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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Cecília Cavinato

  • Nome: Cecília Cavinato
  • Gênero: Feminino
  • Data de Nascimento: 25/06/1946
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: Santo André (SP)
  • Profissão: Professora

Biografia

Cecília Cavinato morou sempre em SAnto André. Em 1964 trabalhou na indústria Rhodia e depois como professora.





Depoimento de Cecília Cavinato gravado em 31/07/2003

Depoimento de Cecília Cavinato, 57 anos.

Universidade de São Caetano do Sul, 31 de julho de 2003.

Núcleo de Pesdquisas Memórias do ABC

Entrevistadores: Vilma Lemos e Eleonora Chagas Mendes.

Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincertato e Márcio Pincertato

Pergunta: Fale do local e data de nascimento.

Resposta:

Santo André, em 25 de junho de 1946.

Pergunta: Fala um pouquinho da família, da formação familiar, dos pais, das brincadeiras da infância...

Resposta:

Eu nasci no local onde moro até hoje. Não tive a oportunidade de me mudar nunca. Então a memória é assim, do dia. Parece que eu sempre estive lá; parece, não, eu sempre estive lá. Eu tenho uma memória a partir de uma determinada idade. Minha infância foi pobre, uma infância feliz, uma infância de muita brincadeira de rua, uma infância de criança solta, criança que brincava em quintal, com o que tinha na mão, com o que se achava no quintal. Não havia brinquedo, não havia televisão, havia um rádio que ficava numa cômoda, e meu pai sentava e eu ficava tentando meu pai. E ele ficava ouvindo o programa de esporte. Palmeiras, essas coisas. E eu brincava.

Pergunta: Quantos irmãos?

Resposta:

Nós somos quatro. Eu sou a mais nova, a única andreense. Todos vieram do interior.

Pergunta: Seu pai é do interior?

Resposta:

É. Meu pai é de Jaú e minha mãe também.

Pergunta: Escolheram Santo André por quê?

Resposta:

Eu tenho impressão que os meus tios mais velhos que meu pai vieram anteriormente a ele. Ele veio para sair da roça mesmo.

Pergunta: Ele veio trabalhar em indústria?

Resposta:

Isso.

Pergunta: Que indústria?

Resposta:

A primeira indústria, eu não me lembro mais. Acho que era em São Caetano. Ele ia a pé para lá, acho que é a Laminação Nacional de Metais. Eu tenho uma memória apagada demais. Ele trabalhava lá. Eu lembro que minha mãe comentava que ele ia a pé.

Pergunta: De Santo André para São Caetano?

Resposta:

Isso.

Pergunta: Seu sobrenome é Cavinato. É italiano?

Resposta:

Italiano.

Pergunta: Seu pai era italiano?

Resposta:

Meu pai é o único filho brasileiro da minha avó. Os meus tios todos são italianos.

Pergunta: Você teve contato com esse mundo de italianos?

Resposta:

A minha avó morou com a gente. Quando ela morreu, eu era muito criança, nem lembro dela. Era uma senhora muito enrugada e depois, no final da vida, ela ficava só deitada. Minha mãe que cuidava dela.

Pergunta: Não tinha história, não contava história? Outros tios também?

Resposta:

Não. O meu pai ela via muito pouco. Meu pai era assim, eu acho que eu puxei para ele. Meu pai não falava quase nada. A gente sabe mais do caráter dele do que ele possa ter contado dele. Pelo que a gente percebeu, a vida dele foi só trabalhar. Então em casa, quem era a boca era a minha mãe. Meu pai era o ouvido. Era ela quem falava, era ela quem educava, era ela quem pegava no pé da gente. E ele era, ficava assim, mais como um protetor mesmo da casa.

Pergunta: E seus avós vieram?

Resposta:

Só minha avó.

Pergunta: Sua avó. Como imigrante?

Resposta:

Não, meu avô veio também, mas ele morreu e meu pai não havia nascido ainda. Minha avó estava ainda grávida do meu pai.

Pergunta: E vieram para trabalhar na lavoura de café?

Resposta:

É.

Pergunta: E ficaram em Santo André?

Resposta:

Meu pai veio para Santo André. Eu não sou muito boa de matemática não, mas eles ficaram na lavoura mesmo, em Santo André.

Pergunta: Cecília, fala um pouquinho da sua escolaridade. Você nasceu em Santo André, não é? Como foi a escolarização? Onde foi?

Resposta:

Eu estudei, hoje chama. Escola Estadual Professor...

Pergunta: Onde?

Resposta:

Na Vila Príncipe de Gales. No meu tempo chamava Escola ... É... Escola Dom Jorge XV, e tem uma história essa escola, em homenagem a essa pessoa da realeza lá da Inglaterra, que eles tinham o Sítio Tangará, onde hoje funciona a Fundação Santo André. Eles tinham ali uma casa, uma chácara, de estilo de um sítio, e esse pessoal da realeza veio e eles fizeram essa praça Dom Jorge XV. Eles fizeram a praça com o nome dele e a escola na praça com o mesmo nome, e a gente estudava na Diocese. Naquela época a gente parava. E os alunos eram levados para a escola,  era o grupo escolar de Santo André, da primeira a quarta série e exame de admissão entre a Escola Industrial Júlio de Mesquita.

Pergunta: Como era isso? Essas escolas eram afastadas. Como vocês iam? Sozinhas, em grupo, acompanhadas pelos pais?

Resposta:

Sozinha.

Pergunta: Quantos anos? Sete anos, oito?

Resposta:

Com sete anos entrava numa escola desse tipo.

Pergunta: Como era a configuração da cidade, o seu trajeto? Que trajeto você fazia? O que você observava? Como era Santo André?

Resposta:

Eu moro numa rua que liga o bairro à cidade. Hoje ela é muito movimentada, mas na época passava um ônibus descendo o bairro para o centro, a estação de trem, um de manhã, e aí subia à tarde. Rua de barro.

Pergunta: Então não havia perigo para uma criança sozinha ir para a escola. Quanto tempo você caminhava até essa escola?

Resposta:

Não era muito distante, não. Escola de primeira e segunda série, com ginásio de primeiro e segundo ano, eram uns dez minutos. Ia uma turma.

Pergunta: Depois da quinta série no Júlio?

Resposta:

No Júlio de Mesquita era o ginásio. Hoje é de quinta à oitava, antes era de primeira à quarta série. Naquele tempo o curso era integral, nós passávamos o dia na escola.

Pergunta: E os irmãos, os outros, também estudavam?

Resposta:

Não. Eu tive uma irmã que completou depois de adulta o curso primário, fez supletivo aqui do segundo grau e parou.

Pergunta: E por que seus irmãos não estudaram?

Resposta:

Eles foram assim, levados ao trabalho. Não havia assim necessidade... Se eles não trabalhassem, a gente passava fome, não era essa a necessidade, mas acho que era assim, não tem uma perspectiva, vontade.

Pergunta: Quem te levou à escola de escolarização mais plena foi a mãe, foi o pai ou foi você?

Resposta:

Não havia assim um incentivo para eu estudar, o incentivo que a minha mãe dava era quase nenhum. E eu falei: Eu quero ser alguém na vida. Queria estudar, e ela aí não impediu e ficou de facilitar.

Pergunta: E você fez faculdade logo depois ou foi muito depois?

Resposta:

Foi muito.

Pergunta: E você já estava casada, não estava?

Resposta:

Não, não. Eu nunca fui casada, não. Mas estava numa fase já madura.

Pergunta: Então você já tinha entrado no mercado de trabalho?

Resposta:

Já. Eu entrei no mercado de trabalho há muito tempo.

Pergunta: Quanto tempo?

Resposta:

Vai fazer, informal, por exemplo, não registrado tudo, sem nenhum comprovante faz tempo.

Pergunta: Quanto tempo?

Resposta:

Quando eu saí da Júlio de Mesquita, no ginásio, eu falei: Vou trabalhar. E a minha irmã conseguiu me colocar num escritório de advogados. Ia atender telefone, arrumar os papéis, arrumar tudo. E ele perguntou se eu ia estudar e em que horário. Eu falei que eu não ia estudar porque eu ia trabalhar. Ele falou: De jeito nenhum, você vai estudar. E praticamente ele me forçou. Começou a me levar atrás de matrícula, e por coincidência fui fazer o curso e comecei.

Pergunta: Isso era fácil? O que você ganhava era o suficiente para isso e mais alguma coisa pessoal ou ajudar a família?

Resposta:

Não ajudava em nada, mas...

Pergunta: E com essa vida um tanto quanto apertada, havia diversão, baile, cinema, paquera?

Resposta:

Eu comecei a namorar um rapaz e a gente namorava em casa, em cinema

Pergunta: O namoro era em casa?

Resposta:

Era. A gente só ia ao cinema e à missa, na época era isso o que a gente fazia.

Pergunta: Que tipo de cinema, que filme passava? Em que cinema vocês iam? Era em São Paulo, era conhecido?

Resposta:

Cine Tangará, em Santo André.

Pergunta: E ir ao cinema era um evento?

Resposta:

Ir ao cinema era. Para você ter uma idéia não se entrava sem paletó e gravata. E eu me lembro que tinha luva, chapéu. Era um evento ir ao cinema, ia de luva, chapéu, salto alto, meia de seda. Os rapazes iam de gravata, paletó.

Pergunta: Havia sessões separadas? Havia sessões só para homem?

Resposta:

Se havia agora eu não lembro.

Pergunta: O que passava? O que você lembra de cinema que te marcou, de artistas, de filmes?

Resposta:

Nome de artista, nome de autor de livro eu não lembro. Mas eu lembro alguns filmes. Como é o nome? Italiana, O Dia do Esquecimento, tem O Exorcista. Há outros também, outros que não marcaram tanto.

Pergunta: Essas sessões inteiras, as pessoas freqüentavam, lotavam? As pessoas iam como um programa?

Resposta:

Eram.

Pergunta: Além disso, baile, você freqüentava, não freqüentava?

Resposta:

Eu freqüentei baile, pró-formatura, a minha formatura.

Pergunta: Como eram seus bailes?

Resposta:

Eu não sei como é hoje. Eu só fui nesse baile da minha formatura, não foi nada chique nem bonito, mas foi um baile de formatura.

Pergunta: Tinha condução ou ia a pé também?

Resposta:

Tinha condução.

Pergunta: Fala um pouquinho disso, como a mulher nessa época namorava? Como era isso, namoro. Depois fala um pouquinho de política, se teve alguma interferência política ou reflexo político na sua vida de adolescente? Já entra um pouco na adolescência.

Resposta:

Na adolescência, namorei, nem lembrava mais. Namorei, mas era um rapaz da Igreja. Eu era Filha de Maria e ele também, e nessa época o namoro era acompanhar da Igreja em casa e quando você já estava há algum tempo vindo da igreja para a casa, da igreja para a casa, aí pegava na mão, depois punha a mão no ombro, depois vinha quase num ano um beijo e depois casava.

Pergunta: Acabou?

Resposta:

Acabou, acabou o namoro com esse adolescente.

Pergunta: Artifício político?

Resposta:

Olhe, eu até vi sabe...

Pergunta: Por quê?

Resposta:

Quando eu comecei a faculdade, eu não sei se as provas de vestibulares, elas poderiam ser examinadas por alunos. De repente eu estou aqui como caloura e nova na faculdade, nunca tinha freqüentado faculdade, e sou convidada, do nada, a participar de uma reunião e uma reunião só de estudantes, e eu tinha uma noção muito vaga do golpe, eu sabia alguma coisa dessas atividades e essa faculdade eu acho que era muito..., antes de eu ser caloura, trabalhava em serviço social.

Pergunta: Mas você fez serviço social?

Resposta:

Eu não terminei. E nessa faculdade me convidaram para fazer parte da reunião e eu fui. Eu tenho impressão que essas reuniões aconteciam em São Bernardo e eu era novata, não conhecia nada. Lá havia, acho que no segundo ano estava começando a despertar, a saber alguma coisa sobre a política de ensino que estava acontecendo, ter mais informações. E de repente eu via um comportamento de estudantes, que eram agressões, aquelas anarquias. Eu não concordava muito, censurava um pouco esse tipo de entendimento dos jovens. Ia lá no pátio, que dava para os fundos da faculdade, a gente andava, ouvia tiros, isso na Praça da República.

Pergunta: Isto você vivenciou com esse grupo de estudantes?

Resposta:

Não, eu não. Eu ia às reuniões e eles falavam do que acontecia dentro das faculdades. A reunião era com vários alunos, de várias faculdades. E eles discutiam coisas muitas vezes pesadas e eu, eu não tinha esse costume. Mas alguma coisa meio de rebeldia muitas vezes eu fazia, como passeatas, na greve dos metalúrgicos eu ia.

Pergunta: Você a essa altura já tinha saído do emprego lá no advogado?

Resposta:

Com certeza.

Pergunta: Que outros empregos, profissionalmente como você foi se engajando em outros empregos?

Resposta:

Foi assim, o advogado foi praticamente assim, foi como um pai porque fez com que eu estudasse e fizesse magistério. E me ofereceram serviço de caixa em uma loja, e eu fui. E fui para o período noturno, trabalhando de dia na loja, de caixa, e depois nesse curso noturno, o noivo de uma colega de classe trabalhava na Seleção de Pessoal na Rhodia, eu precisava, e perguntava quem queria trabalhar na Rhodia e negócio de salário, então eu fui.

Pergunta: Nesses outros empregos continuava sem registro?

Resposta:

Sim, não tinha registro legal.

Pergunta: Então conta para a gente da experiência na Rhodia.

Resposta:

Na Rhodia foi assim: entrei na seção que planejava a fabricação. Eu nem sei direito explicar, porque eu fiquei pouco tempo lá nesse planejamento. A gente determinava para cada funcionária a carga horária que ficava nas máquinas, em quais máquinas elas iriam trabalhar durante aquele dia. O fechamento era diário, e quais fios elas iam colocar na máquina. Era muito simples o serviço.

Pergunta: A sua função era de planejar?

Resposta:

Planejar para cada funcionária as máquinas que elas iriam operar.

Pergunta: Enquanto isso você parou de estudar, ainda continuava estudando, ou já tinha terminado?

Resposta:

Eu comecei trabalhar, já estava no segundo ano de condicionamento, e trabalhei mais um ano nessa seção. Depois a Rhodia tinha uma política de aproveitar o pessoal para outras funções e eles falaram que eu devia mudar. Aí aplicavam testes psicológicos. Eu já fazia cursinho.

Pergunta: Já tinha quantos anos?

Resposta:

Na faixa de uns dezenove anos, foi em 1964.

Pergunta: Dezoito anos?

Resposta:

Eu fiquei lá uns quatro anos.

Pergunta: Trabalhou quatro anos e saiu?

Resposta:

Saí.

Pergunta: Por quê? Não era bom o ambiente?

Resposta:

Era ótimo. Eu gostava demais. Eu ganhava, ganhei bolsa para fazer Aliança Francesa e fiz Aliança Francesa uns anos, aí eu vou estudar e saio. Era assim, era muito fácil de sair e entrar num emprego. Você não quer mais, sai. Ofereceram emprego e eu falei: Não, porque eu vou ganhar menos do que eu ganhava? Então não vou! Depois que eu saí da Rhodia, me ofereceram emprego na G.E. Eu acho que eu ganharia umas migalhinhas a menos só, eu não quis. Não quis. Depois me convidaram para trabalhar na ISA, Indústria de Metais. Lá eu fui ser secretária. Fui secretária lá até 1982.

Pergunta: Havia discriminação em relação à mulher que trabalhava como secretária? Tinha alguma queixa, algum: Ah, ela é secretária? Ou a mulher trabalhadora já era bem aceita?

Resposta:

Não tinha não. Inclusive a secretária de lá era assim ensinada, era uma senhora, tinha mais irmãs. Ela era secretária da diretoria, ela usava óculos que diminuíam o olho, então olhava assim... Inclusive eu era uma das mais jovens secretárias. Eu me lembro que não permitiam ainda que a gente usasse calça comprida, então eram umas secretárias, e lá era muito frio, perto do Tatuapé, então permitiam o uso de calça comprida.

Pergunta: E as mulheres que trabalhavam já nesse período tinham seus direitos respeitados? Quando ficasse grávida, era amparada, tinha Fundo de Garantia? Como era?

Resposta:

É, tinha o Fundo de Garantia. A gente fazia opção pelo Fundo de Garantia que era obrigatório. A discriminação era porque ela não era casada.

Pergunta: E foi amparada?

Resposta:

Sim. Ficar grávida solteira nessa época não era fácil.

Pergunta: E a família? Como via essa situação?

Resposta:

As mais próximas sentiam muito. Em casa eu própria comecei me sentir assim.

Pergunta: Era uma coitada?

Resposta:

Muito, e eu não me sentia bem porque era essa a palavra: uma coitada. E não era, não me sentia como coitada.

Pergunta: Cecília, depois dos tempos sindicais, as greves interferiram nesse estilo de vida? Havia movimentação? Você diz que era muito fácil, mas e as greves?

Resposta:

É, as greves começaram.

Pergunta: Você já não estava mais na indústria?

Resposta:

Não.

Pergunta: Como foi esse salto então, da indústria para a educação?

Resposta:

Saí da indústria...

Pergunta: Como foi isso, suportar essa situação?

Resposta:

A gente quando sai de uma firma... Então eu tive como me sustentar. E depois disso, eu acabei indo de um para outro trabalho.

Pergunta: Enquanto estava grávida, ao mesmo tempo?

Resposta:

Não.

Pergunta: E a mãe...

Resposta:

Eu saí da indústria em 1972 e em 1973 minha filha nasceu. E eu fiquei sem trabalhar para cuidar dela. Saí da firma sem estudar, sem trabalhar. Depois eu fui fazer outro curso, outra faculdade.

Pergunta: Naquela época tinha greve?

Resposta:

Então, em 80 teve greve em São Bernardo.

Pergunta: O que te levava a ir a essas? Você disse que acompanhou as greves. Era vontade de estar, presenciar e participar?

Resposta:

Algo dentro de mim falava que o que estava acontecendo com a história, com as pessoas, não estava certo. Era mais uma intuição.

Pergunta: Descreve um pouquinho para a gente uma tendência dessa. No meio disso tudo?

Resposta:

De ser incluída?

Pergunta: É, como se você fosse uma câmera fotográfica. Você estava lá, esteve lá e conta para a gente como era? Havia pressão?

Resposta:

É havia... Havia assim... Ameaça.

Pergunta: Você ia sozinha?

Resposta:

Eu ia sozinha. Então, aqueles helicópteros voando baixo. Eu olhava assim e via soldados com metralhadoras. Havia uma repressão muito grande. É esse tipo de repressão que internamente eu não aceito. Sabe, repressão.

Pergunta: E no magistério, como foram as greves?

Resposta:

É, já... Eu ia também... É, eu ia ao grupo. Eu nunca via assim uma repressão tão grande numa greve como eu vi na dos metalúrgicos. Contra os professores eu não participei.

Pergunta: E dos metalúrgicos, você tinha contato, conhecimento com alguns? Soube de alguns que tenham sofrido violência, desaparecido ou algo assim?

Resposta:

Não.

Pergunta: Fale um pouquinho para a gente da família, filhos. Como é viver essa jornada? Você tem quantos filhos?

Resposta:

Quatro.

Pergunta: Quatro. Então tem filhos, companheiro, emprego, estudo. Como é lidar com tudo isso?

Resposta:

Eu não ligo para esse problema. Agora parecia diminuir a preocupação, não me preocupar tanto, porque o marido é que faz essa parte. Só que agora tem minha mãe, e ela me chama de mãe: Mãe, mãe!, então meu dia começa às quatro da manhã. Eu começo já limpando a casa, quando dá meio dia eu paro...

Pergunta: Você se aposentou pela CLT ou pelo Magistério? Continua na jornada?

Resposta:

Minha jornada agora é minha mãe

Pergunta: Que razões levam uma pessoa, como você, a reassumir outra jornada?

Resposta:

As crianças. Uma delas na época... Com um salário ou de aposentada...

Pergunta: O que você pode dizer para a gente da cidade de Santo André, já que você é moradora de lá, sempre morou a vida inteira lá, das transformações dessa cidade? Da política, da configuração dela?

Resposta:

O centro de Santo André mudou muito. A Praça IV Centenário, onde tem a Prefeitura, teve uma festa, o chamamento da população para a inauguração da Praça, eu era pequena. Eu me lembro que meu pai me colocava nos ombros para poder enxergar. E do centro, o que mais me lembro assim do meu pai foi isso daí, depois eu me lembro do Júlio de Mesquita, da Rua Oliveira Lima. A cidade era horizontal, não havia prédios, eram casarões, na Rua Campos Sales, a Igreja Matriz, a Igreja Nossa Senhora de Fátima. Eu me lembro do Posto de Saúde Nacional perto da Igreja (Risos).  Um dia eu saí de casa às sete horas da manhã a pé para tomar o trem. Eu me lembro, mas eu não sei muito.

Pergunta:  Cecília, você doou ouro para o bem do Brasil?

Resposta:

Minha mãe. Tinha tudo o que era anelzinho e acho que nem tinha nenhuma aliança.

Pergunta: E o movimento das Diretas Já!, Fora, Collor, como isso bate num educador, bateu em você?

Resposta:

Não participei muito das Diretas Já.

Pergunta: Você sentia que estava mudando alguma coisa, ou estava tão envolvida no cotidiano que também foi uma coisa que passou?

Resposta:

Não me envolvia assim. Era mais nas entranhas, sabe, que a gente sentia as coisas, que manifestava assim.

Pergunta: Hoje você tem alguma participação política em movimentos sociais ou mesmo no terceiro setor, além de lecionar?

Resposta:

Não.

Pergunta: Para eu finalizar, eu gostaria que você deixasse uma mensagem para os jovens, para as futuras gerações, que gostaria que repercutisse para o futuro deles, alguma coisa assim.

Resposta:

Houve uma história de um homem do Nordeste..., trabalho à noite, e no sertão, no escuro, ele e o cão. E o cão caiu num buraco não muito grande, tinha que sair, mas ele não conseguia tirar o cão de lá de dentro. Tentou de todas as formas, mas nada respondia para que ele pudesse tirar o cão de lá de dentro. E passando um outro, outra pessoa falou: O que é que aconteceu? Ele falou: O bicho está aí dentro do buraco e não sei tirar! Ah, eu não sei mesmo como você vai tirar. Você sabe que é melhor você pegar uma pá, melhor você jogar terra, assim acaba com a vida do bichinho de uma vez. Enterra o bicho! Aí ele começou a jogar uma pá, duas pás de terra, de areia, e quando ele percebeu, o bicho sacudia tudo e subia em cima do que ele jogou. Ele falou: Mas que coisa! Eu não consigo matar esse bicho nunca! Eu não consigo enterrar! E jogava mais. E outra pá, e mais outra, e o bicho chacoalhava e subia em cima. E de repente ele percebeu, depois de não sei quantas pás jogadas, que o bicho já estava quase fora porque o bicho sacudia a poeira e subia em cima e conseguia sair fora, então sacudia a poeira arrebanhada lá dentro do buraco. Eu acho que com a gente, a gente leva muitas pás da vida também. A vida joga a gente dentro do buraco, mas a gente sacode a poeira, dá a volta por cima, e sai dessa. E até com Deus a gente não pode desistir, porque Deus pode viver, e a gente sente, mas não é definitivo, e ainda que os jovens saibam que a vida não é só rosas, flores, ela também dá algumas facadas na gente, e a gente tem que cair para poder levantar.



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