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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Dalila Teles Veras

  • Nome: Dalila Teles Veras
  • Gênero: Feminino
  • Data de Nascimento: 02/07/1946
  • Nacionalidade: 136
  • Naturalidade: Funerhal - Ilha da Madeira
  • Profissão: Escritora e editora

Biografia

Dalila Teles Veras mora em Santo André. è proprietpária da editora e livraria Alpharrabio. Atuou sempre nos movimentos culturais e literários da região do ABC. Escreveu e publicou diversos livros.





Transcrição do Depoimento de Dalila Teles Veras em 05/07/2005

Depoimento de DALILA TELES VERAS, 59 anos.

Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 05 de julho de 2005.

Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC 

Entrevistadores: Vilma Lemos e Olga de Fávaro.

Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.

 

Pergunta: Por favor, comece pela data e local de seu nascimento e fale um pouco da sua infância.

 

Resposta:

Nasci em Portugal, em Funchal, Capital da Ilha da Madeira, permaneci lá até os 12 anos de idade, quando imigrei para o Brasil com meus pais. A minha infância foi como? Nasci em 2 de julho de 1946. Costumo dizer que sou um produto legítimo do pós-guerra. Meu pai serviu o exército na África Portuguesa durante três anos da Segunda Guerra Mundial. Portugal estava neutra naquela época, ele não participou da guerra, mas toda Europa estava em guerra e fui uma conseqüência do pós-guerra. Assim que meu pai voltou, casou-se e eu nasci imediatamente após o término da guerra. Então, talvez eu tenha nascido com uma certa inquietação pelo fato, primeiro, de ter nascido numa ilha. Dizem alguns estudiosos que os ilhéus são pessoas inquietas, que querem saber o que há do outro lado do horizonte. Talvez por conta disso meu pai, numa situação ainda difícil, imigrou primeiro, sozinho, para a Venezuela e depois para o Brasil, e em 1957 nós chegamos ao Brasil. Estava com 11 anos. Eu fiz todo o primário em Portugal, e a minha infância era comum, sempre olhando o mar, aquele ar líquido em volta e com uma certa fascinação, desde que me alfabetizei, pelos livros. Não vinha de uma família que tinha uma grande biblioteca, mas entrei em contato com os livros através de uma bisavó que morava conosco e que gostava de ler. É um fato curioso que sempre lembro com carinho, pelo fato de ela assinar folhetins, romances em capítulos, talvez as novelas modernas sejam uma seqüência disso, romances franceses traduzidos para o português e você assinava e recebia os capítulos, pequenos livros ou brochuras, e eu lia esses livros em segunda mão. Esperava minha avó ler para depois eu ler. Talvez o gosto pelos livros de segunda mão, com os quais eu lido hoje como profissional, venha daí. Lembro dessa fase como uma fase de descoberta da literatura mesmo, da poesia. Estavam muito presentes poesias nas trovas que a minha mãe dizia, ela gostava muito e recitava muitas trovas populares.

 

Pergunta: Você se lembra de uma?

 

Resposta:

Tenho uma memória péssima. Mas cheguei a editar um pequeno livreto chamado Trovas Populares Madeirenses, que foi uma recolha da memória da minha mãe. Ela recolheu da memória essas trovas e eu publiquei cerca de 150 trovas que ela tinha de memória. Essas trovas eram recitadas, muitas musicalmente, como fazem os cantadores no Brasil, nas festas populares, e eu participei de muitas festas populares em torno da igreja, muito interessantes, muito musicais, e hoje percebo que esse imaginário popular que eu ouvia tanto na minha infância faz parte da grande literatura portuguesa. É curioso. E me lembro de minha avó falando trechos de Camões e eu não sabia que era Camões. Talvez ela também não soubesse, mas ela falava da Nau Catanieta, de Inês de Castro. Isso virava lenda e era passado. Eu nasci numa sociedade em que havia uma tradição oral muito grande. Televisão não existia, eu não sou um produto televisivo, nunca me acostumei com ela. Então, a infância eram serões na porta, na calçada, no vitral, onde as pessoas conversavam muito. Eu trago da minha infância essa idéia da conversa e da literatura oral, que é uma coisa muito presente.

 

Pergunta: E como era essa escola na qual você foi alfabetizada?

 

Resposta:

Era uma escola, de dia inteiro. Eu terminei o quarto ano primário em Portugal e a gente ia às nove horas da manhã, voltávamos meio-dia, almoçávamos e tínhamos mais duas horas. Era uma alfabetização bastante abrangente e bastante rigorosa, já que a gente tinha a palmatória. Tenho um livro chamado Madeira, Continuo com Saudades, onde falo da palmatória. Eu era uma boa aluna, felizmente, mas cheguei a provar o gosto da palmatória. Era uma escola com muita disciplina, mas a qual, certamente, devo tudo o que sou hoje. Eu acho que ela me abriu para o mundo. Foi uma escola que me abriu para a literatura portuguesa. A minha formação foi portuguesa. Eu já vim para o Brasil contaminada pelo gosto da leitura.

 

Pergunta: Então, era uma escola de tempo integral deixava pouco tempo para brincadeiras?

 

Resposta:

Sim, mas como era perto da nossa casa, ainda havia o tempo. Havia as férias longas de verão, de três meses, que eu passava na casa dos meus avós, que ficava no interior da ilha. O interior significa 50 km, porque a ilha é muito pequena. Mas ela tem uma paisagem muito singular, então, ela ainda está na minha mente. A minha vista ainda está marcada por essa vista.

 

Pergunta: A sua vinda com a família, foi direto para cá?

 

Resposta:

Meu pai imigrou sozinho para a Venezuela, permaneceu, logo após a guerra. Logo após terminar a guerra ele se casou, eu nasci, meu irmão nasceu e dois anos depois ele imigrou para a Venezuela. Ficou lá 5 anos. Era o eldorado a América Latina naquela época. Ele não tinha emprego na Europa, era muito difícil, e ele veio em busca de novos horizontes e tal. Amealhou algum dinheiro, voltou, se estabeleceu lá, mas ficou muito pouco porque foi seduzido por alguns primos que estavam aqui e diziam para ele vir. E a reboque veio minha família toda, como era moda naquela época. Imigrava-se muito para o Brasil na década de 50.

 

Pergunta: E como foi, no seu imaginário de criança, vir para o Brasil?

 

Resposta:

É um choque total, um choque cultural grande. Eu vinha de um local muito pequeno, que para mim era grande, para criança tudo é grande. Aliás, esse choque, anos depois, quando voltei lá, percebi que a minha ilha era muito pequena e a ilha que eu tinha no imaginário era muito maior. Ao chegar aqui, viemos de navio, como todo mundo vinha naquela época, dez dias de navio, descemos no Porto de Santos, meu pai veio se estabelecer como comerciante, que ele já era em Portugal.

 

Pergunta: Foi em que ano?

 

Resposta:

Foi em 1957, no Navio Santa Maria. Descemos em Santos e viemos para São Paulo. O choque foi a Via Anchieta, subir a serra. Nunca havia visto uma estrada daquela, numa montanha daquela. Isso para nós que não temos montanhas na ilha, embora temos picos, mas não desse tamanho, depois a chegada ao planalto, naquela época o Brasil tinha não mais do que 50 milhões de habitantes, então você imagina o que era o Brasil, o que era São Paulo, comparando com o que é hoje, mas mesmo assim foi um choque cultural tremendo. Eu cheguei em novembro, no início do ano seguinte fui para a escola e foi outro choque. Tudo era novo, tudo muito diferente e me deu um grande enfado. Eu não queria ir para a escola.

 

Pergunta: Em que bairro vocês foram morar?

 

Resposta:

Eu me estabeleci na zona norte de São Paulo, no Bairro Santana.

 

Pergunta: Com a família?

 

Resposta:

Primeiro em casa de parentes, por seis meses, até meu pai construir uma pequena casa, onde permanecemos morando por 20 anos.

 

Pergunta: Ele veio fazer o quê?

 

Resposta:

Ser comerciante. Ele veio a se estabelecer como comerciante. Comprou um pequeno negócio em Santana, um imóvel, e era chamado secos e molhados, um armazém. E ali ele ficou até se aposentar.

 

Pergunta: E essa antítese entre o mundo cercado de água e o mundo cercado de prédios e muita gente? Como foi isso no seu imaginário?

 

Resposta:

Eu acho que isso acabou, talvez para quem escreva, alguém que se dedique a uma crítica genética ou algo semelhante, possa descobrir traços desse choque cultural em toda a minha obra, não só na obra poética, mas também na obra voltada para crônicas, que escrevi muito. Volta e meia esse choque cultural, esse ser internamente dividido, como identidade, que enfrento até hoje essa questão da identidade, ele marcou para toda vida.

 

Pergunta: Isso depois de você elaborar, escrever. Mas quando criança de 12, 13 anos, como ficava você e a ilha no seu imaginário?

 

Resposta:

A ilha passou a ser algo mais distante, porque o que eu ansiava era me igualar aos da minha idade. Primeiro foi o choque da língua. O português de Portugal não é mais o mesmo português do Brasil. Eu não falava igual aos meninos e meninas da minha idade. Então, com pouco menos ou pouco mais de seis meses eu perdi o meu falar português e ganhei um novo sotaque brasileiro. Era uma ânsia. A criança não quer ser diferente. Eu passei a querer ser brasileira muito rapidamente para poder me integrar à minha turma na escola.

 

Pergunta: E como você foi recebida pelos brasileiros?

 

Resposta:

Com muita curiosidade, mas isso me incomodava bastante. Havia risos e sopapos também. Cheguei às vias de fato no pátio porque me incomodava muito, e eu sempre fui uma pessoa muito passional, desde criança, então acabava me incomodando muito esse excesso de curiosidade. E vivíamos um período na década de 50 que não tenho uma boa recordação em relação aos imigrantes portugueses. A Televisão estava se instalando e havia muitos programas de rádio e televisão que utilizavam o português como ser muito inculto, muito burro mesmo, no sentido do conhecimento, e havia muitas piadas, eu ouvia muito na escola e isso me incomodava. Eu sofri o impacto da imigração. Para uma criança de 11 anos isso é um tanto quanto marcante. Depois isso vai se atenuando. O Brasil é um país tão magnífico e isso é um choque natural, mas eu me senti tão integrada depois que o fato de ser portuguesa estava nos hábitos culturais, nos pratos que a minha mãe fazia, e eu nunca deixei de ser propriamente portuguesa, mas me integrei perfeitamente à vida brasileira.

 

Pergunta: E seus irmãos?

 

Resposta:

Tanto meu irmão quanto minha irmã, que eram mais novos, pelo fato de serem mais novos, quatro anos de diferença a minha irmã de mim, não perceberam tanto. Eu já tinha mais percepção das coisas. Eles, com 6 e 7 anos, quando converso com eles não percebo que eles tenham uma memória desse choque tão presente em mim e não tão presente neles.

 

Pergunta: Dentre esses pratos que sua mãe fazia, essa tradição passou, que pratos eram?

 

Resposta:

Eu também faço. A cozinha portuguesa, principalmente a madeirense, é uma cozinha muito simples. O madeirense tem um gosto especial pelo sabor dos pratos quase que ao natural. A nossa comida não é muito condimentada. Então, é uma comida muito à base de peixes, uma espécie de caldeirada que se faz. Nós tínhamos peixes lá muito específicos, que não há aqui. O atum é um peixe que dá muito lá, e até hoje eu faço caldeirada de atum, legumes cozidos. A própria carne cozida. É uma culinária muito à base de legumes, verduras e peixes basicamente.

 

Pergunta: A que você deve essa taxação que os portugueses receberam na imigração, que eram pessoas que tinham menos conhecimento?

 

Resposta:

Eu acho que é, de alguma forma, verdadeira. As pessoas confundem a falta de sabedoria, ou confundem a falta de escolaridade com falta de sabedoria. Nem sempre uma pessoa que não tem escolaridade é burra. E o fato dos imigrantes, em geral, serem oriundos da zona rural, não só os portugueses, mas os italianos que vieram para cá, os japoneses que foram trabalhar na lavoura, eram pessoas que tinham pouca escolaridade. E talvez por esse choque, mostravam um certo desconhecimento do cotidiano brasileiro, e isso gerou uma série de piadas. Brasileiro gosta de fazer piadas, como se faz piadas de nordestino, o chamado baiano? Assim era com os portugueses. Hoje acho que isso está bem mais atenuado, ou talvez eu não perceba isso, não me incomode mais.

 

Pergunta: E por que não com os italianos? Será que era pelo sotaque?

 

Resposta:

Acho que é uma coisa de filho para pai. A língua mãe portuguesa e a língua filha brasileira. Parece que é um pouco de disputa de filho com o pai, alguma coisa de amor e ódio. E depois isso vai se misturando e não é mais perceptível.

 

Pergunta: Como era? Você ouviu a sua mãe reclamar ou seu pai de não ter gostado do Brasil?

 

Resposta:

Meu pai não, mas a minha mãe, diariamente, falava do arrependimento dela. Ela sofreu um grande choque cultural. Ela amargava mesmo e dizia para meu pai que foi um grande erro termos vindo. Imagine como era uma família com três filhos chegar aqui, até se estabelecer e obter um meio de vida! Foi quase um ano de tentativas e pouco meu pai trouxe, porque ele se desfez dos poucos bens que tinha, uma casa, um restaurante, um carro pequeno. Ele tinha com o que viver razoavelmente lá. Talvez por excesso de ambição, ou sonho, não sei o quê. Mas esse capital se desfez nesse ano de tentativas. Então, passamos a ter uma vida não tão tranqüila como tínhamos naquele momento. Depois minha mãe se adaptou, mas ela passou alguns anos se lamentando pelo erro que ela achou que meu pai cometeu.

 

Pergunta: Você trouxe alguma coisa querida e preciosa da ilha para cá?

 

Resposta:

Não. Passei a trazer essas coisas depois que voltei para lá. Acho que a criança não tem muito essa noção de memória, de guardar. Quando voltei lá, já adulta, com 24 anos, cheguei aqui com 11 anos e voltei com 24 anos, eu me dei conta da presença dessas raízes. Eu tenho pedras que trouxe, que ainda têm o cheiro do mar. Eu tenho muitas coisas portuguesas, que guardo com muito carinho, como marca das minhas raízes, mas da infância não.

 

Pergunta: A sua escolarização no Brasil, depois desse choque cultural, como foi?

 

Resposta:

Eu fiz apenas o segundo grau profissionalizante, secretariado e não prossegui porque eu precisava trabalhar, aos 16 anos, não porque passava fome, porque meu pai me sustentava, mas por uma necessidade de me emancipar. Aos 16 anos, com um curso de datilografia e um curso de secretariado, fui trabalhar em um escritório e com isso adquiri a minha independência, consegui me sustentar e não senti mais necessidade da escola. Havia empregos com muita facilidade na década de 60, muitos empregos. Primeiro eu trabalhei na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, primeiro num pequeno escritório durante um ano, depois na Federação das Indústrias durante quatro ano e recebi uma oferta para vir trabalhar numa indústria automobilística em São Bernardo, quando vim para o BC.

 

Pergunta: Descreva um pouco o trabalho, que tipo de trabalho era?

 

Resposta:

Eu era datilógrafa. Eu fiz um curso de datilografia, que era imprescindível para você arranjar um emprego num escritório. Era um curso longo, de muitos meses, onde você aprendia com máscaras o ditado. Você precisava ser uma exímia datilógrafa. Imagine fazer o que se faz no computador hoje, com sete cópias para emitir uma nota fiscal. Eu abri meu pulso, o que se chama tendinite hoje, eu já tinha na década de 60, sem saber que tinha esse nome. Na verdade, você precisava esmurrar uma máquina de escrever para todas as cópias saírem legíveis. Então, com esse curso, e o curso de estenografia, eu me sentia habilitada para trabalhar num escritório. Eu confesso que ganhava muito bem. Muitos universitários hoje não têm o salário que eu tinha em 1962 até 1964. Em 1966 eu vim trabalhar na que veio a ser a TRW, que na época era Ghener. Era uma indústria de peças automobilísticas, que fornecia para todas as indústrias. Eu vim já como secretária. Lá na FIESP eu entrei como datilógrafa e quando saí já era secretária de departamento. Eu fazia todas as funções de uma secretária, datilografava, tomava nota de relatórios, de reuniões. A estenografia me valeu muito. Hoje é uma coisa que é usada, as Câmaras hoje estão gravando, mas ainda existe a profissão de estenógrafa. A taquigrafia me ajudou bastante.

 

Pergunta: Você tinha registro?

 

Resposta:

Desde os 16 anos, sempre fui registrada.

 

Pergunta: Com todos os direitos?

 

Resposta:

Sim. Eu trabalhei em grandes empresas, primeiro na FIESP, esse primeiro escritório não me registrou, mas trabalhei 10 ou 11 meses nesse escritório de consultoria na Barão de Itapetininga. São Paulo era uma maravilha. A São Paulo que eu tenho na minha memória era uma São Paulo quase provinciana. Havia lá ainda uma confeitaria onde a gente tomava o chá das cinco, o chá do Mappin. Eu ainda presenciei uma São Paulo sem medo. Andava, uma menina de 16 anos perambulava pelas ruas a qualquer hora do dia, sem saber o que era perigo. Era uma São Paulo encantadora.

 

Pergunta: E quando você veio parar no ABC, como foi, da São Paulo provinciana, o ABC então?

 

Resposta:

O ABC era um lugar de trabalho. Eu nem sabia como era o ABC. A TRW ficava ali na saída da Via Anchieta, no km 21. Eu entrava ali e entrava na fábrica. Eu não circulava no ABC. O ABC era o lugar de trabalho e praticamente, até me casar, quando me mudei definitivamente para cá, eu desconhecia o ABC. Durante esses anos eu só trabalhava no ABC. Eu vinha de carro, entrava na fábrica e saía da fábrica, pegava a Anchieta e voltava para Santana.

 

Pergunta: Você tinha carro?

 

Resposta:

Eu tinha carro, mas vinha às vezes com carro, mas vinha numa condução. A empresa já tinha um ônibus que trazia os funcionários do centro de São Paulo para cá. Eu pegava um ônibus da minha casa até a Praça do Correio e um ônibus da empresa me trazia para cá. Mas já tinha carro. Aos 24 anos eu adquiri meu primeiro carro, com o meu salário.

 

Pergunta: As suas amigas tinham carros?

 

Resposta:

Poucos. Talvez por eu vir trabalhar numa indústria automobilística, pagava-se muito bem. Em pouco mais de um ano eu já consegui comprar um carro. Eu ganhava suficiente para começar a viajar. Aos 24 anos eu fiz minha primeira viajem à Europa, voltei à Madeira. Entrei aos 19 anos nessa multinacional e aos 24 já me permitia ter um carro zero quilômetro e ir uma vez por ano à Europa. Era um bom salário que tinha, sendo secretária e apenas com o segundo grau. Nunca me perguntaram que diploma eu tinha. Se você sabe fazer, a escolaridade não valia para o emprego no ABC. Valia a sua competência de exercer ou não a função a que você se propunha. Eu tinha um chefe que era húngaro, falava mal o português e ele precisava de uma secretária bilíngüe. Eu tinha feito um curso de inglês na Fisk, em São Paulo, tinha feito o curso completo. Tinha um inglês razoável, mas era aprendido na escola, não era fluente, mas escrevia bem e quando ele me chamou para ser secretária dele, ele era gerente de vendas, ele me disse que precisava de uma secretária bilíngüe. Falei que não me considerava bilíngüe porque meu inglês era tosco e o meu português eu garantia porque eu já lia muito naquela época. E o português, o pouco que sei, eu devo ao meu curso primário e à minha leitura. Eu lia muito. Esse chefe disse que precisava do meu português, porque o inglês que ele tinha era suficiente. E assim foi. Eu galguei vários postos, subi junto com essa pessoa, que tenho ótima recordação, um jovem gerente, de 28 anos, que também não tinha o curso superior e que veio da Hungria saindo da Segunda Guerra, e galgou o cargo de presidente dessa indústria aos 30 anos. Era um homem brilhante. Então, era preciso algum talento para a tarefa que você se propunha e muito empenho. Eu acho que isso eu tive. Eu permaneci nessa indústria quase dez anos, trabalhando como secretária júnior e depois como secretária de diretoria. Foi uma carreira muito interessante. Larguei a minha carreira no ápice, para ser mãe e me casei em 1972 com um brasileiro, advogado, que estava saindo da Faculdade de Direito de São Bernardo, Valdecir Teles Veras. Emprestei dele os dois sobrenomes, não abri mão dos meus dois, mas emprestei dele, porque apaixonada como estava, foi uma pessoa que mais incentivou a minha carreira literária e, em tributo a esse incentivo, usei literariamente os dois sobrenomes dele. Eu me casei e ele estava já estabelecido como advogado em Santo André e eu trabalhando em São Bernardo, resolvi morar aqui. Compramos um apartamento em Santo André, em 1972 e de Santo André não saí mais até hoje.

 

Pergunta: E como era o cenário cultural do ABC?

 

Resposta:

Não sei. Eu trabalhava na indústria e saía de casa às sete da manhã e voltava às sete da noite. Eu mal tinha tempo para o marido. Eu não freqüentava o ABC. Nos primeiros anos de ABC eu não sei como era o cenário cultural. Eu começo a me interessar pelo cenário cultural do ABC na década de 80. Nos primeiros oito anos, eu trabalhando numa indústria, não tinha tempo para me dedicar. E ainda estava muito presa a São Paulo. Meus pais viviam em São Paulo e ia toda semana, todo final de semana, eu ia ao teatro, ao cinema, ao cabeleireiro. Passei esses primeiros anos de ABC só dormindo e trabalhando no ABC. E o lazer era todo em São Paulo. Nos primeiros anos de ABC eu não vivia aqui, só dormia e trabalhava.

 

Pergunta: Você veio para uma região de indústrias trabalhar numa indústria. E as greves, você presenciou?

 

Resposta:

É um outro capítulo no qual estive muito ligada. Tenho uma memória muito presente do teatro de Santo André. Devo dizer que culturalmente eu não vivenciava a vida cultural, mas o teatro vivia um momento de exuberância cultural na década de 70.

 

Pergunta: Mas você não teve essa vivência?

 

Resposta:

Tive. Sempre gostei de teatro. Nós tínhamos grandes peças aqui, estreadas nacionalmente em Santo André e depois elas iam para São Paulo.

 

Pergunta: Você participou?

 

Resposta:

Assisti a várias. Para você ter idéia, assisti a peças do porte de Coriolano, com Paulo Autran, que foi uma peça que marcou época, Sonho de uma Noite de Verão, uma grande montagem da época, O Homem Vilamancha, com Paulo Autran e Bibi Ferreira. Nós tínhamos uma proposta cultural em Santo André e eu desconhecia as demais atividades, não me era possível acompanhar a vida cultural. Mas no Teatro Municipal assisti a grandes peças. Eu me lembro, está muito presente na minha memória o teatro. Fora isso não me lembro de mais nada da vida cultural.

 

Pergunta: Você falou do Teatro Municipal de Santo André. Tinha um grupo que dominava o teatro, que era o GTC. Você se lembra?

 

Resposta:

Hoje sei do GTC pela literatura publicada do GTC. Mas eu não acompanhava o GTC. Mas há uma coisa curiosa. Eu tinha um amigo, em São Paulo, Roque Cruz, que tinha relações com o jornal de Santo André, e sabendo que eu gostava de escrever, nessa época eu já escrevia para jornais escolares, por exemplo, na Fisk eu escrevia no jornalzinho de lá alguns poemas e crônicas, na empresa, na FIESP cheguei a criar o jornal interno dos funcionários. Sempre tive uma vontade de me comunicar literariamente. Esse amigo perguntou se eu não queria fazer uma coluna para o jornal semanal ou quinzenal do ABC, que se chamava Folha do ABC. Eu escrevi por dois anos uma crônica chamada Entre Aspas, para esse jornal do ABC, sem nunca ter ido à redação, sem conhecer o diretor. Eu mandava simplesmente por esse meu amigo e saía o jornal publicado. Eu não tinha uma vivência cultural, mas escrevi para esse jornal por quase dois anos.

 

Pergunta: A que razão você atribui essas grandes montagens teatrais ocorrerem com estréia no ABC e em Santo André principalmente?

 

Resposta:

Pelo seguinte fato. O Muller Paiva e Silva, à época Secretário de Cultura de Santo André, o nosso teatro era novinho em folha, porque foi inaugurado no final da década de 60, então, em 1972, quando me mudei para cá, tínhamos um dos teatros mais modernos de São Paulo, com três palcos móveis, uma acústica maravilhosa e esse cenário era cobiçado, esse teatro era cobiçado pelas companhias teatrais de São Paulo. E a proposta era uma política cultural do Muller de inserir Santo André no roteiro cultural de São Paulo. Ele era muito ousado e tinha ótimos relacionamentos. Cheguei a conhecer o Muller, foi Secretário de Cultura e ele tinha uma proposta ousada que era colocar Santo André no cenário cultural de São Paulo e ele passou a facilitar a vinda dessas companhias a estrear, o que é mais importante. Não era uma peça que fazia sucesso em São Paulo e vinha para cá. A peça estreava nacionalmente em Santo André e isso marcou época. Se você pegar os jornais de São Paulo, certamente vamos verificar a grande repercussão que isso tinha à época. Eu sabia na época dessas coisas lendo jornais de São Paulo, porque eram coisas que tinham uma grande repercussão.

 

Pergunta: Vamos falar um pouco da sua presença na literatura, na imprensa, nos jornais alternativos. Como foi?

 

Resposta:

Eu deixo a indústria com o nascimento da minha primeira filha em 1976 e fui criar os filhos. Tive três filhas em três anos, uma em 1976, uma em 1978 e outra em 1979. Por mais que recebesse convites para voltar para a indústria, eu recusei porque queria ser mãe em tempo integral. E de 1976 a 1980, eu fui mãe e só isso. Mãe e leitora, porque nunca deixei de ler, nem com o choro das crianças. Trancava-me no banheiro, às vezes, para poder ler sossegada. Em 1980, minhas filhas já grandinhas e indo para a escola, eu resolvo militar culturalmente, digamos assim. Eu começo a procurar o que existia de movimentos culturais na cidade. Digo que, no ano passado a Câmara Municipal de Santo André me deu o Título de Cidadã Andreense, foi uma honra para mim porque já me sentia andreense de fato e agora sou de direito. E disse isso no meu discurso, que a gente começa a pertencer a uma cidade quando começa a se preocupar com ela, a querer saber dela. Acho que esse marco veio nessa época, em 1980, 1981, quando começo a ser realmente uma cidadã andreense, começo a freqüentar tudo em Santo André, começo a assumir aquela cidade como minha e começo a descobrir os movimentos culturais. Havia uma série de angústias de todos os artistas da cidade e em 1981 há uma série de reuniões de produtores culturais em busca de oportunidade de se apresentarem. Era uma mistura de artistas de teatro com músicos e com escritores. Em 1982 me filio a um grupo de poetas e a gente funda o Grupo de Espaço de Poesia, que nasceu de uma exposição e de uma série de leituras, num bar chamado Espaço, num café, piano bar mais propriamente. E às quintas-feiras a gente ia lá, e os nossos poemas ficavam colados nas paredes. E nosso grupo começa a atuar na região. Eu já tinha publicado o primeiro livro em 1982, já dentro desse movimento cultural a que estava me ligando. Em 1983 me ligo a esse grupo de poetas, fundamos o Grupo do Espaço, que veio com uma proposta completamente inovadora dentro do cenário cultural da região. É o primeiro grupo que se preocupa seriamente com a estética poética e se preocupa seriamente com a estética da recepção, ou seja, se preocupa com o leitor do texto. A gente fez uma proposta de encontro de poetas e leitores dentro das salas de aula, com o aval da diretoria, das delegacias de ensino de Santo André. Nós visitamos praticamente todas as escolas de Santo André, as escolas estaduais, com o aval dos professores. Diria que a gente vivia numa epifania poética. Foi uma coisa muito bonita. Éramos onze poetas e íamos às salas de aula, falávamos de poesia, fazíamos oficinas de criação literária, sarais de poesia, semanas culturais e foi uma intensa atividade cultural, onde publicamos cinco livros de coletâneas nossas, uma revista, que veio a ser detentora de um prêmio importante da APCA. Durante dois anos essa revista foi publicada trimestralmente, circulou regularmente no Brasil inteiro e ganhou, em 1993, o prêmio APCA de Melhor Realização Cultural do Ano. Então, foi uma atuação muito intensa que marcou época. Até então o ABC nunca conheceu um movimento literário de tamanha intensidade, de tamanha seriedade e de tão longo percurso quanto o Grupo Espaço de Poesia.

 

Pergunta: Quantas mulheres faziam parte?

 

Resposta:

Eram mais mulheres do que homens. Quando da publicação da revista, o grupo já não estava com a sua composição inicial, mas nós tínhamos oito membros e deles, cinco eram mulheres e três eram homens, em 1993. No início tínhamos mais mulheres. A revista durou dois anos, porque o grupo estava terminando. Um grupo não pode durar tanto tempo. Pelas contingências de vida de cada um, ele acaba se esgotando. Ele vai diminuindo. Começamos com onze, quando publicávamos a revista tínhamos dezoito pessoas e era um trabalho insano, porque fazíamos semanas culturais, íamos às escolas. Era uma atividade cultural bastante intensa. E cada um tinha sua vida, uns eram professores, empregados em indústrias. Cada um precisava, cada vez mais, da sobrevivência. Outros vão mudando. E o grupo acabou se esfacelando, não por discórdia interna, mas pela proposta ir se esgotando. Depois de dez anos de atividade o grupo já estava num processo de dissolução e a gente decidiu parar a revista. Poderíamos ter continuado com quatro ou cinco pessoas, mas achamos que a proposta da revista se encerrava ali. Nós fizemos uma grande divulgação da poesia que era feita no Brasil todo, e tentávamos fazer uma triagem e também divulgar o nosso próprio trabalho.

 

Pergunta: Era uma revista de circulação nacional?

 

Resposta:

Sim. A gente mandava para alguns escritores conhecidos internacionalmente. Essa coisa subterrânea sempre existiu, de escritor trocar figurinhas com outro escritor. Se você sabe de um cara que está fazendo algo parecido na Espanha você manda para ele. Mas sempre muito alternativamente, como se faz até hoje. As revistas literárias são distribuídas dessa maneira, ou via correio, e tínhamos algumas assinaturas de apoio, mas a revista circulava, à custa do nosso próprio bolso, sempre tirando dinheiro nosso. Era um esforço, como hoje que circulam várias revistas no país. A literatura sempre viveu de revistas. É um meio muito interessante de fazer circular idéias e poemas, textos culturais.

 

Pergunta: E como foi o trabalho com os alunos do IMES?

 

Resposta:

Foi um trabalho pioneiro que acabou sendo levado a seminários internacionais. No final da década de 80 nós fomos convidados ao Seminário Internacional de Literatura, realizado na 9ª Bienal do Livro de São Paulo para fazermos uns depoimentos para pessoas de várias partes da América Latina que participavam o relato dessa experiência. Fizemos relatos dessa experiência no Piauí, em Goiânia, no interior de São Paulo, porque foi uma experiência inédita pelo fato de ela se propor a fazer a ponte para a poesia. Esse encontro poeta leitor era altamente disciplinado, com normas, discutíamos internamente como abordar o aluno, como fazer essas oficinas, e também nos preocupávamos. Um dia quero escrever essa história, tenho pastas, sou a guardiã do acervo, com depoimentos de professores, fazíamos um questionário abordando os professores sobre o que acontecia depois da nossa passagem pela escola e é muito interessante analisar hoje esses questionários. Os professores diziam que, invariavelmente, houve um interesse maior por livros de poesia, uma procura na biblioteca dos alunos por livros de poesia. A nossa intenção era despertar os leitores para a poesia. Foi uma experiência muito vigorosa. E não só. Acho que também cresci muito como poeta pelo fato de fazermos oficinas internas de trocas de experiências e de bibliografias. Se eu via um livro interessante, passava para o grupo, discutíamos nas reuniões. Nós, invariavelmente, nos reuníamos uma vez por semana, nunca deixamos de nos reunir, toda semana, todo sábado, com três, com quatro, cinco ou oito, mas sempre nos reuníamos na casa de cada um de nós. Aliás, o Alpharrabio que fundei quando o grupo já estava se diluindo, em 1992, nasceu desse desejo de montar um local onde as pessoas pudessem se encontrar, se reunir e fazer circular essas idéias. Acredito que isso foi uma segunda etapa da minha vida, que deu seguimento às atividades do Grupo do Espaço. Ele veio logo a seguir e até hoje quase todos os membros do Grupo do Espaço freqüentam a livraria.

 

Pergunta: (Inaudível)

 

Resposta:

O Caderno ABC, o Alpharrabio sempre se preocupou, desde o início, a registrar as atividades culturais, tanto que no ano passado publicamos o livro Alpharrabio - 12 Anos de uma História em Curso, que compila todas essas atividades durante 12 anos. Ele relaciona, com pequenos verbetes, fotos e comentários, mais de 500 atividades realizadas ao longo desses 12 anos, e mais de 550 pessoas que participaram dessas atividades. É quase uma pequena cartografia da cultura regional que a gente vê passar por ali durante esses 12 anos. O Alpharrabio nasceu dessa ânsia de registros, de mostrar a cultura regional. Não havia nada.

 

Pergunta: Eram todas as atividades, teatro, música?

 

Resposta:

Todas. Pelo fato de ser poeta e escrever livros, a atividade principal, no início, era a literatura, mas aos poucos, pela falta de espaço na região à época para as pessoas se apresentarem, vinha um músico e pedia para fazer uma apresentação. Reuníamos lá vinte a trinta pessoas e lá o músico apresentava. Vinha um pintor, abríamos uma parede, com trinta e duas exposições, chamada Parede da Arte. As coisas foram acontecendo. Não houve um projeto prévio, mas ele já nasceu com a vocação de ser um centro cultural, apesar das instalações não serem as mais adequadas. Era uma livraria de livros usados, mas que tinha um espaço para as pessoas se reunirem e trocarem idéias. A princípio nasceu como um boletim, que além de publicar as atividades culturais, dávamos notícias de livros, publicava pequenos artigos, alguns poemas. Temos inúmeros desse boletim, que passou por diversas fases. Chegamos a publicar um boletim especial ilustrado por artistas plásticos, uma coisa que hoje é uma raridade. E de uns tempos para cá a gente começou a publicar o ABC em Leitura Floral, que tem a idéia de ser um veículo das idéias que passam nessas discussões, sobre livros e também dando conta de pequenas resenhas sobre os livros publicados, porque a partir de 1993 a gente passa a ser editora também. Sou editora de circunstância, pelo fato de as pessoas que estavam à minha volta quererem publicar coisas e eu tendo uma empresa, eu passo a pôr a chancela da empresa nos livros. Até hoje já publiquei mais de 70 títulos, todos de autores do ABC, com duas ou três exceções.

 

Pergunta: Como você avalia a repercussão da sua atividade cultural em Santo André ou no ABC?

 

Resposta:

É sempre complicado. O tempo da cultura não é o tempo da economia, não é o tempo do comércio, que a gente pode ver os frutos desse plantio. Eu passo por momentos de grande desânimo pelo fato de a gente não perceber a repercussão do que a gente faz. Mas, ao recolher todo o material, desse livro que publiquei junto com a Luzia Manguro, que é minha cunhada e me acompanha desde o início das atividades do Alpharrabio, percebi que temos uma história e essa história está ligada, indelevelmente, a inúmeras, a grande parte das manifestações culturais do Alpharrabio. E volta e meia percebo, através de manifestações, como o fato de estar aqui hoje, que é um reconhecimento dos meus serviços, e faço com muito orgulho e alegria. E universidades como o IMES nos convidar a sermos parceiros de projetos, como o Ceapog do IMES, que me convidou para ser parceira, também a Metodista, que no momento tem um projeto ligado à comunidade e nos chamou para sermos parceiros. Isso me deixa bastante orgulhosa de receber um certo respaldo e o reconhecimento cultural por essa trajetória que a gente perseguiu, de forma incansável, o objetivo que é ver as idéias que os artistas e os intelectuais da região têm serem executadas, sempre com a preocupação de ver isso impresso. Eu digo que persigo a utopia da página impressa. Eu sou de uma geração em que a palavra virtual é volátil e eu não consigo pegá-la e eu preciso cheirar a tinta, ver. O ABC está numa nova fase, num novo formato, mais encorpado, com 48 páginas, quase um livro, onde a gente coloca transcrição de palestras que ocorrem na livraria, onde a gente entrevista escritores para dizer o que estão escrevendo, leitores para dizerem o que estão lendo. Enfim, é um painel da vida intelectual do ABC, do qual me orgulho muito. Mas, se lerem meus editoriais, vocês vão perceber o quanto de desânimo há neles, das pessoas não se manifestarem, não dizerem o que pensam. A gente não tem respostas imediatas para isso. Isso está registrado. A palavra impressa está aí à custa dessa utopia sem tamanho, mas a resposta é sempre muito pequena. Não sei se isso que faço tem tanta importância.

 

Pergunta: E os filhos são poetas? E a esposa poeta?

 

Resposta:

A poeta é esposa de uma pessoa que também faz literatura, que é contista. Essa cumplicidade é muito grande. Além disso, de uma pessoa que gosta de ler muito. E como a leitura é uma atividade silenciosa, não há tantas cobranças. Se eu fico num compartimento da casa e ele noutro, a gente sabe que estamos juntos, mas naquele momento precisamos estar com um livro na mão e não há esse tipo de cobrança. É perfeita a harmonia nesses 33 anos que completamos neste mês. Ele sempre me compreendeu. Sem o incentivo dele, talvez eu não fizesse nada.

 

Pergunta: Nós temos cinco minutos para você deixar uma mensagem, um poema, cantar uma música da sua infância.

 

Resposta:

Eu devo ter aqui algum poema meu. Nesse primeiro número da Revista do Espaço, publicada em janeiro, fevereiro e março de 1992, eu tinha um poema, junto com meus companheiros do grupo, chamado Janela Indiscreta, que fiz para a Rua da Fonte, onde morei 16 anos, Jardim Bela Vista, Santo André. Eu acho que é bem emblemático para a gente repensar as mudanças pelas quais a gente passou, e mudanças tão profundas pelas quais o ABC passou, nos últimos anos.

 

Pergunta: Seu marido aparece nesse poema?

 

Resposta:

Não aparece, mas ele está sempre por trás, sempre silencioso, mas sempre presente em tudo isso. Janela Indiscreta: "Bem depois do desaparecimento da fonte que deu origem ao nome da minha rua, vieram homens em máquinas, esmagaram quintais, galinhas e hortas, meteram água e manilhas e cobriram tudo com cimento. Mais tarde foi a vez das velhas casas. Vieram mais homens, outros homens que sequer sabiam que ali houve um riacho, e passaram suas barulhentas máquinas sobre as velhas casas e seus muros cobertos de heras. Os herdeiros dos velhos moradores não resistiram aos apelos imobiliários e aos apartamentos cotados em dólar. No lugar do que era verde crescem estacas aplicadas por calosas mãos, rudes mãos, de famintos e suados homens. De vez em quando ouvem ruídos na terra e nem se dão conta disso. A minha rua, vista assim por causa do gigantesco tabuleiro, move a paisagem onde só é permitido observar".



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