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HiperMemo - Acervo Multimídia de Memórias do ABC da Universidade IMES

DEPOENTE

Dioracy Antônio Reis Moura (Joca)

  • Nome: Dioracy Antônio Reis Moura (Joca)
  • Gênero: Masculino
  • Data de Nascimento: 10/04/1939
  • Data de falecimento: 18/11/2009
  • Nacionalidade: 23
  • Naturalidade: São Paulo (SP)
  • Profissão: Músico

Biografia

Dioracy Antônio Reis Moura é conhecido na região e no meio musical como Joca. Músico, tocou nas rádios do ABC desde a década de 1950. Ainda dedica-se a música e tem seu mantém grupo.



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TRANSCRIÇÃO DO DEPOIMENTO DE DIORACY ANTÔNIO REIS MOURA EM 07/07/2004

Depoimento de DIORACY ANTONIO REIS MOURA (JOCA) , 65 anos.

IMES – Universidade de São Caetano do Sul, 07 de julho de 2004.

Entrevistadores: Rita Donato, Herom Vargas, Vilma Lemos e Priscila F. Perazzo.

 

 

Pergunta: 

Queria que o senhor começasse informando local de nascimento, data, como foi sua infância, como era sua família, no início da sua vida.

 

Resposta:

Eu nasci dia 10 de abril de 1959, na Rua Maria Carolina, 75, no Bairro de Pinheiros, São Paulo. Meus pais: Valdemar Moura e Dolores Moura; irmãos José de Barros Moura e Olívia de Barros Moura.

 

Pergunta: 

E a infância foi em Pinheiros?

 

Resposta: 

Nós fomos para a Mooca e depois vimos para São Caetano.

 

Pergunta: 

O senhor chegou com quantos anos ao ABC?

 

Resposta: 

Cheguei em São Caetano com 14 anos, no Bairro Barcelona. Depois voltei para o Ipiranga e fui para Santo André.

 

Pergunta: 

E como era a vida familiar quando criança, com os irmãos, a escola?

 

Resposta: 

Sempre foi uma relação muito boa com os irmãos. Papai era advogado e tocava um violãozinho. Ele passava os acordes para mim e comecei a tocar.

 

Pergunta:
Com quantos anos o senhor começou a tocar?

 

Resposta: 

Comecei a mexer no violão com 10 anos.

 

Pergunta: 

Influenciado pelo pai?

 

Resposta: 

Meu pai me passou os primeiros acordes. Quando eu mudei para São Caetano, quando fiz 16 anos, tinha um conjunto no Barcelona e eu iniciei na Rádio ABC. Quando começou, eu tinha 16 anos. Aí começou a música a entrar.

 

Pergunta: 

Seus irmãos tocam também?

 

Resposta: 

Meu irmão foi baterista do conjunto Viva Voz, em São José dos Campos, e da Orquestra do Zezinho, da Rádio Tupi, em São Paulo.

 

Pergunta: 

E sua irmã?

 

Resposta: 

Não.

 

Pergunta: 

Sua mãe trabalhava?

 

Resposta: 

Não.

 

Pergunta: 

Seu pai tinha formação de advogado? Formado por São Paulo, na São Francisco?

 

Resposta: 

Sim.

 

Pergunta: 

E ao mesmo tempo tocava?

 

Resposta: 

Ele tocava, gostava de violão, mas só para fazer uns acordes.

 

Pergunta:
Quer dizer que na sua infância a diversão era a música?

 

Resposta: 

A música.

 

Pergunta: 

E os estudos?

 

Resposta: 

Aí foi difícil. Papai e mamãe tentaram de tudo, mas não teve jeito para mim. Meu irmão é advogado em São José dos Campos e minha irmã é professora, mas eu não dei para o estudo.

 

Pergunta: 

Joca, você estudou até que série?

 

Resposta: 

Fiz o ginásio e depois parei.

 

Pergunta:
Quer dizer que livros nem lia?

 

Resposta: 

Era só o violão.

 

Pergunta: 

A paixão era essa?

 

Resposta: 

O violão.

 

Pergunta: 

O senhor começou a tocar nas rádios com 16 anos?

 

Resposta: 

Com 16 anos. Antes de iniciar na Rádio ABC eu toquei, acompanhei na Vila Barcelona, tinha um cinema e não me recordo o nome, que ficava na Joana Angélica.

 

Pergunta: 

Onde é hoje a Cooperativa do Rhodia?

 

Resposta: 

Joana Angélica com Alameda Cassaquera. Ali tinha um cinema e acompanhei, era menino, Vicente Celestino e não tinha quem o acompanhasse, minha mãe era fã do Vicente Celestino. Ele precisava de uma pessoa para acompanhá-lo. Falaram que tinha um menino, me apresentaram e ele falou que eu não conhecia as músicas. Eu falei que conhecia. Eu sabia as letras das músicas do Vicente Celestino porque minha mãe cantava, eu sabia e acompanhei.

 

Pergunta: 

Que músicas você acompanhou do Vicente Celestino?

 

Resposta: 

Canto “Coração Martelo”, o “Ébrio”.

 

Pergunta: 

Canta um pedacinho.

 

Resposta: 

Minha voz é cavernosa. (Canta um trecho da música)

Essa música “Coração Martelo” era  a música do pracinha que foi para a guerra.

 

Pergunta: 

O senhor era novo nessa época?

 

Resposta: 

Tinha uns 15 anos.

 

Pergunta: 

Tem registro fotográfico desse acompanhamento?

 

Resposta: 

Infelizmente não tenho. Mas algumas pessoas daquele tempo devem se lembrar. Faz muito tempo.

 

Pergunta: 

Sua mãe cantava em casa?

 

Resposta: 

Sim.

 

Pergunta: 

Que recordações o senhor tem, termos musicais, dos cantores, de músicas famosas da sua infância e juventude?

 

Resposta: 

Eu tenho lembranças de um conjuntinho que nós tínhamos. Era eu, o Canhotinho, dos Demônios da Garoa, que até hoje mora na Vila Gerti. Nós tínhamos um conjunto, que traz muitas recordações.

 

Pergunta: 

E esse conjunto tocava onde? Eram contratados?

 

Resposta: 

Naquele tempo era difícil. Nós tocávamos em circos, parques de diversão. Teve um parque de diversões aqui na Vila Barcelona por muitos anos, do Nhô Celestino, ele tinha um palco no parque e quando eram dez horas da noite, se apresentavam os artistas e a gente tocava. Era praticamente uma diversão.

 

Pergunta: 

Qual era o tipo de música? Qual o gênero das músicas tocadas?

 

Resposta: 

O gênero popular.

 

Pergunta: 

Quais as músicas que faziam mais sucesso?

 

Resposta: 

Não lembro de um sucesso. Isso foi em 50. Não tenho recordações.

 

Pergunta: 

E na juventude, além da música quais eram as outras diversões? Cinema?

 

Resposta: 

Cinema sim. Futebol eu aprecio, mas nunca fui de freqüentar estádio. A minha paixão era tocar.

 

Pergunta: 

Ia ao cinema?

 

Resposta: 

Raramente.

 

Pergunta: 

E aos bailes da cidade o senhor ia?

 

Resposta: 

Eu ia aos bailes, às vezes, para tocar. Ia sempre para ver os músicos. O meu problema era a música.

 

Pergunta: 

O senhor começou a tocar nas rádios. Como era tocar no rádio? Como era a programação da rádio?

 

Resposta: 

Para todos que começaram no rádio, tocar na rádio era uma satisfação enorme. Quando entrei na Rádio ABC, tocar na rádio de Santo André, lá tinha programa de calouros e eu tocava no conjunto que acompanhava os calouros. Depois passei para a Rádio Clube e lá me deram uma carteirinha da rádio. Não precisava de mais nada com aquela carteira. Era aquela ilusão. O músico, ganhava um pouco mais, mas antes era difícil, porque a gente acompanhava o cantor e o cachê do músico era uma coisinha de nada. Eu acompanhei muita gente, mas era aquela satisfação como se você tivesse acompanhado a pessoa, mas precisava sobreviver e ganhar.

 

Pergunta: 

O senhor era contratado da rádio?

 

Resposta: 

Nesse tempo eu era contratado da rádio.

 

Pergunta: 

Acompanhava todo e qualquer cantor que fosse na rádio?

 

Resposta: 

Exatamente.

 

Pergunta: 

Tanto famosos como anônimos?

 

Resposta: 

Tanto faz. Todos que viessem participar da programação da rádio.

 

Pergunta: 

O senhor fez acompanhamento de algum cantor famoso? O senhor se lembra?

 

Resposta: 

Da música popular do meu tempo quase todos. Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Ângela Maria, Elisete Cardoso, todo esse pessoal.

 

Pergunta: 

Eles freqüentavam as rádios da região?

 

Resposta: 

A Rádio Clube principalmente trazia esses cantores.

 

Pergunta: 

E tinha platéia? Era ao vivo?

 

Resposta: 

Tinha. Os auditórios da rádio eram lotados, aos sábados.

 

Pergunta: 

E o assédio a esses artistas como era? Era trânsito normal ou ficava a platéia toda agitada?

 

Resposta: 

Ficava toda agitada. Era uma festa. Até estava contando para a Priscila que a Hebe Camargo, em 55 ou 56, foi anunciada na Rádio Clube de Santo André e o programa era sábado à tarde. Por motivos de uma gripe forte não foi possível ela comparecer. A direção da rádio foi comunicada e o que a gente ia fazer? Aí o Eurides Paiva, o líder do conjunto em que eu tocava, falou: Vocês podem pôr ela no ar pelo telefone, ela canta da casa dela e a gente, no auditório, acompanha. E fizeram isso e puseram-na no ar, e ela se desculpou que não pôde vir por motivos de doença, estava muito afônica, e o locutor Miguel Palmeira sugeriu que ela cantasse. Ela cantou uma música, nós a acompanhamos pelo telefone e o auditório ficou satisfeito.

 

Pergunta: 

As ligações telefônicas eram fáceis, porque foi uma época que não havia tantos telefones. Como foi essa tramitação com a Hebe?

 

Resposta: 

Sinceramente não sei. Isso foi em 56.

 

Pergunta: 

E o som da voz dela como saiu pelo telefone?

 

Resposta: 

Não saiu bom, não. É que a gente conhecia as músicas, a gente sempre tocava e estava a par das músicas. Eu não sou cantor, sou músico, mas se falar em Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Silvio Caldas, eu sei letras de todo esse pessoal. Ela cantou uma música conhecida dela na época, nós fomos mais ou menos pelo rumo e deu para tapear.

 

Pergunta: 

O senhor tem a carteirinha da Ordem dos Músicos?

 

Resposta: 

Nesse tempo não tinha Ordem dos Músicos. Tinha a carteira dada pela rádio.

 

Pergunta: 

Qual o número de pessoas nesse auditório, mais ou menos?

 

Resposta: 

Calculo umas 150 pessoas.

 

Pergunta: 

Estava lotado?

 

Resposta:

Lotado, com gente sentada e em pé. Era todo sábado que tinha o programa de calouros. Calouros mascarados, que cantavam com máscara de carnaval.

 

Pergunta: 

Por que mascarados?

 

Resposta: 

Porque muita gente era tímida. Esse programa fez muito sucesso.

 

Pergunta: 

Quanto tinha um calouro ruim, como o senhor acompanhava esse cantor?

 

Resposta: 

Bom, tinha o famoso gongo. Tinha um elemento, ou mesmo um elemento do conjunto, dava um sinal para a técnica, quando atravessava o ritmo na terceira vez e dava um gongo.

 

Pergunta: 

O senhor se lembra de um cantor que fosse muito bom?

 

Resposta: 

Não lembro.

 

Pergunta: 

O senhor conheceu o Cica?

 

Resposta: 

Não.

 

Pergunta: 

O senhor tinha dito que era o Raul Gil que participava?

 

Resposta: 

Vinha sempre o Raul Gil. Ele vinha e tomava conta. Ele tomava gongo, porque tinha um ritmo péssimo. No outro sábado ele voltava para cantar de novo. Depois eu saí daqui e fui para a Rádio América e o acompanhei como calouro. Mas aí ele já estava melhorzinho.

 

Pergunta: 

O senhor participou da fundação da Rádio ABC? O senhor pode contar como foi organizar essa rádio?

 

Resposta: 

Essa emissora, o Gentil, que já faleceu, tocava cavaquinho, foi convidado para montar um conjunto regional com dois violões, clarinete, cavaquinho e pandeiro e me convidou e eu fui para a Rádio ABC, na rua Alcides de Queirós. Foi um sucesso, mas não competia com a Rádio Clube, porque ela era mais forte.

 

Pergunta: 

A Rádio Clube ficava onde?

 

Resposta: 

Ficava, quando estava na Rádio ABC, ela era na Rua Coronel Oliveira Lima. Comecei na Rádio ABC e depois fui para a Clube. Depois a Clube mudou-se para o Largo da Estátua, na Rua Senador Fláquer.

 

Pergunta: 

O senhor fez da música a sua profissão, viveu da música?

 

Resposta: 

Até hoje.

 

Pergunta: 

Casou-se e sustentou a família com a música?

 

Resposta: 

Sim. Agora tenho a minha esposa e meu filho que me ajudam, porque minha esposa é cantora também e meu filho é violonista, toca violão de sete cordas.

 

Pergunta:
Aqui no ABC?

 

Resposta: 

Sim.

 

Pergunta: 

O senhor gravou algum disco? Participou de alguma gravação aqui ou fora daqui?

 

Resposta: 

Bastante, mas como acompanhamento. Gravei um disco com o Canhotinho, dos Demônios da Garoa. Quando faleceu o Valdir Azevedo, o Canhotinho ficou como sucessor dele. A esposa do Valdir Azevedo deu o cavaquinho de presente para o Canhotinho e nós fizemos um tributo ao Valdir Azevedo. Gravei com ele, com Wando, com o Carlos Goiás, que nos deixou faz um mês. Gravei com diversos cantores.

 

Pergunta: 

Gravava onde, em São Paulo ou havia estúdio aqui?

 

Resposta: 

Tudo em São Paulo.

 

Pergunta: 

No ABC não havia estúdio de gravação?

 

Resposta: 

Não havia.

 

Pergunta: 

Gravadora tinha uma, a Odeon, em São Bernardo?

 

Resposta: 

Sim. A gravadora imprimia, era a fábrica. Mas os estúdios eram em São Paulo.

 

Pergunta:
Quando entrou o disco na rádio? Como foi essa mudança? Era o conjunto que tocava, que acompanhava o músico. E quando entrou o disco, como ficou?

 

Resposta: 

O playback?

 

Pergunta: 

Nós tivemos o playback e depois foi substituído, porque quando tinha o playback ainda tinha programa de auditório?

 

Resposta: 

Naquele tempo não. Até hoje tem playback. Hoje todo cantor, a maioria dos cantores se apresenta na televisão com playback. Não é ao vivo. Antes era tudo ao vivo. Por isso que tinha os conjuntos, para isso mesmo. Na Rádio Clube tinha o conjunto do Eurides Paiva, do qual eu participava e tinha o conjunto do André e Ana. O André tocava acordeão e eram dois conjuntos.

 

Pergunta: 

E vocês apresentavam duplas sertanejas na rádio?

 

Resposta: 

Tinha um programa sertanejo.

 

Pergunta: 

Qual era o horário do seu trabalho na rádio?

 

Resposta: 

Naquele tempo os programas eram de sábado à tarde, sábado à noite e domingo de manhã um programa infantil. Durante a semana não tinha.

 

Pergunta: 

Como era o programa infantil? Era na Rádio Clube ou na Rádio ABC?

 

Resposta: 

Na Rádio Clube e na Rádio ABC também tinha. Na Rádio Clube era animado pelo Celso Torlay Júnior e o produtor era o Valdomiro Rotolino.

 

Pergunta: 

E como era a programação durante a semana?

 

Resposta: 

Tudo programa de estúdio, gravações.

 

Pergunta: 

Entrevistas?

 

Resposta: 

Sim. Programas à noite, aqueles programas de bolero.

 

Pergunta: 

O senhor trabalhava apenas aos sábados e domingos?

 

Resposta: 

Na rádio.

 

Pergunta: 

Depois tinha outras atividades com a música?

 

Resposta: 

O André Beer tinha um conjunto que fazia bailes no Aramaçan e eu toquei lá. Depois comecei a ir para São Paulo, na Rádio América, aí comecei a tocar à noite em São Paulo, em casas noturnas, acompanhava cantores em shows.

 

Pergunta: 

Quais cantores que o senhor acompanhou?

 

Resposta: 

Dos famosos foram todos: Orlando Silva, Silvio Caldas, um dos últimos, faz sete meses que faleceu, Noite Ilustrada. Nos últimos três anos acompanhava.

 

Pergunta: 

Quando acabaram esses programas, quando a Regional sai da rádio, o que acontece?

 

Resposta: 

Foi um tempo que a Rádio Clube não tinha mais programa de auditório. Aí fomos trabalhar em casas noturnas, fazer shows.

 

Pergunta: 

Tinha de arrumar um cantor ou o cantor que procurava?

 

Resposta: 

O cantor procurava.

 

Pergunta: 

Tinha mais cantor do que bandas?

 

Resposta: 

Sim.

 

Pergunta:
Em quais casas noturnas o senhor trabalhou em São Paulo?

 

Resposta: 

Em diversas casas. Toquei no Galo Vermelho, em todas.

 

Pergunta:
Era na região do centro?

 

Resposta: 

Sim. Aliás, nesse tempo, a gente fazia..., a gente chamava de ponte. A gente tocava numa casa até determinada hora e depois tinha um descanso, para entrar outro conjunto e nesse espaço que a gente ia ficar esperando, a gente ia para outra casa, fazia mais uma hora lá e voltava, para poder render mais.

 

Pergunta:
A música estrangeira teve influência nos cantores dessa época? No seu grupo, por exemplo?

 

Resposta: 

No meu grupo não.

 

Pergunta: 

Era só música brasileira?

 

Resposta: 

Só brasileira.

 

Pergunta: 

O senhor me contou que o senhor foi proprietário do bar Pedacinho do Céu, aqui em Santo André. Como foi a criação do bar?

 

Resposta: 

Fui um dos sócios. Isso foi em 84, 85. O Benedito Guzo era o dono do cartório de Mauá, mas ele residia em Santo André e ele gostava muito de mim, do Canhotinho, então ele propôs que a gente montasse uma casa em Santo André, para apresentar esse estilo de música, chorinho, seresta e música brasileira em geral. O Canhotinho sugeriu o nome Pedacinho do Céu e montamos a casa.

 

Pergunta: 

Onde ficava a casa?

 

Resposta: 

Na Rua Manoel de Paiva.

 

Pergunta: 

E a freqüência, quem ia, que faixa de idade, que pessoas iam lá?

 

Resposta: 

A gente conseguia trazer o pessoal, os amigos, os artistas que a gente tinha amizade.

 

Pergunta: 

O pessoal do Camerati freqüentava lá?

 

Resposta: 

Nesse tempo não. Gravei no estúdio deles um CD, no Camerati. Ficava na mesma rua do Pedacinho do Céu.

 

Pergunta: 

Existiam mulheres que tocavam?

 

Resposta: 

No conjunto Regional não. Hoje tem pandeiristas boas em São Paulo.

 

Pergunta: 

O Pedacinho do Céu funcionava a semana inteira ou só de fim de semana?

 

Resposta: 

A semana toda.

 

Pergunta: 

Vocês tocavam a semana inteira? Sempre tinha uma programação diferente?

 

Resposta: 

Mas o forte era de fim de semana.

 

Pergunta: 

Não era o mesmo público que ia às rádios, aos programas de auditório?

 

Resposta: 

Isso foi em 84.

 

Pergunta: 

Só voltando um pouco no tempo da rádio, nós estávamos conversando e eu perguntei como vocês ficavam sabendo da audiência da rádio. Não tinha pesquisa.

 

Resposta: 

O pessoal fala Ibope. Naquele tempo não existia e se existia, era meio como deve ser hoje. Não se fala muito nisso. Naquele tempo o pessoal fazia rádio pelo gosto, o pessoal tinha um prazer enorme.

 

Pergunta: 

Como era esse programa de crianças que o senhor disse? O que divertia as crianças?

 

Resposta: 

Era um programa apresentado aos domingos, às dez horas da manhã na Rádio Clube. 

 

Pergunta: 

O senhor lembra de alguma propaganda na rádio nesse tempo? Vocês tocavam alguma coisa?

 

Resposta: 

Tinha do sabão em pó Tangará, de consultório dentário Carlos Pereira. Naquele tempo existia na rádio uma espécie de permuta. Chegava na hora de receber e eles ofereciam produtos, calçados, sapatos. A gente ia lá e descontava.

 

Pergunta: 

O senhor se lembra de tocar alguma dessas propagandas?

 

Resposta: 

Essas propagandas gravadas, não. Eu me lembro dos patrocinadores dos programas. Tinha às quintas-feiras também, em Utinga, na Laminação Nacional de Metais, nós íamos para lá, o pessoal da Rádio Clube todo ia para lá para tocar na hora do almoço. Eles almoçavam e iam assistir. E a rádio transmitia de lá.

 

Pergunta: 

Ia o cantor e vocês iam acompanhando?

 

Resposta: 

O conjunto e diversos cantores.

 

Pergunta: 

Vocês eram contratados? E quem pagava era a própria Laminação?

 

Resposta: 

Tinha os patrocinadores.

 

Pergunta: 

A Laminação também pagava?

 

Resposta: 

Ajudava.

 

Pergunta: 

E lá no Clube Rhodia, no Moinho Santista, vocês tocavam?

 

Resposta: 

Na Rhodia teve muito tempo um programa de calouros, mas nesse tempo não estava mais na Rádio Clube. Tinha saído.

 

Pergunta: 

Era programa de calouros?

 

Resposta: 

Era transmitido lá da Rhodia, do ginásio.

 

Pergunta: 

Era transmitido da Rhodia para o rádio? Como era?

 

Resposta: 

A mesma coisa hoje uma emissora que transmite uma partida de futebol. Vai com o equipamento e transmite.

 

Pergunta: 

Que época era isso?

 

Resposta: 

Era 57, 58. Em 1960 eu estava na Tupi e participava da primeira rodina. Existia em São Paulo a primeira rodina, que era na Avenida São João, na Rádio Cultura.

 

Pergunta: 

Na década de 50 o senhor trabalhou nas rádios do ABC e depois na década de 60 o senhor estava na Tupi, na América?

 

Resposta: 

Fui para a América. Toquei na Rádio ABC, na Rádio Clube, na Rádio Cacique, em São Caetano, toquei na Rádio Independência, em São Bernardo, depois fui para a Rádio América, na Consolação, eu e o Canhotinho. Depois ele entrou nos Demônios da Garoa e eu fui para  a Rádio Tupi.

 

Pergunta: 

E como era a Rádio Cacique e a rádio de São Bernardo?

 

Resposta: 

A mesma coisa da Rádio Clube, aqueles programas de auditório.

 

Pergunta: 

O senhor trabalhou nas quatro rádios do ABC na mesma época. O senhor pode comparar como elas eram? O equipamento, a programação, as condições de trabalho, dá para fazer uma comparação?

 

Resposta: 

Tinha diferença, porque a Rádio Clube era a mais forte de todas.

 

Pergunta: 

Mais forte que o senhor diz é que vocês sabiam que ela era a mais ouvida?

 

Resposta: 

A mais ouvida.

 

Pergunta:
E como vocês sabiam?

 

Resposta:
Sabia pela freqüência do público nos auditórios. A Clube era a mais forte, mas a Cacique também foi forte.

 

Pergunta: 

E como era o transporte na época, para ir para São Paulo, para São Bernardo? Vocês tinham automóveis?

 

Resposta: 

Não. Era tudo de ônibus. Eu morava em São João Clímaco, eu sempre gostei do ABC e vinha para cá para tocar na rádio. Eu vinha de ônibus com o violão.

 

Pergunta: 

Não dava para vir de trem?

 

Resposta: 

De trem era mais difícil.

 

Pergunta:
E demorava muito? Era asfalto, era terra?

 

Resposta: 

Não era terra. A Goiás só tinha uma pista. De casa até aqui eu gastava uma hora. De São João Clímaco a gente ia até São Caetano e depois pegava outro para Santo André.

 

Pergunta: 

Pouca gente tinha carro nessa época, os amigos?

 

Resposta: 

Pouca gente. O pessoal do conjunto, ninguém tinha carro. Quem pegava sempre, quando a gente tinha um show para fazer, quem tinha carro era o Haroldo José. Ele conseguia com o sabão em pó Tangará, que era o patrocinador, uma perua para levar o pessoal. Carro era difícil.

 

Pergunta: 

Nesse tempo todo o senhor era solteiro? O senhor falou que se casou com 41 anos, mais ou menos em 1980?

 

Resposta: 

Casei-me em 1980.

 

Pergunta: 

Nesse tempo todo das rádios o senhor era solteiro e o senhor vivia sozinho?

 

Resposta: 

Vivia com meus pais.

 

Pergunta: 

Depois que o senhor casou a sua vida profissional  foi diferente, porque a condição das rádios já era outra?

 

Resposta: 

Em 80 já não trabalhava em rádio.

 

Pergunta: 

Era nos grupos de música, nas casas. O senhor já estava no Florestal?

 

Resposta: 

Em 1980 não.

 

Pergunta:
Vamos voltar ao tempo em que o senhor tocou nos restaurantes de São Bernardo?

 

Resposta: 

Eu toquei no Restaurante Florestal faz um mês.

 

Pergunta: 

Foram quantos anos?

 

Resposta: 

Foram 17 anos. Mas eu tocava no Florestal e tocava com Noite Ilustrada, então quando tinha show com Noite Ilustrada eu não ia ao Florestal.

 

Pergunta: 

Eram jantares dançantes no Florestal?

 

Resposta: 

Continua até hoje.

 

Pergunta: 

As pessoas paravam para ouvir?

 

Resposta: 

No restaurante o pessoal vai para jantar.

 

Pergunta: 

Como fica o músico, uma pessoa que gosta da música, que vive da música, tocando e as pessoas conversando, barulho de prato, de copo?

 

Resposta: 

Mas a gente sabe que a gente vai fazer aquilo. Tem um pessoal que depois que janta, fica apreciando. A gente tocava em dois conjuntos, tocava um e saía o outro. E tinha pista de dança.

 

Pergunta: 

Ninguém costumava pedir músicas?

 

Resposta: 

Pedem até hoje.

 

Pergunta: 

O senhor tem lembranças das músicas mais pedidas?

 

Resposta: 

No Florestal eles pediam muito pagode, nessa época de pagode. Não desmerecendo o pagode. Só essas coisas.

 

Pergunta:
E o grupo que o senhor tem, Camerata? Conte como o senhor o formou.

 

Resposta: 

A Camerata foi uma idéia do Acilino, o Secretário. Ele teve a idéia de formar uma camerata e falaram comigo. Na Camerata nós somos 17 músicos e só tocamos chorinho, samba. A gente se apresenta em cidades. No dia 17 próximo nós vamos tocar em Embú das Artes. É um conjunto com 17 pessoas, que se vestem a caráter como os músicos de choro, com a palheta, sapato branco, calça branca, camisa e na Camerata tem músicos que variam, o mais novo tem 16 anos, que toca muito bem cavaquinho, eu e o mais velho que tem 67.

 

Pergunta: 

Tem algum patrocínio?

 

Resposta:
Não temos.

 

Pergunta: 

Quem organiza os shows, quem vai atrás?

 

Resposta: 

É a Prefeitura que dá uma força. De vez em quando nós fazemos um show no Municipal. Agora nós fizemos em Paranapiacaba.

 

Pergunta: 

Há quanto tempo o senhor montou a Camerata?

 

Resposta: 

Faz um ano.

 

Pergunta: 

O senhor se lembra de fazer serenatas?

 

Resposta: 

Muito.

 

Pergunta: 

Quem encomendava serenatas, para quem, como era isso, como era recebida?

 

Resposta: 

Muito bem recebida. Quem oferece uma serenata é para uma pessoa de uma faixa de idade mais avançada. A gente é muito bem recebido.

 

Pergunta: 

Hoje ainda se faz serenata?

 

Resposta: 

Faz sim. Você deve conhecer o conjunto Luna? Eu gravei um disco com elas e elas fazem serenatas e elas me chamam às vezes para tocar violão de sete cordas. Nós fazemos serenatas.

 

Pergunta: 

Por que o violão de sete cordas?

 

Resposta: 

Essas seis cordas aqui são naturais do violão, que são mi, lá, ré, sol, si, mi e essa última é afinada em dó, a mais grave. É para fazer uma espécie de contrabaixo, dar um som mais grave.

 

Pergunta: 

Quando o senhor mencionou que esse grupo convida o senhor para fazer serenatas por causa do violão de sete cordas, qual a relação?

 

Resposta: 

Pelo apoio que dá, um apoio bem forte por causa do grave. As músicas que elas tocam, as serestas, são aquelas músicas mais antigas.

 

Pergunta: 

O senhor faz essas serenatas hoje a que horas?

 

Resposta: 

Às vezes estou em casa e elas me ligam falando que à tarde vão fazer uma serenata. Serenata é à noite, mas elas fazem por exemplo em festas de aniversário, de bodas de ouro. Faz uns três meses uma pessoa ligou para a minha casa e convidou a minha esposa para fazer uma seresta para uma pessoa de 90 anos. Fui e minha esposa. Ela se vestiu a caráter, com uma roupa mais antiga, eu de palheta, com gravata borboleta e fomos fazer um aniversário de um senhor de 90 anos. Foi uma festa que me emocionou muito. Ele pediu umas músicas muito antigas, que a  gente conhece e a minha esposa cantou, “Saudade do Matão”.

 

Pergunta: 

O senhor pode falar quanto custa uma serenata dessas?

 

Resposta: 

Isso às vezes depende do lugar, do horário, mas não fica caro. Pelo momento que  a pessoa que recebe a serenata vai passar, é relativo.

 

Pergunta:
Que música o senhor mais gosta de tocar?

 

Resposta: 

É difícil.

 

Pergunta: 

Não tem nenhuma que emociona, que é sempre lembrada? E a “Saudade do Matão”?

 

Resposta: 

Esse mundo eu choro... Isso é bom. “Rapaziada do Brás”. Às vezes a gente vai fazer uma serenata para uma pessoa de idade e elas pedem “Ronda”. A gente tem de tocar. “Fascinação”.

 

Pergunta: 

E as serenatas na década de 50, como eram? Homens contratavam para moças ou era mais como hoje em dia?

 

Resposta: 

Nessa época de 50 era mais espontâneo. Era feito do próprio coração. Tinha uma moça, a gente convidava os amigos para fazer uma serenata.

 

Pergunta: 

Era uma declaração de amor?

 

Resposta: 

Exatamente.

 

Pergunta: 

E aqui nas cidades de Santo André, São Caetano, o senhor se lembra de ter visto em algum lugar uma serenata dessas, de algum amigo que pedia, ou mesmo do senhor?

 

Resposta: 

Isso tinha bastante.

 

Pergunta: 

O senhor se lembra de algum local?

 

Resposta: 

Diversos lugares. Ali mesmo perto da Rádio ABC tinha um senhor, um amigo nosso, já falecido, que pedia. Ele não tinha uma perna, tinha sofrido um acidente, e nós fomos fazer uma serenata, o Carlos Poiares, o Canhotinho, fomos fazer uma serenata para ele. Aquilo marcou.

 

Pergunta: 

O senhor tem conhecimento de algum amigo seu que fez uma serenata e casou com a moça?

 

Resposta: 

Diversos. Eu perco a conta.

 

Pergunta: 

Tem alguma pessoa que nós conhecemos, que esteja aí hoje, que se casou por causa da serenata?

 

Resposta:
Agora não me recordo. Naquele tempo, quando se fazia uma serenata, era porque já tinha meio caminho andado. Quando chegava a fazer a serenata é porque já tinha...

 

Pergunta: 

O senhor foi vítima de uma serenata também?

 

Resposta: 

Não.

 

Pergunta:
Casou-se por paixão?

 

Resposta: 

Eu acordei muitas vezes com música, mas não era bem serenata. Eles iam me buscar para tocar e eu ainda estava dormindo. Eu tocava à noite e iam me buscar logo cedo, então minha mãe deixava eles entrare



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