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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Cecília Donária Gonzaga Ferreira

  • Nome: Cecília Donária Gonzaga Ferreira
  • Gênero: Feminino
  • Data de Nascimento: 22/10/1937
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: Santo André (SP)
  • Profissão: Professora

Biografia

Cecília Donária Gonzaga Ferreira nasceu e viveu a vida toda em Santo André. Estudou no Externato Padre Capra (atual Instituto Coração de Jesus), no centro da cidade. Era filha do médico Dr. Floriano de Paula Ferreira e da professora primária Ary de Souza Ferreira. Fez magistério e trabalhou por mais de 30 anos na rtede estadual de ensino, tanto na alfabetização de crianças como na formação de professores. Casou-se com Luiz Gonzaga Ferreira em 1966 e teve 4 filhos.



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Transcrição do depoimento de Cecília Donária Gonzaga Ferreira 06/07/2004

IMES – UNIVERSIDADE MUNICIPAL DE SÃO CAETANO DO SUL

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

 

 

PROJETO MEMÓRIAS DO ABC

 

 

Depoimento de CECÍLIA DONÁRIA GONZAGA FERREIRA, 66 anos.

IMES – Universidade de São Caetano do Sul, 6 de julho de 2004.

Entrevistadores: Carla Danielle Porrino e Priscila F. Perazzo.

 

 
Pergunta:
A senhora poderia começar falando a sua data de nascimento e onde a senhora nasceu. Conte um pouco da sua infância.

Resposta:
Eu nasci em São Paulo, porque era a primeira filha e naquele tempo ainda não tinha um hospital adequado aqui, então eu nasci em São Paulo e vim para cá em outubro de 1937. O que me lembro da minha infância é que Santo André era bem diferente. Era uma cidade menor, uma cidade onde é a Perimetral hoje, era um lugar amplo que tinha muitos eucaliptos. Eu me lembro de passear, que aos 5 ou 6 anos tive tosse comprida e por causa disso, de manhã cedo nós íamos passear debaixo do eucalipto. E era muito frio, era uma cidade muito fria. E quando voltava, eu lembro que minha avó já estava com uma bacia de água quente para nós colocarmos as mãos, de tão frio, a gente voltava gelada. Era uma cidade fria.

Pergunta:
Quem ia com você?

Resposta:
Eu ia com mamãe, que me levava, nos levava andar para tomar ar, que diziam que era bom aquele ar da manhã. Era ali na Perimetral, onde tem aquele monumento dos imigrantes. Era naquele lugar, que era um lugar super distante, que hoje parece perto, mas era super distante. Me lembro bem disso, desses passeios e do frio, que a gente ia bem agasalhada, porque o clima era bem diferente de hoje. E a gente teve uma infância muito boa, de brincadeiras. Os quintais eram grandes e a gente brincava muito no quintal. Eu morei atrás da igreja, onde hoje tem uma porção de lojinhas. Tinha Maria, Maria, aquelas lojinhas. Onde era a Maria, Maria era a nossa casa. A gente morava ali, morava um pessoal conhecido, na casa ao lado morava a família Awada e a gente brincava no largo da igreja. Os casarões eram antigos, agora destruíram quase todos. Tinha a casa do Dr. Perrone, que foi o primeiro médico. E eu, com a sua mãe, a gente ia muito à igreja, porque estava começando a pintura da igreja e a gente ia olhar a pintura. E nessa pintura, muitas vezes o pintor dava um pincel e a gente fazia os retoques nos anjinhos. A gente brinca que a gente participou da pintura da igreja. A gente percebeu toda aquela pintura, porque a igreja era toda de tijolinho e cimento, não era como hoje. Acho que o largo era mais bonito, pelo menos pela infância da gente parece. E a gente brincava muito ali. O consultório do meu pai, seu avô, era na frente, onde hoje é aquele centro comercial redondo. Ali tinha a casa onde era o consultório e a gente brincava muito no largo da igreja, antes de mudar para a casa que você conheceu, que era aquela casa grande, com quintal grande, em que a gente brincava, andava de bicicleta ao redor da casa. Brincava-se muito ali.

Pergunta:
A casa da Rua Campos Sales?

Resposta:
Sim. E a Campos Sales, naquele tempo, era quase que uma rua, no início não tinha nem asfalto, depois que se colocou pedra e a gente brincava muito. À noite a gente brincava na calçada, porque não tinha o movimento que tem hoje. A gente cresceu ali, brincando ao redor da casa e indo para a escola no Coração de Jesus, que naquele tempo se chamava Externato Padre Luiz Cappa. E por incrível que pareça, parece que era tão longe da minha casa, parece que a gente andava muito para chegar lá, porque a cidade se concentrava na Rua Coronel Oliveira Lima. A Campos Sales, aquele pedaço em que tinha o Senai na esquina, um prédio maravilhoso, até a Luís Pinto Fláquer. Depois aquilo era quase que deserto. E eu fiz o meu curso primário e o ginásio lá, que era o antigo fundamental 1 e 2. Eu fiz ali. A gente tem vários períodos que marcaram muito. Por exemplo, o fim da Segunda Guerra. Eles fizeram o Arco do Triunfo na Rua Campos Sales, perto da Igreja e houve o desfile dos pracinhas. E foi uma festa a gente poder ver os pracinhas chegarem e desfilarem. A gente não sabia bem por quê. O que me lembro da guerra é que eles punham panos pretos nas janelas e chegava uma determinada hora que esses panos cobriam tudo e você não podia acender luz. Ficava a cidade toda às escuras, porque tinham medo de bombardeio. Disso eu me lembro. Também que muita coisa não tinha por causa da guerra. Não conheci ninguém que tivesse ido para a guerra, para a Itália, mas me lembro disso, que chegava determinada hora que tocava uma sirene e eles cobriam todas as janelas com panos pretos e não podia sair nada de luz.

Pergunta:
Na sua casa também?

Resposta:
Todas as casas cobriam. E me lembro do fim da Segunda Guerra, tinha 8 anos quando houve o desfile dos pracinhas que estavam voltando. Aquele desfile todo, aquela festa toda porque acabou a guerra, meu pai chegando dando a notícia de que a guerra acabou, das revistas que a gente recebia, chamada Vanguarda, que trazia todas as atrocidades da guerra, mas só do lado alemão. Como sempre, era uma revista americana, e vinha só do lado alemão. Do lado deles era só heroísmo, tanto que a gente foi criada com essa idéia, de que a guerra, só um lado é que era o lado negativo. Na escola, era bem diferente de hoje. O Padre Cappa era só aquela parte antiga.

Pergunta:
Era só para mulheres?

Resposta:
Só para mulheres, no início. Eram apenas meninas e era aquele pedaço antigo. A gente via que era uma escola bem tradicional, com aquelas portas grandes, era mais escura. Batia o sinal e a gente tinha de entrar em fila, quietas. Tinha a hora do recreio. Onde hoje é a parte moderna, eram umas árvores enormes e a gente brincava debaixo das árvores, com as irmãs olhando. A educação naquele tempo era uma forma de acesso social. Geralmente quem ia para a escola era alguém que estava melhor socialmente. Então, quem era de uma classe social mais privilegiada, continuava o ginásio. Algumas das minhas colegas, que faziam no colégio das freiras, porque eram amigas das freiras e os pais não tinham muitas posses, elas não prosseguiam nos estudos, que era o que gente chamava de ginásio. A gente fazia o quarto ano do primário, depois tinha a admissão. Lembro que fiz o curso nas férias. Prestava o exame, que foi numa escola em São Bernardo, numa escola de freiras, Colégio Santo Antônio, depois você ia fazer o ginásio. Quem não tinha essas possibilidades não estudava, ou fazia um ginásio profissionalizante, ia aprender a fazer flor, costurar, fazer plissê, porque não tinha como hoje, que você já compra tudo plissado, tinha de alguém fazer, você comprava o tecido e mandava fazer. Ia aprender costura. E quem não tinha condições, muitos iam para o mercado de trabalho, porque naquele tempo as indústrias não exigiam que a pessoa fosse alfabetizada. Então, não ia todo mundo para a escola, porque para você trabalhar, que era na Laminação, na Rhodia, na Kowarick, que era de tecidos no Ipiranguinha, você não tinha necessidade de saber ler e escrever, tanto que nos anos 80, quando houve um recenseamento, de todo esse pessoal que tinha entre 50 e 60 anos, muita gente não era alfabetizada, porque não havia essa necessidade. Depois do ginásio, que eu fiz também no Coração de Jesus, e quando terminou o ginásio, geralmente a gente ia para São Paulo, porque não tinha aqui colégio do estado. Tinha o colegial, o clássico e o científico, mas não tinha escola normal. E a gente, como mulher, tinha de fazer a escola normal. Eu quis fazer científico, mas era uma briga. Meu pai não deixava. Era para fazer, ser professora, que era a única profissão que era boa para a mulher, porque a gente era preparada para ser dona-de-casa. Inclusive no ginásio nós tínhamos uma matéria chamada educação, artes, era trabalho para aprender a bordar, trabalhos manuais. A gente aprendia a bordar toalhas e muitas vezes a gente já bordava toalhas, a professora era a Irmã Elvira, me lembro bem dela, porque não tinha jeito nenhum e ela dizia que se dependesse de bordar, eu estava perdida, e quando eu levava pronto ela falava que ia dar a nota, mas sabia que era a minha mãe que tinha feito, porque estava muito bem feito. A gente aprendia a bordar para fazer o enxoval. Aprendia a bordar, aprendia a receber, porque a gente era preparada para casar e o máximo que a gente podia ser era professora, porque segundo meu pai era uma profissão boa para a mulher, porque você trabalhava só três horas e o resto você podia se dedicar ao marido, filhos, à sua família. Era essa a mentalidade. A gente ia fazer o curso normal, mas no ano que me formei veio a escola normal para o Américo Brasiliense, acho que em 1953, porque fui da segunda turma. Na escola normal, eram três anos de curso e era bastante puxado, porque eram seis aulas, inclusive aos sábados e à tarde você tinha algumas aulas complementares, como educação física, estágio.

Pergunta:
Você se lembra dos professores?

Resposta:
Tive como diretora a dona Sara, que tinha um nome estrangeiro, o autor do Hino de Santo André, Professor Amaral Wagner, foi meu professor, o Décio Grise, que chegou a ser Secretário de Educação no tempo do Jânio, tinha uma professora de sociologia maravilhosa, Araci Ferreira Leite, que tem livros delas, uma de psicologia, dona Ermelinda, que era um terror. Eram professores de primeira e foi um curso gostoso, porque era uma época diferente, muito diferente de hoje, porque a gente andava à vontade. Nós íamos muito ao Aramaçan, de bicicleta. Hoje não se pode fazer uma coisa dessas. E muitas vezes a gente ia até escondido, porque tinha o lago, não é como é hoje, tinha um lago grande e não se podia entrar, era proibido pelo meu pai andar de barco. A gente acabava indo, encontrando com os amigos lá e acabava entrando no barco. Inclusive numa das vezes que nós fomos, duas amigas minhas, que eram gêmeas, a gente andava com aquelas roupas rodadas, e o barco afastou e uma delas acabou caindo na água e foi uma briga para secar, para ela poder voltar para casa sem os pais perceberem. A gente brincava muito. Como o quintal era grande, a gente corria, andava em cima do muro. Nós tínhamos uma garagem e a gente andava em cima da garagem. Me lembro que a sua mãe era super ágil, era a primeira a subir e a gente ia atrás. Geralmente ela via o seu avô chegar e ela saltava, e eu e a Consuelo bobeávamos e ele pegava a nós duas. A gente brincava de pára-quedas, subia em cima da casa, abria o guarda-chuva e saltava. A gente brincava mesmo. Brincava com terra, fazia bolinho de terra, recortava revistas, as figuras das revistas, armava casinhas de papelão. Acho que toda essa parte motora da gente era desenvolvida na brincadeira.

Pergunta:
Tinha leituras? Quando meninas, quais eram as leituras dentro de casa?

Resposta:
A gente lia muito. Lembro que a gente ganhava livros e quando era menor eu lembro da minha avó, sua bisavó, lendo. Minha mãe viajava e era uma delícia, porque ela lia "As Reinações de Narizinho". Era um livro dessa altura, grande, ela sentava toda noite na casa, a gente ficava ao redor dela e ela lia toda noite um pouco do livro de Monteiro Lobato. Lembro que ficou tão marcado que nunca mais tive coragem de ler esse livro, porque parece que não era a mesma coisa da minha infância. E a gente lia muito. Tinha livros como "As Meninas Exemplares", a gente lia muito José de Alencar. Li todos dele. Lembro de um livro que me marcou muito, "Clarice", do Érico Veríssimo, que a gente leu tudo. E alguns livros eram escolhidos e outros livros não se podia ler. Então, alguns como "O Crime do Padre Amaro", eu li escondido. A gente punha uma capa e lia escondido, porque não era permitida essa leitura. Era José de Alencar, Machado de Assis, Stephan Zwaich, Érico Veríssimo. Eram escolhidos os livros. Alguns não eram permitidos.

Pergunta:
Não eram permitidos para a idade ou para as mulheres?

Resposta:
Para a idade. A gente não tinha idade para ler. Eram livros, que naquela época, eram muito fortes. Li Camilo Castelo Branco, que a gente gostava de ler, que lembro que um deles, que tem a Emengarda, eu não conseguia ler, porque tinha uma parte que o herói passava com a Emengarda no colo e eu tinha uma tia Emengarda muito grande e gorda e eu ligava as duas coisas e não conseguia passar de lá, porque quando chegava nessa parte... Me lembro, me marcou muito. A gente lia muito. Lia poesias. Inclusive nós tivemos muito contato com essa parte de poesias, porque seu avô tinha um amigo poeta e a gente o encontrava e ele declamava as poesias dele. Tinha o Dr. Jardim, dono daquele hospital que hoje é o Hospital Perimetral. Ele era um poeta maravilhoso e declamava muito bem, ele costuma ir em casa. Eu lembro que na copa tinha uma mesa comprida, ele sentava à cabeceira da mesa, a gente sentava em volta e às vezes eram três da manhã e ele estava declamando, porque ele não cansava de declamar e a gente pedindo e ele declamando. Era até parente do Jardim que caiu no vulcão na Itália. Um dos Jardim era cientista e chegou muito perto, foi atraído pelo vulcão. E dizem que ele até ficou meio maluco mesmo, porque depois ele subia em cima do hospital para recitar as poesias dele. Fazia recitais em cima do hospital, ele sozinho.

Pergunta:
Isso era comum na sua casa?

Resposta:
Na minha casa, mas na de muitos amigos meus os pais liam bastante, era uma época que a gente lia.

Pergunta:
E vocês tinham acesso a jornais e revistas?

Resposta:
Jornais e revistas a gente começou a ter mais tarde. Quando a gente entrou na escola, no curso normal, é que a gente começou a ter mais acesso, a ler jornais, a se interessar pelas notícias, principalmente quando chegou a época mais política. Época de faculdade, porque antes a gente não tinha os jornais, eram mais literaturas, livros que a gente tinha em casa, porque meus pais tinham muitos e os que eram selecionados por eles a gente podia ler.

Pergunta:
Vamos falar mais um pouco da juventude, dos bailes, das festas?

Resposta:
Com 14 anos a gente começou a freqüentar festas, porque tinha idade certa e antes não podia. Cinema a gente adorava, porque tinham os filmes seriados. A gente ia para ver os seriados nas matinês que tinham, primeiro no Carlos Gomes e depois no Tangará, que a gente encontrava os paqueras da gente. E no passeio da Rua Coronel Oliveira Lima, que no domingo tinha a missa das 11:00h e depois da missa os rapazes ficavam de um lado, onde era o Quitandinha, e a gente ficava subindo e descendo para paquerar. Era a maior espera. E depois a sessão das 7:00h, onde a gente encontrava os namorados, as paqueras.

Pergunta:
Qual era o cinema?

Resposta:
Era o Tangará, tinha o Cine Santo André e tinha o Carlos Gomes. Mais tarde também começaram os bailes. O Clube Rhodia não era como é hoje. Tinha o Aramaçan e só. Tinha o Clube Xadrez, que era no centro.

Pergunta:
O Primeiro de Maio também?

Resposta:
O Primeiro de Maio era um clube que naquele tempo pessoas de um nível melhor não freqüentavam. Primeiro começou como clube de futebol e depois não era um clube, pelos pais da gente, não era bem freqüentado, então a gente não ia.

Pergunta:
Eram os italianos?

Resposta:
Não era de italianos, mas era um clube que parece que iam mais operários. Então, eles não deixavam.

Pergunta:
E o Aramaçan?

Resposta:
O Aramaçan já era considerado um clube melhor. A gente ia aos bailes do Aramaçan, principalmente no carnaval. E as festas caipiras lá eram ótimas. Mas os melhores bailes eram feitos no Clube Rhodia, que também era o clube da Rhodia, mas era o clube que o pessoal freqüentava. E era muito bom, porque era completamente diferente. A gente ia, eram aquelas modinhas de carnaval, a gente dançava, a gente brincava com lança-perfume. Inclusive o meu pai, seu avô, ganhava caixas de lança-perfume da Rhodia, porque ele era médico da Rhodia, e a gente tinha lança-perfume para todos os dias.

Pergunta:
Ele mesmo entregava para vocês?

Resposta:
Ele mesmo entregava. Ele já comprava, eram tubos dourados, grandes, e cada noite que a gente saía para os bailes, ele entregava um lança-perfume para cada uma.

Pergunta:
Eram bailes de carnaval?

Resposta:
Sim. Era muito gostoso. A gente voltava a pé, sentando na calçada, às vezes brincando de correr, de pegar o leite que ficava na porta, porque naquele tempo o leite era entregue nas casas. Eles punham o pão e o leite e às vezes a gente pegava um pão e o leite. Voltava a pé e não tinha problema nenhum. Depois que fizeram a escola Júlio de Mesquita, havia bares no Júlio de Mesquita e a gente voltava a pé, sem problema nenhum, não tinha problema de assaltos. Tirava o sapato e vinha aquele grupo andando a pé. Às vezes um grupo se distanciava do outro, a gente sentava no meio-fio e esperava chegar o que estava mais atrasado.

Pergunta:
E quais eram as músicas que tocavam nos bailes, não nos de carnaval, mas nos bailes?

Resposta:
Era bolero e os sambas daquela época que eram músicas menos, que se dançava junto. Não se dançava separado. Mais tarde, em 1960, a bossa nova, as músicas dos filmes americanos, porque era a época daqueles filmes românticos, "Blue Moon", aquelas musicas bem românticas. Valsa já não se tocava muito, só nos bailes de formatura. Era muito bolero, samba.

Pergunta:
Tinha motivo para fazer esses bailes ou o clube fazia?

Resposta:
Era aniversário do clube, às vezes havia bailes, a Paramount, que era uma loja de tecidos, fazia bailes em que escolhiam a miss, miss elegante Bangu, porque tinha uma fábrica de tecidos chamada Bangu. Eles davam o tecido e a gente desfilava. Era um mico danado. Como tem desfile de modas, eles escolhiam as moças e a gente desfilava. Ensaiava o desfile e depois apresentava o tecido, com os modelos. Eles davam o tecido e os modelos e a gente mandava fazer, então tinha o baile. Os médicos tinham uma associação médica que volta e meia fazia bailes. Casas de moda, como tinha Modas Ester, que todo ano ela fazia um desfile. Eu desfilei mais de uma vez e tenho até fotografias que você já viu. Eram esses os bailes. Eram bailes em que ia a família toda. Ia a mãe, o pai, os filhos, que compravam a mesa e ficava aquele grupo grande. No carnaval também a gente ia muito.

Pergunta:
No carnaval tinha desfile de rua? Ocara, Panelinha?

Resposta:
Começou o desfile de rua nos anos 60, que eram Ocara, Panelinha e algum clube de bairro. Aí eles desfilavam. Antes tinha um pouco de corso. Eu cheguei até a fazer. O meu tio Martins, da Farmácia Martins, a gente sentava na frente do carro e passava pela rua principal, que era a Coronel Oliveira Lima, que só tinha essa, tocando música. Nós fizemos por duas vezes um corso assim. Depois é que modificou.

Pergunta:
Voltando um pouco ao cinema, que tipo de filmes vocês iam assistir?

Resposta:
Entre os 9 e 10 anos, a gente gostava muito dos filmes seriados. Então era "Lassie", aquele do cavalo branco, de mocinho e bandido.

Pergunta:
Esses seriados eram como?

Resposta:
Num domingo passava uma parte e continua no próximo capítulo. Só no próximo domingo que você ia para ver o que tinha acontecido. Eram filmes em que a mocinha ficava presa nos trilhos, ia ser serrada ao meio. E a gente adorava. E muito filme americano. Quando começaram, nos anos 60, os filmes italianos, já não era todo mundo que assistia.

Pergunta:
E os filmes da Vera Cruz?

Resposta:
Eram as chanchadas da Vera Cruz, que eram uma delícia. A gente não perdia um, com Oscarito, Grande Otelo, Eliane, Anselmo Duarte, José Lewgoy. Eram uma delícia esses filmes e eram filmes que a gente tem até vontade de ver de novo. pena que não tem onde você possa rever. Eram filmes musicais, filmes muito gostosos de se ver.

Pergunta:
Do Mazzaropi assistia?

Resposta:
Sim. Sempre gostei muito do Mazzaropi. Acho que ele passava. Os filmes do Mazzaropi a gente começou a apreciar mais velha, nos anos 60, porque eram filmes políticos. Ele passava bem as dificuldades das pessoas que trabalhavam, do Nordeste, na agricultura. Toda aquela exploração dos fazendeiros. E a gente achava engraçado. Tinha o mexicano, que não me lembro nome dele. Ele era muito engraçado, a gente ria porque ele usava calça baixa naquele tempo, como os meninos usam hoje. E muito filme americano, "Suplício de uma Saudade". A Itália começa a lançar um outro tipo de filme, um filme como "La Dolce Vitta", com Sofia Loren. Esses filmes italianos começam uma nova história no cinema, e fizeram furor na época porque muitos deles eram proibidos até 18 anos. Naquele tempo não se podia entrar. Mas eram filmes novos, que mostravam uma nova realidade do pós-guerra e que eram o oposto dos filmes americanos. Uma coisa mais forte, principalmente para aquela época.

Pergunta:
E rádio?

Resposta:
Rádio a gente ouvia, eu lembro que a vovó ouvia novela no rádio. As novelas eram passadas no rádio. Eu nunca fui amiga de rádio, mas em casa, chegava uma determinada hora, todo mundo ia ouvir as novelas. Inclusive aquela "Direito de Nascer", que demorou um monte de tempo. E as músicas, tipo Ângela Maria, Orlando Silva, aquele que morreu de desastre de automóvel, Caubi.

Pergunta:
A senhora se lembra de algum programa de rádio?

Resposta:
Programa de rádio, geralmente tinha esses programas de música, que tinham a Ângela Maria, Caubi, Orlando Silva.

Pergunta:
Das rádios do ABC a senhora se lembra?

Resposta:
O rádio do ABC começou mais tarde. Quando ele começou, eu já era moça. No meu tempo, até meus 15, 16 anos, Santo André ainda era tudo de São Paulo. A gente ia muito ao teatro, então tinha um teatro que era no horário das quatro horas. Era com a Conchita de Moraes, me lembro bem dela, com a Bibi Ferreira.

Pergunta:
Em São Paulo?

Resposta:
Sim. O Procópio Ferreira, Cacilda Becker. A gente viu muito teatro.

Pergunta:
E vocês iam como ao teatro?

Resposta:
Ia de trem, de ônibus, tomava táxi. A gente brincava que de Santo André até aqui a gente repetia tudo que João Ramalho tinha feito. Chegava sábado e domingo, vamos todos para São Paulo, porque aqui não tinha muita coisa. Depois começou o Teatro de Alumínio, inclusive a Sônia Braga.

Pergunta:
Sônia Guedes?

Resposta:
A Sônia Braga e a Sônia Guedes também. Tem uma peça, não sei se tenho a fotografia em casa, que era a Sônia Guedes, a Sônia Braga, o Petrim. Quando começou o Teatro de Alumínio a gente ia muito lá.

Pergunta:
E aquelas peças amadoras do Panelinha, do Primeiro de Maio, isso é mais nos anos 60?

Resposta:
Sim. O teatro amador começou mais nessa época. Na minha época de 14, 15 anos, a gente ia muito ao teatro em São Paulo.

Pergunta:
Fala um pouco de quando a senhora começou a namorar, como a senhora conheceu o tio?

Resposta:
No meu tempo de escola normal, que fazia o curso normal, eu tive namorados, tudo, namorava, mas nada muito sério. Cheguei a ficar noiva, mas um dia ele me aprontou uma, impliquei e mandei passear e não quis saber mais. A sua mãe conta isso. No dia que ele fez um negócio que eu não gostei, encerrei por ali. E dali, só tive namoradinhos, mas nada muito sério. Depois que conheci o seu tio, que naquela época eu já estava passada, já conhecia, porque casei em 1966, eu casei com 28 anos, meu Deus, que sorte que teve, porque casei velha, porque naquela época se não casasse até 23 anos, você já estava na prateleira. Eu o conheci porque ele tinha uma namorada de muito tempo e tinha terminado porque a família não gostava e a minha irmã mais velha, a tia Tereza, quis arrumar o meu marido para casar com a sua tia Lene. E começou a fazer os encontros. E nesses encontros, para ela não ficar sozinha, ela me levava. E quem acabou namorando fui eu. E aí num ano namoramos, noivamos e casamos. Foi uma coisa super rápida.

Pergunta:
E do golpe militar, o que você lembra?

Resposta:
Lembro, nos anos 60, que era aquela efervescência. Para a gente era novidade, porque nós fomos criadas numa maneira muito burguesa. Você não participava de nada político. Você era preparada para casar, ia a festas, tudo muito bom, tudo muito fácil, porque a gente não era rica, mas tinha uma vida boa. Aí que a gente começou a freqüentar, porque a Consuelo e a Maria Amélia entraram na faculdade, eu lecionando, então a gente começou a ter contato com alguns professores que lecionavam conosco, que eram o que eles chamavam de esquerda, de comunistas, e a minha mãe não gostava muito que a gente tivesse convivência. E a gente começou a perceber as diferenças sociais e os problemas sociais. Aí nós começamos a freqüentar a Associação Universitária que no início chamava USA. Eram mais festas e reuniões, mas começaram a trabalhar mais politicamente também. E a gente tinha um grupo de amigos que iam até em casa. Inclusive o padre da Igreja do Carmo, que ia muito em casa, também o padre que me casou, foi professor de filosofia no Américo, o Padre Orosimo, a gente ficava discutindo e às vezes a gente passava noites discutindo. A gente ouvia música, o início da bossa nova, às vezes ia alguém que tocava violão, ficava conversando, discutindo os livros que saíam na época, que a gente lia, ou discutindo filmes, porque a gente ia ver os filmes italianos e depois a gente discutia e discutia muito política. E tinham geralmente dois grupos, o grupo bem de esquerda e o mais conservador. E a gente varava a noite conversando.

Pergunta:
Isso no início dos anos 60?

Resposta:
Lá para 1963, 62. Em 1964 veio o golpe militar. Quando veio o golpe militar, eu lembro que o Oscar e a Sônia, que faziam parte do grupo, o Oscar era vice-presidente da UNE, na USP, e ele ficou escondido em casa. Ele ficou em casa escondido, nós enterramos livros, os manifestos do Partido Comunista, que a gente tinha, lia e discutia. A gente achava que enterrando não tinha problema. Mais tarde que nós fomos ver que não adiantava nada enterrar. Ficou tudo no quintal. Alguns livros nós perdemos. O único que eu fiquei era um livro que eu adorava e tenho até hoje "Quarta Isabela", do Francisco Julião. É um livro que está mofado, porque ficou enterrado. Por isso que queria que a minha filha se chamasse Isabela e eles esqueceram o nome e puseram Luciana. Como meu marido era muito distraído, eu falei que era Isabela e ele foi com o meu cunhado, que também era outro, e quando chegou, Isabela era a marca de um carro italiano. Ele só lembrou que eu queria um nome que era marca de carro. Aí passaram por todos, Volks, Aero Willis e viram que não era nenhum. Aí tinha uma música nova, "Luciana", do Chico Buarque e tinha um outdoor enorme e eles puseram esse nome. Nunca dei esse livro para você ler? Esse livro é uma carta dele do cárcere, quando ele foi preso, para a filha dele, que tinha nascido. Esse livro ficou e tenho até hoje. Depois a gente comprou outros, mas aqueles quase todos se perderam.

Pergunta:
Depois em 1968 vocês já estavam casados, com filhos?

Resposta:
A Carlota nasceu em 1967, e em 1968 a gente estava mais envolvida com casa, com filhos e trabalhando. Lecionava e cuidava da casa. Eu ingressei, me formei em 1955, comecei a trabalhar em 1956. Logo no início eu fui trabalhar numa escola que se vocês me perguntarem onde fica eu não sei. Eu tenho a impressão que é lá para o lado da Cidade dos Meninos, porque lembro que tinha um riozinho, a escola era no meio do mato e com uma tábua estreita com uma corda. Quando chovia o rio enchia e cobria a tábua. A gente tinha de andar segurando na corda para não ser arrastada pela água, para atravessar para o outro lado para dar aula. Eu fiquei lá uns seis meses, porque aí surgiram umas classes de emergência e consegui uma. Essa classe de emergência era em Camilópolis, naquela escola lá em cima, uma escola pequena com sete salas que ficava ao lado da Igreja de Camilópolis. Só que a escola não era em Camilópolis. Atrás, ali quase tudo era mais mato, tinha uma granja do Camilo Pedutti, que era o dono de toda a cidade de Camilópolis e a gente descia uma barroca e dava aula na granja. Era uma granja grande, só de tábuas com vãos, e às vezes as crianças derrubavam a borracha no vão e tinham de ir rastejando buscar. E eram três salas divididas pelos quadros-negros. Não tinha parede.

Pergunta:
Uma ouvia a aula da outra?

Resposta:
Era horrível. Foi também aquele começo da escola nova, a gente fazia canteiros de flores, canteiros para plantar alface, alguma coisa. Foi uma fase até gostosa de trabalhar. Aí ingressei e o ingressão não era como hoje, que você ingressa na própria cidade. Talvez fosse até mais justo, porque você tinha um número de pontos e era classificada e saía o Diário Oficial com o nome de todas as escolas do Estado e você era chamada para escolher uma escola na Consolação. Era uma escola grande, tinha um anfiteatro, tinha a banca que ficava no palco e ia chamando os professores e você ia com a lista de escolas que você queria. E conforme ia saindo, você ia riscando, porque não tinha mais aquela. Quando acabava o município, eles diziam que em Santo André não tinha mais escola, São Caetano não tem mais escola. Eu fui e escolhi um lugar chamado Palmeiras, pertencia ao distrito de Lavínias, que pertencia a Cruzeiro, era na divisa com o Rio. E lá eu fiquei um ano e meio. A escola era num lugarejo pequeno, tinha a igreja, bem distante um posto médico, no alto do morro uma delegacia, atrás da igreja tinha uma casa onde morava uma das professoras, tinha um armazém, um açougue e meia dúzia de casinhas. E lá, eu que vim da cidade, saía às 5:00h da manhã, tinha de tomar o caminhão de leite, porque ele ia largando e pegando os latões de leite. Ao meio-dia a gente voltava com a condução que desse. Eram 11 km da cidade. Voltava de caminhão de pedra, às vezes na cabine. Uma vez passou um caminhão com um defunto, e a gente vinha junto, com porco. Se chovesse, o caminhão não passava, então a gente vinha a pé mesmo. Levava quase três horas.

Pergunta:
E nessas condições o meu avô deixava você ir trabalhar?

Resposta:
Deixava. Ele queria muito que todo mundo fosse professora, então a gente tinha de ir. A sua tia Tereza foi para uma fazenda e ficou lá quase um ano. A gente enfrentava tudo isso. A carona que passasse a gente pegava. Até que voltei para o Carlos Garcia, mas aí Camilópolis já tinha se desenvolvido mais e tinha uma escola nova. Fiquei um pouco no Carlos Garcia, depois pedi transferência para a Ermínia Lopes Lobo, e fiquei uma porção de anos lá. Sempre que eu podia, eu pegava primeiras e segundas séries, porque eu gostava de alfabetização. Houve uma época que começaram os problemas nas escolas, começaram a diminuir o número de classes, de alunos, então os últimos professores que chegavam, ficavam com o que eles chamavam de adidas. Não tinham sala, mas não eram efetivos. Eles colocavam na delegacia, na secretaria da escola ou se eu quisesse, podia escolher qualquer escola. Como nunca gostei do trabalho burocrático, eu preferia ir para a escola. Eu corri um monte de escolas. A primeira era afastada, quando chovia, você subia de quatro para chegar lá. Aí eu fui para o Gabriel Oscar, depois fui para o Parque das Nações, no grupo da Rua Alemanha, depois fui para o João XXIII, onde fiquei um bom tempo e depois voltei para a Ermínia. E fiquei lá até aposentar.

Pergunta:
A senhora chegou a trabalhar com a vovó na Ermínia?

Resposta:
Cheguei a trabalhar junto.

Pergunta:
Como era?

Resposta:
A gente trabalhava em períodos diferentes. Ela gostava de terceira e quarta e eu trabalhava com a primeira e segunda.

Pergunta:
E as greves dos professores?

Resposta:
Das greves, eu participei muito. Nessas greves a gente entrava de cabeça. Eram organizadas pelo CPP. A gente se reunia em Santo André, e as igrejas davam apoio. Lembro de uma das greves que a gente teve mais apoio, eu trabalhava no Parque, havia reunião na Igreja do Bonfim, os professores iam e todos participavam da greve e a gente conseguia sempre alguma coisa. Fazíamos passeatas e eram greves feitas mais por professores mesmo. Eram os professores e diretores que organizavam, porque todos entravam em greve. De uns anos para cá achei que a greve ficou..., era uma greve mais política, para a política de sindicato. Então já ficou mais diferente. Essas greves, a gente só voltava da greve quando conseguia alguma coisa. E como eram todos professores, diretores participavam, até os supervisores participavam, a gente tinha mais sucesso. Ultimamente mudou a escola, mudaram as necessidades sociais, a sociedade mudou e acho que agora a greve já é uma coisa que não funciona mais. Você fazendo greve, às vezes você até faz um trabalho político que dá a impressão de uma coisa manejada. O próprio governo parece que quer que haja essa greve. Não são como as primeiras greves, dos anos 70, 80. Mudou. Não dá mais para fazer greve. O trabalho do professor tinha de ser político, dentro da sala de aula.

Pergunta:
E como você administrava a casa, os filhos e o trabalho?

Resposta:
A gente tinha mais facilidade naquele tempo, porque a gente tinha mais facilidade de ter empregada. A gente tinha empregadas que eram mais dedicas. Não era como hoje. Não é que elas não sejam dedicadas hoje, mas era mais fácil você arrumar alguém que ficasse na sua casa, que dormisse na sua casa, que ficasse lá, porque não havia tantas opções de emprego. Quem tinha menos estudo ia ser empregada doméstica e parece que era mais fácil de a gente trabalhar, manter a casa e cuidar das crianças. Era uma outra época, um outro período. Você inclusive ganhava bem, porque quando ingressei eu ganhava muito bem. Ingressei eu, o delegado de polícia e o promotor e eles brincavam que eles iam casar com a gente e iam pescar porque a gente podia manter a casa. Eu ganhava mais que o delegado de polícia e um pouco menos que o promotor. O ordenado era muito bom e você podia pagar melhor uma empregada e dava para você manter a casa. Agora, não é fácil você manter casa, emprego, cuidar de filho. É complicado.

Pergunta:
Quatro filhos?

Resposta:
Tive quatro. Aí fui fazer pedagogia, então era mais corrido, porque eu lecionava de manhã, cuidava da casa à tarde, estudava e fazia pedagogia à noite. Eu fui fazer pedagogia porque veio uma lei que quem tivesse pedagogia tinha um acréscimo no ordenado. Todo mundo foi fazer. Eu fiz na Senador Fláquer, uma escola que não era muito conceituada, mas fiz um curso muito bom. Nós tínhamos professores da USP. Eu me formei em 1974, e entrei em 1972. A gente tinha excelentes professores. Foi um curso muito bem feito, porque peguei um grupo que gostava de estudar. E nunca pensei em ir para essa área. Quando me aposentei, em 1983, naquela época, se você quisesse, você podia continuar com a sala até o fim do ano. Eu continuei. No ano seguinte o diretor falou comigo e fiquei como substituta, que hoje são as estagiárias. Eu trabalhei com classe especial até setembro. Em setembro a professora da classe especial não conseguiu mais licença para fazer curso, ela voltou, eu deixei e fui trabalhar, uma amiga pediu para eu substituí-la na Escola Anchieta, para dar aula de didática. Em 1985, eu me inscrevi novamente para trabalhar com classe especial, porque queria fazer um curso. E apesar de ter alguns pontos, não consegui pegar, eu voltei para zero ponto, porque a gente volta tudo, para o curso de magistério. Eu ia embora e não saía. Aí umas amigas minhas do Américo e uma das supervisoras, a Maria Imaculada, que era professora de história da educação na Faculdade São Bernardo pediu para esperar. E no fim sobraram as aulas e peguei em 1985 e não larguei mais. Só larguei agora, 15 dias atrás. Trabalhei até 10 de junho deste ano.

Pergunta:
Faça um balanço de quase 50 anos de profissão.

Resposta:
São 47 anos. Eu acho que quando a gente gosta do que faz, a gente não vê o tempo passar. Eu nunca fiquei esperando aposentadoria, até o contrário. Quando me falavam em aposentadoria, me dava até um frio na barriga. Eu ficaria até mais um pouco. Eu pedi porque o curso normal terminou. É o último ano que tem em Santo André, no Celso Gama e é só o quarto ano que tem, e o quarto ano acaba e eu perderia tudo, porque você aí é desligada do Estado e você não sabe se eles vão deixar usar os pontos, e pedi a aposentadoria com 20 anos de serviço. Pedi por idade, porque tinha direito. Mas eu acho que daria mais um pouco. Você não vê artista pedir para aposentar. Quando você gosta do que faz, o tempo passa e eu nem senti esses 47 anos. Foram anos muito gostosos, que a gente aprendeu muito com os alunos. A gente cresce muito no convívio com eles. Foi muito bom.

Pergunta:
Para fechar o seu depoimento, a senhora gostaria de deixar alguma mensagem, falar alguma coisa?

Resposta:
Eu acho que a vida mudou muito, mas alguns princípios permanecem eternos, como você ser comprometida com o que você faz, o respeito por outro ser humano. Essa ética humana é uma coisa que acho que nunca vai poder acabar. E a gente viver mesmo cada etapa da vida da gente bem vivida, porque cada etapa tem seus encantos, suas coisas boas, suas coisas negativas, mas acho que a gente tem de viver e aprender com o que a gente vive, porque são os próprios erros da gente que constróem a vida nossa vida. A gente só melhora quando a gente percebe o que não está bom e a gente procura consertar. Eu acho que todas as etapas da vida devem ser bem vividas, devem ser bem aproveitadas. E para quem está estudando, que pretende ser professor, trabalhar na área de educação, ainda acredito que a educação pode mudar muita coisa. A única coisa que muda mesmo, de verdade, é a educação. É uma mudança lenta, mas acho que é a única que traz uma mudança para um país, para uma sociedade.

 



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