época o Desfile Bangu era a coqueluche do momento. Montamos uma festa de arromba, foi um bailão, onde era eleita a miss Bangu, que era na tecelagem Bangu. E tinha, na oportunidade, uma pessoa, um senhor muito simpático, que não lembro o nome, então nós realizamos o único desfile no Bangu, hoje não existe mais, em Santo André. E foi eleita a miss, todas as meninas da sociedade entraram, porque saía na Revista Cruzeiro.

Pergunta:

Desfilavam como?

Resposta:

Faziam desfiles. A tecelagem dava todo o tecido, o baile, eles davam uma pequena parte para poder suportar as despesas. E eles davam todos os tecidos, tule, véu, seda, a confecção ficava por conta das candidatas. Mas tem um fato pitoresco que poucas pessoas sabem. Como íamos fazer o desfile, tínhamos que arrumar um tapete vermelho para a passarela. E onde eu iria achar um tapete da quilometragem do Moinho São Jorge? Alguém lembrou que na catedral do Carmo tinha alguns tapetes vermelhos. Então o que fizemos? Fomos falar com o responsável, pegamos emprestados os tapetes, mas com uma condição: às seis horas da manhã o tapete tinha que estar no lugar dele para a missa das seis. Quando deu cinco e meia da manhã, eu e mais dois descarregamos o tapete na catedral. Poucas pessoas sabem disso.

Pergunta:

Como o senhor conheceu sua esposa?

Resposta:

Maria Amélia eu conheci no Américo Brasiliense. Eu era professor efetivo da cadeira de inglês e dei aula lá durante uns vinte ou vinte e três anos. Maria Amélia eu conheci dando aula. Quando ela veio dar aula no Brasilense, nós nos conhecemos. Toda professora nova que chegava eu dava um cafezinho e para ela também dei e alguém lá ficou chateada. Eu sempre soube que era ela a mulher com que me casaria, tanto é, que existem três crianças para confirmar, a mais velha deve ter uns trinta e poucos.

Pergunta:

O senhor começou a trabalhar muito cedo?

Resposta:

Comecei. Com 14 anos eu já era operador de cinema. O negócio de trabalho é o seguinte: eu trabalhei na aviação, fiz o curso em Bauru, depois dei aula no Brasiliense, também dava aulas no Senac e em colégios de Santo André. Sei que nessa oportunidade tinha aula aos sábados, cheguei em uma semana, durante um ano, dar sessenta e oito aulas. Passava a madrugada e os domingos corrigindo provas. Não tinha tempo de sair de casa. Quando eu fiz trinta anos, decidi me casar. Ficaram dois professores, não dava para agüentar muito. Fui para a indústria, mas eu era professor e de indústria não entendia nada. A Philips estava montando uma fábrica próxima da fábrica de lâmpadas e foi a primeira fábrica de telas para cinescópio, prensada. Uma técnica nova no país, não existia. Só tinha duas técnicas: essa da Philips e mais uma, que era um carrossel. Como eu falava inglês, naquela época estava dando aula, e quando a gente dá aula a gente sempre está aprendendo, o gerente de lá era inglês e fui lá, disse que queria trabalhar, acho que ele foi com a minha cara e me deu a posição de training officer, nome de treinamento. Chegaram três holandeses e me ensinaram toda a profissão, em inglês. Como poucas pessoas falavam inglês, eles foram melhorando o meu cargo. Trouxeram os manuais da Inglaterra e eu repassava as informações para o grupo. Esses manuais falavam da parte de prensagem e de mistura. Dentro da composição dele, tinha de usar 30% do próprio vidro, para dar liga, tanto é que quando a fábrica foi repassada, tivemos que cortar vidro. Eu fiz todo o treinamento da fábrica. Trabalhei na produção com eles. Eles calculavam três meses para dar produção, e seis meses para ter um produto de boa qualidade, só que não podia ter uma bolha naquilo, senão ia aparecer na televisão. Sei que no prazo de três meses a produção já tinha uma boa qualidade e aí acabou o treinamento, fiz o follow up, o pessoal foi bem e aí acabou o treinamento. Eu fiz o treinamento, o pessoal pegou bem o esquema. O empregado brasileiro é ótimo porque ele pega. O engraçado é que você ensina, ele aprende, mas depois de um certo tempo ele não está mais fazendo. Ele já pegou um jeitinho que ele faz aqui duas vezes mais rápido. Foi o que aconteceu, porque o pessoal era bom e começou a dar produção rápida, mas à maneira deles e eu também deixei fazer, era meio inexperiente, quer dizer, unir o útil ao agradável. Depois de um ano, eles me mandaram fazer um treinamento específico e me mandaram para São Paulo, para trabalhar na área de relações industriais e lá fiquei nos recursos humanos por trinta e três anos.

Pergunta:

Nesses trinta e três anos, teve vivência de greves? Como isso refletiu?

Resposta:

No início eu trabalhava na Phillips e lecionava à noite e fiquei nessa brincadeira uns 15 anos. Maria Amélia também trabalhava, dando aulas e cuidava das crianças. Eu saía de casa às seis da manhã e voltava, e às sete horas tinha que estar na escola. Saía de lá às onze da noite. Foi uma grande experiência em temos de relações industriais, que hoje é chamado recursos humanos. Eu fiz de tudo nessa área. Eu poderia ser um diretor de recursos humanos, mas eu queria saber com o que, o que eu mandava fazer. Eu fiz administração salarial, parte social, ia vivenciando a parte de refeitórios, a parte financeira e fui moldando tudo. Hoje em dia posso ser chamado de generalista, porque eu sei um pouco de tudo. Em 1978, começaram as greves e era gerente de RI. Nessa época eu dormia na fábrica. Eu era o gerente. A fábrica não podia parar por causa do forno. Se o forno parasse, ele esfriaria e desmoronaria, porque ele era fixo pelo calor. Eles não deixavam os operários sair, pegava carros, saía por trás da fábrica porque tinha os piqueteiros na frente e às vezes ia para rua brigar com os piqueteiros, mas brigar no bom sentido, porque eu falava que precisava que a fábrica funcionasse, que eles tinham de deixar entrar dez pessoas, porque senão não teria mais emprego para ninguém. Muitos deles entenderam, era o Benedito Martins, e deu para contornar a situação. Foi uma época de sindicalismo e eu vivenciei, fui negociador do sindicato, do grupo 14, fiz muitas negociações. Em termos profissionais, eu fiz de tudo na área de recursos humanos. E nesse último emprego, que foi na Sherwin, que fiquei nove anos, eu ia para os Estados Unidos e ia fazer cursos de treinamento. Fiz muitos treinamentos à maneira americana. Deu para distinguir bem a postura americana e a postura européia dentro do contexto industrial.

Pergunta:

Como eram os treinamentos?

Resposta:

Para você ter uma idéia, eu fiz todo o processo de qualidade do Philip Krosk, que a Sherwin me mandou para San José, no Vale do Silício para fazer o curso gerencial dele. Foram 15 dias de completa imersão, porque você começava às 7 da manhã e ia até as 8 da noite e tinha lição para as 7 da manhã e você tinha de ficar até as 3 da manhã fazendo. Eu aprendi muito sobre processo de qualidade. E na oportunidade eu fui convidado para ser treinador do processo de qualidade deles. A firma bancou as viagens e eu fui para Orlando fazer um treinamento na escola, que lá eles chamam de college. Fiquei lá os trinta dias e voltei. Quando cheguei montei todo o processo de qualidade para as empresas associadas. Para mim foi muito satisfatório, porque eu vejo os jovens aprendendo coisas que eu já sei há muito tempo.

Pergunta:

Fala um pouco sobre a televisão, sobre a chegada do homem à lua?

Resposta:

Quando o homem pisou na lua a TV já era carne de vaca, porque a televisão, quando chegou aqui em Santo André, era branco e preto e era a TV Tupi, canal três, do Chateaubriant. Era um problema, a antena não pegava, tinha que ficar direcionando, ela era rabo de peixe ou a comum. A televisão mais comum se chamava Admiral, que era branco e preto, os aparelhos de televisão eram muito caros. Como meu pai tinha uma loja de rádios, ele colocava na vitrine da loja de rádios como propaganda. Funcionava. As pessoas ficavam paradas olhando e acabavam entrando. Mas a televisão só rendeu uma grana para um cara aqui em Santo André, era o Castro. A loja dele era conhecida como a loja do Castro. Ele tinha de tudo, vários modelos importados. Mas quando da chegada do homem à Lua, muita gente não acreditava, achava que era filme, não acreditava que estava lá na lua. Com o tempo eles foram acreditando, mas no início ficaram em dúvida se a transmissão era verdadeira.

Pergunta:

O senhor lembra de algo da Segunda Guerra Mundial?

Resposta:

Não. A única coisa que eu lembro é que eu estudava no Externato e a diretora chegou falando que estávamos dispensados, porque a guerra tinha acabado. Saímos todos para fora. Estava a maior bagunça, todo mundo estava na rua festejando, gritando. Eu lembro que o Brasil tinha a Força Expedicionária Brasileira e tinha muita gente que havia perdido parente na guerra e outros estavam lutando, e por isso foi o maior carnaval. Essa é a única coisa que eu lembro.

Pergunta:

O senhor quer deixar um recado, uma mensagem?

Resposta:

Agora você me pegou. Mas a minha mensagem vai ser dentro do processo de qualidade. A tônica do processo de qualidade, o que ele prega é: Faça a coisa certa pela primeira vez, assim ela dará certo sempre. É essa a minha mensagem.



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