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Geraldo Bento Domingues, músico. Na região do ABC tocou nas diversas rádios locais entre 1950 e 1960.
Depoimento de GERALDO BENTO DOMINGUES, 68 anos.
IMES – Universidade de São Caetano do Sul, 07 de julho de 2004.
Entrevistadores: Carla Danielle Porrino, Herom Vargas e Rita Donato.
Pergunta:
Queria que o senhor começasse contando um pouco das origens do senhor, local de nascimento, data, como foi a infância.
Resposta:
Eu nasci na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, uma cidade que seria da Média Sorocabana e isso porque também a companhia, a Estrada de Ferro Sorocabana, fazia a linha de São Paulo a Porto Epitácio, então ela passa na minha cidade e daí a Média Sorocabana, por causa da estrada de ferro. Sou de origem paulista, mas também uma mistura de mineiros, por parte de minha mãe e também por parte de meu pai e ascendência longínqua de espanhóis. E na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo foi onde eu comecei os primeiros degraus da minha escolaridade, no grupo escolar. Que saudades da minha primeira professora, dona Guiomar! Toda vez que a gente lembra, dá uma saudade imensa. E na cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, quando criança, aos sete ou oito anos eu já começava a ajudar meu pai no trabalho dele. Meu pai fabricava doces para o sustento da família e já naquele tempo eu procurava dar a minha participação no trabalho dele, ajudando em tudo o que a gente podia.
Pergunta:
Vocês eram quantos filhos?
Resposta:
Nós éramos nove filhos e eu era o penúltimo filho. Depois ainda tivemos a Dalva. Até na idade de dez, doze anos, que aconteceu o término da Guerra Mundial, em 1945, que foi quando nasceu a minha irmã caçula. Naquela época a gente já ouvia pelo rádio todos aqueles problemas da guerra na Alemanha, Itália, Japão.
Pergunta:
O senhor tem lembranças da vida na época da guerra? Tinha alguma intensidade no interior de São Paulo?
Resposta:
Naquela época o exército nacional solicitava a todo povo brasileiro que mantivesse, que fizesse uma certa economia para poder sobreviver. Havia falta de mantimentos naquela época e o prefeito da cidade fornecia quotas para a retirada, ou compras de mantimentos. E também a gente tinha de reservar, guardar muito material, metais, que o próprio exército recolhia para mandar para as fundições da época, no sistema da montagem de máquinas, ferramentas e armas. Então, isso acontecia naquela época. A gente tinha de sobreviver com aquelas quotas de açúcar, de arroz, feijão. Legumes e essas coisas não tinham muito controle, mas cereais a gente tinha uma quota semanal para adquirir nos mercados.
Pergunta:
O senhor começou a trabalhar muito cedo com seu pai?
Resposta:
Trabalhava com ele, ajudava na parte de fabricação dos doces e também ajudava, próximo da minha casa, no outro lado do quarteirão, tinha o que a gente chamava de venda, um empório e também secos e molhados. A gente ajudava esse pessoal. Me lembro dos proprietários, o Sr. Acácio e a dona Gérson. Muita coisa que a gente precisava na escola também eles colaboravam com a gente.
Pergunta:
E como era a escola, como eram as brincadeiras de infância e o relacionamento familiar?
Resposta:
Era muito gostoso naquele tempo. E também naquele tempo o nosso colégio, que era o Grupo Escolar Santa Cruz, eram separados os alunos do feminino e do masculino. Depois que eles resolveram unir, dentro de uma classe, os dois sexos. Antes era separado, mas era muito bom.
Pergunta:
Como vocês faziam para driblar essa separação?
Resposta:
A gente sempre dava um jeitinho. Nos recreios, nos intervalos e nas saídas das escolas.
Pergunta:
O senhor ficou nessa cidade até quando?
Resposta:
Até 1953, 54, por aí.
Pergunta:
O senhor tinha 18 anos?
Resposta:
Mais ou menos essa idade.
Pergunta:
E foram para onde?
Resposta:
Ourinhos. Em Ourinhos meu pai tinha uma melhor chance para produzir os doces dele. Ourinhos era, na época, uma cidade maior do que Santa Cruz do Rio Pardo e mais comercializada, industrializada. Então ficava mais prático para o meu pai trabalhar com a fabricação dos doces que ele fazia.
Pergunta:
A mãe do senhor trabalhava também?
Resposta:
Não. Eram prendas domésticas apenas.
Pergunta:
Além de ajudar o seu pai, o senhor começou a trabalhar na rádio também?
Resposta:
Como eu estava falando nos bastidores, na cidade, na praça da matriz, toda praça de matriz no interior tinha um coreto, onde eram realizadas as retretas de sábado e domingo, com as famosas bandas e depois que aconteciam essas apresentações, o serviço de alto-falantes da praça era controlado por um dos diretores da Rádio Clube de Ourinhos. Terminando a parte de retreta, entrava a parte do serviço de alto-falante musical, com as propagandas locais. Foram feitos testes entre vários elementos e acabei ganhando a posição, naquele tempo a gente falava speaker de rádio. Lembro que o Sr. Lamônica chegou para mim, eu só fazia as apresentações de anúncios, de propaganda e tocava os discos na parte de coreto, que era o serviço de alto-falante. E de lá esse diretor me ouvia e foi quando ele chegou para mim e disse: Geraldo, acho que você pode trabalhar na nossa emissora. Eu falei: Sr. Álvaro, não sei se eu tenho qualidades para isso. Ele falou que tinha percebido o meu sistema de locução comercial, que era bem chamativo e eles percebiam que o pessoal da praça gostava de mim. Eles tinham no serviço de alto-falante uns três ou quatro speakers, então tinham uns famosos, que já trabalhavam há mais tempo e já eram também locutores da Rádio Clube. Aí eu fiquei bastante surpreso com aquilo e honrado por me darem aquela colher de chá para eu ser locutor de uma emissora de rádio e iria transmitir para toda a região. A emissora tinha uma boa potência e ela era sintonizada de trinta a quarenta quilômetros de raio. Aquilo para mim era..., nem me cabia mais de contente. Passei a fazer as apresentações da Rádio Clube. E naquele tempo o locutor tinha de ser locutor, naturalmente fazer leitura de textos, fazer entrevistas com as pessoas que apareciam na cidade, com pendores artísticos, políticos, de qualquer natureza social. A gente tinha de fazer tudo. E também, até na parte de sonoplastia a gente tinha de ter conhecimento, porque na falta de um sonoplasta, a gente tinha de pegar o microfone de um estúdio, levar na mesa e trabalhar como um disc-jockey, usando todos os recursos, porque a programação traz tudo o que a gente tem de apresentar durante o dia, os horários, as partes musicais, as partes de leituras de textos, de noticiários, porque lá no interior a gente usa os recortes de jornais. Isso naquele tempo, porque hoje com a internet a gente não tem mais esse problema. Mas lá a gente recortava todos os textos de jornais, dos principais jornais de São Paulo. Naquele tempo era o Diário de São Paulo, O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo, tinha também o Correio Paulistano e a Gazeta Esportiva, e sem dúvida nenhuma a parte esportiva da cidade era bem atuante. Inclusive nós tivemos um time muito famoso que foi o Clube Atlético Ourinhense, que chegou, não chegou à primeira divisão, mas era da segunda divisão e sempre estava em boa posição.
Pergunta:
O senhor foi locutor esportivo?
Resposta:
Não. Locutor esportivo nós tínhamos um na emissora, que era o Osvaldo Lazzarini, que seria um Osmar Santos daqui de São Paulo.
Pergunta:
O senhor estudou até que série?
Resposta:
Eu interrompi o ginásio lá e só vim fazer o supletivo aqui em São Paulo. No supletivo eu fiz fundamental e médio. Mas, devido a essa minha mudança para Santo André, eu tive de trabalhar. Eu não tinha mais meios de poder atuar no rádio, porque naquela época, para eu atuar no rádio em período integral era difícil porque os salários daquele tempo, se bem que apresentadores de rádio são pagos pelos horários trabalhados, na época eu tinha uns dois ou três horários na emissora, mas separados um do outro, entre duas ou quatro horas, então eu resolvi fazer a coisa funcionar de uma outra forma. Eu trabalhando numa empresa e usando a emissora como se fosse um segundo serviço, para poder sobreviver na época.
Pergunta:
Quando o senhor mudou para Santo André, o senhor estava com qual idade?
Resposta:
Estava com 19 ou 21 anos. Até 21 anos eu ainda estava nessa área de rádio, que foi na Rádio ABC e na Rádio Clube de Santo André. Na época eu comecei trabalhando numa empresa. Meu primo me apresentou na antiga companhia Swifit. Não sei se vocês ouviram falar. Era um frigorífico muito conhecido. Eu comecei trabalhando nesse frigorífico. Não trabalhei muito tempo, mas pelo menos um ano e meio.
Pergunta:
Isso era em Santo André?
Resposta:
Sim. O frigorífico ficava em Utinga. Eu recebi uma proposta para trabalhar como vendedor. Esse tipo de trabalho me chamou a atenção porque sempre gostei desse trabalho mercadológico, vendas, marketing e eu achei que era uma oportunidade para eu começar na área de vendas. E na época, até há pouco tempo ainda existiam, as Lojas Ultralar. Foi o meu segundo trabalho em Santo André. Nessa época, não eram vendedores que trabalhavam nas lojas, mas eram moças que trabalhavam nas vendas de lojas de grande porte, mesmo em São Paulo e em toda parte do ABC. Não tinha vendedor homem. E nessa loja Ultralar eu entrei para trabalhar primeiramente no departamento de crediário para as pessoas abrirem carnês de compras para vendas a prazo. Eu comecei trabalhando nesse departamento, mas o nosso gerente achou que eu tinha tendências para trabalhar em vendas e me colocou como vendedor. Eu fui praticamente um dos primeiros vendedores de loja em Santo André do sexo masculino. Foi nessa loja Ultralar, que ficava ao lado do famoso Cine Tangará.
Pergunta:
O senhor ia ao cinema?
Resposta:
Como eu trabalhava, fazia as pontas na Rádio ABC e Rádio Clube, e, como locutor, a gente tinha acesso aos cinemas gratuitamente. Na rede de cinemas, no Cine Tangará, Carlos Gomes, Roxy, Cinema da Santa Terezinha, Iporanga. A gente sempre tinha as portas abertas.
Pergunta:
Desses, hoje só existe o Tangará e o Carlos Gomes?
Resposta:
O Carlos Gomes foi restaurado.
Pergunta:
O senhor lembra de algum filme que marcou?
Resposta:
Naquele tempo, o que a gente assistia muito eram filmes românticos, “E O Vento Levou”, que sempre quando passava a gente não perdia. Muitos romances, mas os homens naquele tempo gostavam muito de bang-bang. A gente ficava atento. E tinha os seriados, os de quinta-feira e os de sábado. Quando chegava naquela hora boa do filme, eles cortavam e: Volte na próxima semana. Era engraçado. A gente ficava atento àquilo e não esquecia. Que saudade. Tarzan, quando tinha filme do Tarzan, nossa! O cômico mexicano Cantinflas. Na época os filmes brasileiros do Mazzaropi eram imperdíveis.
Pergunta:
Oscarito?
Resposta:
Aquele filme “Carnaval no Fogo”, era uma coisa fabulosa. E era tudo rodado pela Vera Cruz. Anselmo Duarte, aquela turma toda.
Pergunta:
O senhor se casou em Ourinhos ou aqui?
Resposta:
Em Ourinhos. E quando viemos para cá, já viemos com uma filhinha.
Pergunta:
O senhor teve quantos filhos?
Resposta:
Três filhas, Solange, Elaine e Virgínia, as minhas três filhas, agora com três netas, Paula, Fernanda e Juliana.
Pergunta:
E a parte musical? O senhor começou a tocar instrumentos quando?
Resposta:
A parte musical foi desde Santa Cruz do Rio Pardo. O meu irmão mais velho era músico e ele queria, na época, que eu seguisse a carreira de violinista. Ele gostava muito de violino e tinha um professor, Professor Hélio Castanha, que era um virtuose do violino e como ele gostava muito, ele queria que eu seguisse a carreira. Mas como ele tocava bem gaita, eu gostei mais da gaita. Ele falou que se eu fosse optar pela gaita, eu ia ter de aprender direitinho, conforme manda o figurino. Eu comecei aprendendo por teoria musical. Mas quem aprende o instrumento gaita parece que tem a tendência de abandonar a teoria musical e partir para o autodidatismo. A gaita é um instrumento com o qual a gente consegue fazer muita coisa nela, e é tudo ocasionalmente. É um instrumento que oferece essa oportunidade ao solista e ele vai criando muita coisa na gaita.
Pergunta:
O senhor começou a tocar com quantos anos?
Resposta:
Tinha uns oito anos. Só faz sessenta anos.
Pergunta:
O senhor costuma se apresentar nos eventos das rádios?
Resposta:
Eu era convidado para as festinhas de garagem, de aniversário da criançada, nas festas que aconteciam nas escolas. Eu, Geraldo da Gaita, estava sempre presente. Eu fazia isso com uma satisfação tão grande, porque o meu sistema de criação foi um sistema de uma disciplina muito rígida e a gente não podia sair, tinha de estar sempre naquela linha. Meus pais davam a trilha e eu fui criado nesse sistema e até hoje tenho ele comigo.
Pergunta:
O senhor se lembra de alguma música que o senhor tocava nas festinhas? Toca para a gente ouvir.
(Música)
Resposta:
Muitas músicas infantis da época. A gente ia aprendendo e naquele tempo os discos eram aqueles bolachões que quebravam facilmente, de ebonite. Depois é que surgiu o vinil. Mesmo assim meu irmão sempre tinha algumas novidades que ele comprava nas lojas de discos daquele tempo e a gente ia melhorando o repertório. Na época a gente ouvia muito rádio e as emissoras de rádio emitiam muitas músicas sertanejas, nordestinas, sulinas também, aquelas músicas de Porto Alegre, Santa Catarina, que são músicas mais puxadas para o lado germânico e de outras nacionalidades, italianas também. E tudo isso a gente tinha de acompanhar também.
Pergunta:
O senhor tinha um conjunto com o seu irmão?
Resposta:
Em Santa Cruz do Rio Pardo, quando meu irmão saía para fazer algumas serestas, junto com o Professor Hélio Castanha, então eu acompanhava. Era menino, mas o acompanhava naquelas serenatas. Depois em Ourinhos, quando eu montei o Trio Filarmônico, isso já como atuante da Rádio Clube, como locutor, apresentador e também eu tinha esse trio de gaitas, que até estava comentando com a Rita sobre isso, eu era o solista, o Domingos Lucente era o base e tinha o Toninho que era o baixo, o contrabaixo da gaita, que é uma gaita grande, que vocês devem ter visto nas orquestras, uma gaita grande, volumosa. E ele foi treinado por mim, porque quando ele aprendeu também, ele tinha vindo do Sul e ele sabia muito mal o baixo da gaita. Eu treinei o Toninho até ele chegar num ponto... Ele foi removido para a cidade de Blumenau e eu fiquei com meu contrabaixo. Pensei, para eu treinar um outro vai ser difícil. E naquela época então eu tinha muita amizade com o Ary Toledo, ele era solista de violão e ele começava a parte humorística dele, ele gostava muito de fazer imitações do Adhemar de Barros e do Jânio Quadros, que eram os dois políticos que tinham a maior rixa política naquela época. Ele era o nosso elemento da cidade que criava esse tipo de humorismo que também era baseado em alguma coisa que era transmitida pela Rádio Tupy, de São Paulo, que era “Conversa Indiscreta”, que era um quadrinho que tinha num programa da Rádio Tupy, onde um humorista imitava perfeitamente a voz e o sotaque do Adhemar de Barros e do Jânio Quadros. Ele fazia essa conversa indiscreta entre os dois políticos que tinham rixa. O Ary Toledo também fazia, ele era o nosso artista da cidade e ele tocava violão muito bem e foi quando eu pedi para ele se ele podia tomar parte do nosso conjunto, do nosso trio, ele aceito e ficou com a gente um bom tempo. Depois disso ele também foi transportado para os meios artísticos, mas num outro canal. Ele saiu com uma caravana de artistas, fez uma turnê no Norte e Nordeste. Daí aquele sistema que ele falava arrastado, quando era o sistema da música que ele come gilete. Ele partiu para esse lado e depois mesmo de humorista e contador de histórias e anedotas, que faz esse sucesso fabuloso em todo o território nacional. Ele ficou essa parte com a gente até eu sair de Ourinhos, aí ele foi para um caminho e eu vim para Santo André, e estou até hoje.
Pergunta:
Aqui em Santo André o senhor teve um outro grupo musical?
Resposta:
Na época da Jovem Guarda, eu já estava trabalhando na Volkswagen. Estava no departamento técnico de manutenção como programador técnico de materiais elétricos, eletrônicos e eletrotécnicos. Fazia programação para uso interno. Nessa época a gente tinha um colega, o Johan, que tinha quase dois metros de altura, mas o apelido dele era baixinho. Nós formamos um quinteto. Eu tinha o Décio, que era o guitarrista, fazia solo e base, o Fernando, que fazia só base de baixo, o Johan na bateria e o Fernando era também cantor e ao mesmo tempo base e o Galego que era o nosso crooner para músicas da época. Por exemplo, o gênero da música do Roberto Carlos, do Vanderlei Cardoso, Ronnie Von. Até o nosso Fernando, base do quinteto, esse quinteto tinha um nome engraçado, Dois Caras e Três Coroas. O Fernando, o Décio e o Galego eram bem jovens e eu e o Johan éramos mais idosos. Por isso o nome. A gente fazia apresentações em clubes e, naquele tempo, a própria Volkswagen utilizava nosso meio artístico para fazer apresentações no Clube da Volkswagen, em eventos que aconteciam, casamentos dos nossos colegas.
Pergunta:
E qual era o tipo de música que vocês costumavam tocar?
Resposta:
Na época da Jovem Guarda eram as músicas, porque o Roberto Carlos que praticamente puxou todos os elementos artísticos daquele tempo, cantores, músicos, conjuntos. Foram todos seguidores do Roberto. Então, a música que estava em evidência naquele tempo era a música do Roberto. Os conjuntos dos bailes e de toda a periferia de São Paulo eram conjuntos que tocavam músicas do Roberto Carlos, The Rebels, The Jordans. Esses conjuntos que atuavam naquela época também faziam as apresentações em rádios, eles vinham solicitar nas emissoras algumas apresentações, traziam vinil para a gente fazer a divulgação. Os cantores da época também apareciam na emissora. O Roberto Carlos, não tive oportunidade de entrevistá-lo, mas entre eu, o Tadeu Carlos e o José Roberto Siqueira, na Rádio ABC, nós fazíamos um programa do meio-dia até uma e meia, um programa de entrevistas com elementos de rádio e televisão. Nós entrevistamos Toni Campelo, Celi, Regina Célia e vários outros cantores, porque esses eram da Jovem Guarda, aquela música do famoso ie-ie-iê e a música popular brasileira era defendida pelo Osni Silva, Nelson Gonçalves, Orlando Silva. E os que compareciam na nossa cidade, vinham em shows, em cinemas e em clubes da cidade.
Pergunta:
Como era a programação das rádios que o senhor trabalhou? Era uma coisa que tinha nas rádios tradicionais?
Resposta:
Não deixava de ser uma cópia. A capital que dita para o interior tudo o que de bom eles conseguem reunir. Os do interior começam a ficar tão bons quanto os da capital. Lá no interior a gente fala assim: Ai que vontade que eu tenho de ir para São Paulo e aprender aquelas coisas que a gente ouve no rádio, na televisão, nos filmes e tudo mais. É essa sanha, essa vontade. E quando a gente está aqui, que a gente conhece todo esse sistema do pessoal de rádio e televisão, perde aquele afã. É tudo a mesma coisa. É um convívio muito gostoso o rádio, a televisão, os meios artísticos, seja ele de que natureza for.
Pergunta:
Foi nesse programa que vocês comentavam os sucessos da época e liam as cartas dos ouvintes?
Resposta:
Sim, sem dúvida. Essas cartas, na época a gente fazia apresentação de programas conforme os gêneros musicais. Por exemplo, da parte musical do ie-ie-iê, porque era o ie-ie-iê e o la-ri-la-rá. Ainda bem que tinha essas opções.
Pergunta:
O que era o la-ri-la-rá?
Resposta:
Era uma parte de música sertaneja mista com a MPB. MPB sempre ficou mais num nível um pouco mais alto do que os outros gêneros. Mas na época o que predominava em termos de se dar shows, conjuntos e tudo mais, a juventude, isso canalizava a turma do la-ri-la-rá para os programas de rádio que tinham de manhã, que eram programas de música sertaneja. Sempre teve programas de estúdio também, porque não eram apenas de auditório e em estúdio, mas sempre tinha aquele que, passando pela emissora, entrava e ficava lá para conhecer os artistas da música sertaneja. E no horário do meio-dia a uma e meia, que a gente fazia as entrevistas com os artistas do ie-ie-iê, esse horário nós sempre tínhamos um fluxo de pessoas que gostavam do ie-ie-iê. Nós tivemos oportunidade de entrevistar vários elementos nesse horário e era o sucesso da época. A emissora passava a ser ouvida, tanto a Rádio ABC quanto a Rádio Clube, elas tinham praticamente um nível de audiência igual. Naturalmente, havendo essa derivação no campo de música sertaneja, ie-ie-iê e outros. Os programas de música semiclássica, clássica e de variedades musicais, porque naquele tempo também a música americana sempre foi muito ouvida.
Pergunta:
Como eram as audiências?
Resposta:
A música jazz sempre fez muito sucesso, em todas as emissoras de São Paulo, do interior. E mesmo no interior, nós tínhamos um programa de uma hora transmitindo os principais sucessos da música jazz americana, que eram o foxtrote, swing, charleston, os blues. Era tão ouvido esse programa e eles mandavam carta para a gente aumentar o tempo do programa e sempre pedindo novidades musicais. E aquelas que eles ouviam, porque as emissoras de rádio sempre tinham o privilegio de conhecer a música antes de ela ser colocada à venda nas lojas, porque os divulgadores das principais companhias de disco levavam para nós as caixas contendo um número muito grande de discos, desde aquele disco de ebonite, que quebrava facilmente, depois veio o vinil, que entrou o LP, que faziam várias faixas de músicas, até 12 músicas num LP. E nesse tempo, como nós tínhamos as novidades, nós transmitíamos aquelas músicas que chegavam para nós e eles escreviam as cartas solicitando uma música que foi tocada tal dia no programa “Sunset Cocktail” ou “Música do Tio Sam”, ou “Jazz para Todos”. Solicitavam através de cartas todos esses gêneros musicais, não só norte-americanos, mas também as músicas nacionais, as músicas do ie-ie-iê e do la-ri-la-rá, pois também tinha a sua parte nas emissoras de rádio.
Pergunta:
O senhor se lembra dos programas de auditório, como eram, eram bem animados?
Resposta:
Sem dúvida nenhuma. Mesmo na Rádio ABC nós tínhamos um programa que era produzido, e eu me apresentava junto com o finado Valdomiro Voltoline. Ele era o criador do programa. Era um programa de auditório onde ele conseguiu, na época nós conseguimos levantar muitos artistas da região do ABC. Cantores, duplas, trios. E esse programa era engraçado, porque era muito, ele tinha uma boa audiência, tanto no rádio, na audição, quanto no auditório, que ficava superlotado, no Bairro Casa Branca. O título era “O homem é o rei, mas quem reina é a mulher”. Era um programa que tinha uma belíssima audição e o Votoline era um elemento de uma facilidade para trabalhar com o público, com os cantores novos. Ele era um tipo Raul Gil nos programas de hoje. O Votoline, nesse ponto, era muito bacana. E a gente curtia os sábados e domingos nesse programa de auditório, que era muito bom.
Pergunta:
Quais eram os cantores, os artistas da região que se apresentavam nesse programa?
Resposta:
Da época, agora não tenho na lembrança, mas me lembro de um garoto que se sobressaiu nesse programa. Depois parece que ele se mudou de Santo André porque ele foi convidado por uma gravadora, não sei se no Rio. Ele se chamava Jesus Artides. Esse rapaz eu me lembro que se sobressaiu fabulosamente. Era um cantor que tinha uma voz e as músicas, o gênero dele, eram músicas românticas brasileiras. Mas era muito bom esse cantor. E tivemos duplas, que agora não me ocorrem, mas tivemos várias duplas sertanejas que saíram da Radio ABC, da Rádio Clube.
Pergunta:
O gênero que era cantado por cantores daqui era de música sertaneja?
Resposta:
Na época era música sertaneja e a música popular brasileira que era defendida constantemente pelos nossos diretores de rádio. Os nossos diretores, tanto da Rádio ABC quanto da Rádio Clube, isso é uma coisa que nunca deixei de elogiar essas diretrizes, porque eles levavam a coisa muito a sério. Para fazer uma apresentação, para depois ter uma continuidade nos programas de rádio, o elemento tinha de ter um comportamento, um sistema disciplinar muito bom, ou não continuava. Era muito bom. Isso eu achava excelente. Com isso, esses diretores davam muito valor aos elementos que saíam do rádio e ajudavam muito. Da Rádio Clube, o nosso diretor era o Sr. Osvaldo Gimenez e ele deu muita chance a muita gente e o Dr. Roberto Espínola, da Rádio ABC. E também o que acontecia no rádio naquela época, havia um trabalho paralelo com a imprensa escrita, que naquele tempo, era o Newseller. Ainda naquele tempo era da direção do Edson Danilo Torto. Me parece que até hoje o Diário do Grande ABC tem nas diretrizes alguém da família. Era muito bacana isso.
Pergunta:
Vocês recebiam jornalistas lá?
Resposta:
Recebíamos sempre os jornalistas do Newseller e depois do Diário do Grande ABC e de outros jornais, da Folha de Santo André, Folha de Utinga, Folha de São Caetano.
Pergunta:
O senhor lembra das propagandas da época, no rádio?
Resposta:
Sim. Vocês sabem que as Casas Pernambucanas existem desde mil novecentos e bolinha. Casas Jaraguá, Lojas Garbo.
Pergunta:
O senhor se lembra de algum jingle?
Resposta:
Lembro. Agora não me ocorre. Eu tenho isso por escrito em casa, porque dos jingles que a gente apresentava na época, eu sou fã de uma emissora de São Paulo e eles têm dois horários por dia que são os jingles inesquecíveis. E essa emissora transmite. Quando ela transmite, eu nunca esqueço de ouvir porque eu lembro da propaganda que eu apresentava na mesa de som. Quando a gente era o locutor e apresentador, porque naquela época tinha de ser pau para toda obra, a gente pastava, a gente fazia de tudo. A gente tinha do lado direito um suporte que segura os spots, os jingles e, do outro lado, as músicas que eram apresentadas segundo o release. A gente tinha de ficar atendo ao controle do microfone, passando um jingle, terminava e fazia o fundo musical, fechava em BG e em seguida ligava o microfone, lia dois textos. Esses jingles que você está fazendo me lembrar, a gente tocava sempre. O das Casas Pernambucanas, Coca-Cola, Café Seleto, Café do Ponto, Casas Jaraguá, Lojas Evereste. Naquele tempo tinha muita propaganda que algumas das emissoras transmitiam como um fundo musical e outras só com os jingles que a gente recebia das distribuidoras, que fazia os contatos com o departamento comercial. Assim que aconteciam as propagandas.
Pergunta:
A gente está acabando o horário e vou pedir duas coisas. Primeiro que o senhor deixasse alguma coisa registrada nesse depoimento, alguma coisa que o senhor queira deixar guardado para as pessoas que forem assistir a este depoimento sobre a vida do senhor, sobre a sua carreira, que seja importante.
Resposta:
Hoje estou editando um manual para gaita de boca e esse método é o mais prático que consegui trazer até hoje. Eu tenho visto muitos métodos de outros autores, mas a gaita é um instrumento que primeiramente o elemento precisa aprender a gaita, o instrumento. Depois ele pode partir para a teoria musical, entrando numa boa escola de música, ou num conservatório. Mas para ele aprender a gaita, e com as músicas conhecidas que hoje nós temos, é só através desse sistema que estou lançando. Em breve a gente quer colocar no mercado. E também eu gostaria de deixar registrado que se alguém precisar entrar em contato comigo, para alguma apresentação, algum recital, é só fazer contato que prazerosamente farei com muito gosto. E também quero agradecer, de todo coração, a oportunidade que vocês estão me dando. Para mim foi uma surpresa muito grande quando a Carla e o Duílio chegaram na minha casa me convidando para participar desta gravação. Pensei que estava sonhando. Mas aconteceu e, de coração, estou muito grato a vocês todos que me ajudaram nesta entrevista.
Pergunta:
Toca alguma coisinha para a gente ouvir.
Resposta:
Vou tocar uma coisa simples da gaita e depois mostrar uma coisa cromática. Esta gaita pequena é uma gaita diatônica simples e esta é uma gaita diatônica combinada. Esta tem os meios tons à parte e esta não os tem. Com esta só posso tocar músicas limitadamente, simples, sem os meios tons.
(Música)