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Hildebrando Pafundi participa dos movimentos literários de Santo André. Foi jornalista em diversos meios como: Gazeta do ABCD; na sucrsal do ABC da Agência Estado; imprensa do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André; O Estado de São Paulo; Diário do Grande ABC. Corrreio Metropolitano. Cumpriu funções de como repórter, redator, editor, asesor de imprensa. Escreveu e publicou diversos livros.
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, 09 de dezembro de 2004.
Núcleo de Pesquisas Memórias do ABC
Entrevistadores: Priscila F. Perazzo e Luis Carlos Rampazzo Filho.
Transcritores: Meyri Pincerato, Marisa Pincerato e Márcio Pincerato.
Pergunta: Por favor comece falando a data e local de seu nascimento e conte um pouco como foi a sua infância.
Resposta:
Nasci no dia 26 de outubro de 1939, no Bairro Belenzinho, em São Paulo, e por volta de 1942 meus pais mudaram para Santo André, no bairro Vila Assunção, onde morei por vários anos. Em princípio nós fomos morar num núcleo habitacional, que era comum naquela época, chamado cortiço. A gente morou no Cortiço do Gamba, que era o Sr. Virgílio Gamba, que foi o primeiro dono de uma empresa de ônibus, que ligava o Bairro Assunção e a estação de Santo André. Naquele tempo os ônibus se chamavam jardineiras, porque o mais comum na época eram cavalos, carroças, charretes. Tinha poucos carros e ônibus quase não tinha. E as jardineiras foram os primeiros ônibus que ligavam a Vila Assunção a Santo André. Lembro ainda que na época, como era muito comum cavalo, em frente à estação ferroviária de Santo André, tinha um bebedouro para os cavalos. Nós ficamos uns 7 anos morando nesse cortiço, aí meu pai comprou um terreno na Vila Assunção mesmo, na Rua Visconde de Mauá, onde ele construiu a casa própria e onde nós moramos, eu saí de lá com 32 anos, quando casei.
Pergunta: O senhor consegue descrever o cortiço, como eram os cômodos, se tinha muita gente morando?
Resposta:
Os cômodos eram quarto, cozinha e o banheiro era coletivo. Como eu era muito pequeno, não lembro direito, mas acho que eram dez famílias morando. As casinhas eram uma encostada na outra. Não me lembro direito.
Pergunta: A sua família era o senhor, seu pai e sua mãe. O senhor tinha irmãos?
Resposta:
Eu tinha 4 anos e meu irmão tinha 1 ano e pouco. Depois nasceram mais dois irmãos e uma irmã. Meu irmão, o segundo, faleceu. Meu irmão Domingos era barbeiro e morreu num acidente no Rio de Janeiro. Minha primeira profissão, eu comecei a trabalhar com 13 anos de idade, foi como farmacêutico, auxiliar de farmácia. Meu pai queria ter um médico na família e como eu era o mais velho, fui ser médico, mas tive de começar na farmácia, que era um bom começo. Com 13 anos eu trabalhava na farmácia, varrendo o chão, lavando vidros e com 15 ou 16 anos já comecei a aplicar injeção. Na verdade, tinham as cobaias, primos, primas, tias, avó. Primeiro no músculo, depois na veia. Naquele tempo também se fazia muitas fórmulas, como agora, mas naquele tempo era diferente. A gente preparava na farmácia as fórmulas.
Pergunta: Onde era a farmácia que o senhor trabalhou?
Resposta:
Em Santo André, foi na farmácia Santa Luzia. O primeiro dono era o Orlando Ferrari. Teve vários donos. A farmácia ficava na Praça Almeida Júnior. Depois que saí de lá fui trabalhar em várias farmácias. No Ipiranguinha tinha a Farmácia Martins, trabalhei com Ernesto Farias, que era uma pessoa antiga na cidade, era quase um médico. Ele receitava remédios. Tinha o Pedrinho Milaré era também uma espécie de veterinário. Ele gostava muito de cavalos, tinha cavalos, então ele aprendeu a mexer em cavalos, vacas, cachorros. Depois de um tempo cheguei até a comprar uma farmácia em sociedade, mas não deu muito certo, vendi. Fiquei sozinho um tempo, e quando estava quase abrindo falência, resolvi vender e mudar de profissão. Foi quando vendi e trabalhei na indústria metalúrgica. Primeiro na Rhodia, como auxiliar. Fiquei lá uns seis meses.
Pergunta: Como era manipular o remédio naquele tempo, como vocês faziam?
Resposta:
Tinha um equipamento que chamava graus, e outro que não lembro o nome onde a gente socava. Tinha a fórmula que o médico prescrevia ou o próprio farmacêutico criava, xaropes e tal.
Pergunta: E na Rhodia Química como era?
Resposta:
Eu não trabalhava com remédios. Era em outra área. Era química, mas não farmacêutica. Eu fiquei pouco tempo.
Pergunta: O senhor trabalhou na produção ou nos escritórios?
Resposta:
Nos escritórios. Depois fui trabalhar em escritórios de empresas. Trabalhei na General Eletric e na Elevadores Otis. E foi na Elevadores Otis que comecei a escrever.
Pergunta: O senhor foi à escola? Como foi a sua escolaridade?
Resposta:
Comecei a estudar um pouco tarde. Entrei no primário com 8 anos de idade, também na Vila Assunção, no Grupo Escolar Ermínia Lopes Souza. Depois fiz o ginásio em Santo André e depois fiz o antigo curso normal numa escola na Senador Fláquer. Na realidade me formei professor de primário. Aí tentei fazer faculdade, mas desisti porque comecei a trabalhar em jornal e como a jornada de jornalista era de cinco horas, então eu trabalhava em dois ou três jornais e não tinha tempo para estudar. Também foi nessa época, não lembro exatamente a data, que passou a ser obrigatório o diploma de jornalista. Ia ser obrigado a fazer faculdade de jornalismo. Mas quem já estava exercendo a profissão, comprovadamente, registrado em carteira, tinha direito a um registro do Ministério do Trabalho e não precisava fazer faculdade. Então, eu sou dessa época, quando não era obrigado a fazer faculdade. A partir daquela data era obrigatório.
Pergunta: Na sua infância, como eram as leituras, o que o senhor gostava de ler?
Resposta:
Na infância, quando fui do grupo escolar, acabei lendo os livros que eram obrigatórios. Do primeiro livro que me lembro, não lembro do título, mas era um livro de faroeste, que foi o primeiro livro sem ser escolar. Agora, depois que comecei a fazer o curso normal, já comecei a gostar de Jorge Amado, Érico Veríssimo, Graciliano Ramos. Esses livros que gostava e inclusive era obrigado a fazer trabalhos de literatura, eu fazia para mim e para alguns colegas, de graça. Depois comecei a trabalhar em jornal, mesmo sem ganhar nada. Trabalhei na Folha do Povo, que não existe mais, e a gente não tinha uma certa liberdade para escrever o que a gente queria, mas quando Jorge Amado veio para São Paulo lançar um livro dele, eu e um outro amigo, José Marques, fomos a São Paulo especialmente para pegar um livro autografado e para entrevistá-lo. E depois publicamos no jornal. Entrevistamos vários autores, como Lígia Fagundes Teles, José Mauro Vasconcelos e vários outros que estavam lançando livros e a gente aproveitava para fazer entrevistas.
Pergunta: Então, seu envolvimento com a leitura foi mais no curso normal, mas na sua infância nem tanto. Como eram as condições da sua família e o que seu pai fazia?
Resposta:
Meu pai era, quando ele chegou, era soldado e depois que ele deu baixa e veio para Santo André, começou a trabalhar no Armazém Mário Sérgio. Ele entregava mercadorias com uma carroça. De vez em quando pegava carona com ele na carroça de fazer entregas. Naquele tempo não tinha supermercado. Eram armazéns. O Mário Sérgio foi um dos primeiros donos de armazém e meu pai trabalhava com ele. Depois ele foi trabalhar numa fábrica, uma empresa metalúrgica que ficava na Avenida Industrial. Começou a trabalhar lá, estava indo bem, ganhava bem. Ele era montador da fábrica e viajava constantemente. Numa dessas viagens para o Rio Grande do Sul, ele caiu de uma altura muito grande, não tinha muita segurança naquela época, e bateu a cabeça. Quando ele veio para cá, ficou internado muito tempo e acabou morrendo. A queda acabou causando um tumor maligno. Ele morreu com 42 anos.
Pergunta: O senhor era jovem?
Resposta:
Estava fazendo o segundo grau.
Pergunta: O senhor tinha comentando sobre a gravata do seu pai. Conte para a gente.
Resposta:
Meu pai usava uma gravata borboleta, porque ele era muito elegante. Apesar de ser operário, quando chegava sábado e domingo ele colocava terno e uma gravata borboleta. Mas não era dessas gravatas que vendem prontas, mas ele dava o nó. Eu ficava olhando admirado e mais tarde eu fiz uma crônica sobre isso. Quando ele colocava a gravata, a gente sempre ia, em Santo André tinha a Rádio Clube de Santo André, que ficava no Largo da Estátua, e ele me levava lá para assistir aos programas de calouros, programas sertanejos que tinha na época. Mais tarde, quando era já mocinho, eu comprei uma gravata borboleta também, porque queria ser igual ao meu pai. Eu fiquei tentando dar o nó, mas nunca consegui. Acabava saindo sem gravata mesmo. Depois, bem mais tarde, acabei comprando uma gravata pronta.
Pergunta: Como é a crônica que o senhor escreveu para a história da gravata?
Resposta:
O título era A Mágica Elegância de Meu Pai. Aquilo que ele fazia era uma mágica, aquele nó, que numa tira de seda ele transformava em uma linda gravata. E no final eu mesmo acabo comprando uma gravata borboleta, que já vem pronta.
Pergunta: O senhor falou da Rádio Clube, que tinha os programas, o senhor lembra dos cantores, das músicas que tocavam no rádio?
Resposta:
Meu pai gostava muito de música sertaneja, mas era mais Tonico e Tinoco que eram mais conhecidos.
Pergunta: Eles vinham muito ao ABC?
Resposta:
Vinham ao ABC. E tinha também as duplas locais, que não lembro os nomes. Os mais famosos eram Tonico e Tonico.
Pergunta: E as lembranças de ouvir rádio em casa?
Resposta:
A gente ouvia pouco.
Pergunta: E tinha muitos homens que faziam o curso normal com o senhor?
Resposta:
Poucos.
Pergunta: Como era a questão dos homens nesse curso? Como era a relação na escola, a perspectiva de trabalhar como professores, para os homens?
Resposta:
Tinha meia dúzia na época, e três ou quatro que queriam realmente lecionar, outros dois ou três, como eu, a minha intenção era prosseguir o curso e fazer outra coisa, tanto que nunca me formei, só fiz estágio. Minha intenção era prosseguir, ao contrário do que meus pais queriam, não queria fazer faculdade de medicina, mas queria fazer faculdade de filosofia. Mas a vida acabou mudando e acabei não fazendo nem filosofia e nem medicina, mas acabei seguindo o jornalismo. A minha intenção... Era obrigado a fazer o curso intermediário depois do primário e antes da faculdade. Escolhi o curso normal porque era o mais fácil, estava mais à mão.
Pergunta: Foi nessa época que surgiu vontade no senhor de trabalhar como jornalista?
Resposta:
Foi nessa época. Depois, com o jornalismo, a filosofia ficou esquecida. Agora, mais maduro, com um pouco mais de folga, voltei a estudar. Em 1999 ganhei um concurso de contos da Academia de Letras da Grande São Paulo. Eu me inscrevi nesse concurso com um conto chamado Promessa de Vingança. Ele foi publicado pela Academia. Aí eu fiquei entusiasmado. Pela primeira vez vi meu nome num livro. Tinha outros também, mas o meu nome estava lá. Aí conheci o José Antônio Pena, que é escritor e membro da Academia e ele foi o patrocinador do concurso. Ele me mandou 10 livros para eu distribuir para meus amigos e ele ficou sabendo que eu era jornalista e ele me pediu para eu ajudar a divulgar nos jornais que eu conhecia. Como trabalhava num consórcio que tinha a redação de vários jornais, eu pedi para ele mandar mais livros, eu preparei um release para mandar junto com o livro. Saiu em 10 jornais, eu recortei e mandei tudo para ele. Isso foi no final do ano 2000, começo de 2001. Ele falou que ia me indicar como membro da academia. Mas eu não tinha nenhum livro publicado, apenas aquele. Ele falou que eu era jornalista e tinha direito. Ele indicou meu nome. Eu fui enrolando ele e fui participar de concursos de contos. Ele incentivou que eu mandasse contos para vários concursos e eu mandei. Nunca peguei primeiro lugar, mas ficava em segundo, terceiro. O prêmio, geralmente, era a publicação do texto e eles davam 5, 10 livros de brinde. Em 2003, os meus contos começaram a ser publicados e no final de 2003 eu já comecei a pensar num livro. Comecei a bolar a idéia do livro e em setembro de 2004, já tinha 15 contos selecionados e resolvi publicar o livro. Paguei, foi uma produção independente e em setembro ficou pronto. Em 2003, um outro acadêmico, João Bosco dos Santos, também já tinha indicado meu nome para a academia. Falei que em 2004 eu ia aceitar. Acabei tomando posse no dia 26 de novembro agora, na cadeira 21, tendo com patrono José Lins do Rego. O primeiro ocupante desta cadeira foi D. Jorge Marques de Oliveira, e há 15 anos esta cadeira estava vaga. Além de publicar esse livro de contos, eu me comprometi a fazer uma pesquisa sobre D. Jorge Marques de Oliveira, uma pesquisa só na parte literária e cultural. Descobri que ele era poeta e cronista. Ele escreveu várias poesias e crônicas que foram publicadas no Diário do Grande ABC. O Ademir Médici me ajudou muito nas pesquisas e eu apresentei esse trabalho no 7º Encontro de Pesquisadores do ABC. A Fundação Pró-Memória se interessou pelo trabalho e em publicar o meu trabalho.
Pergunta: E esse livro Capitão e Barão, como foi publicar? (Inaudível)
Resposta:
Esse é o primeiro livro que publico sozinho. Esse livro, como tinha vários contos prontos, publicados, com que participei de concursos, como faço parte de vários grupos de escritores, eu lancei primeiro. (Inaudível) Eu procurei uma editora, mas é muito difícil. Como jornalista é uma coisa, mas como escritor, publicar um primeiro livro é difícil. E me aconselharam a procurar uma editora pequena. Eu conheci um escritor, Pedro Borghesi, que tem uma editora pequena que não é estabelecida, tem firma reconhecida, mas funciona na casa dele. Ele falou que emprestava o nome, que faria a contracapa, a nota da editora e facilitaria o registo na Câmara Brasileira do Livro. Eu fiz isso. Paguei 40 reais pelo registro. O que é mais caro é a paginação, a diagramação. A capa foi idéia minha, eu passei minha idéia para a menina e ela fez. Falei que queria uma cidade, uns prédios. Dei a idéia para ela e ela fez a capa, a Aline Polvani. Ela trabalha numa empresa, mas ela fez em casa e cobrou mais barato. O mais caro é a impressão. A mais barata que encontrei foi por 2 mil reais para 600 exemplares. Estou vendendo bem, já fiz um lançamento em Mauá, com vários escritores juntos, entrei no meio, mas cheguei a vender uns 15 exemplares naquela noite. Fui a outro lançamento onde vendi mais 15. Tem várias livrarias de Santo André que têm o livro e estão vendendo. Minha filha também está vendendo alguns. Acho que uns 200 exemplares já foram vendidos.
Pergunta: O senhor coloca nomes fortes nos contos, Violência, A Greve dos Coveiros. De onde vem essa inspiração?
Resposta:
Os títulos às vezes enganam. A Greve dos Coveiros é um título mais humorístico do que outra coisa. Um que tem meio que tragédia e meio que violência é Nova Moradia. Parece uma coisa bonita, mas não é. A Greve dos Coveiros foi isso. Mas Violência é isso mesmo.
Pergunta: Brasil Insólito?
Resposta:
É inspirado em Violência, mas uma coisa mais literária, mais um devaneio. É um conto dentro de um conto.
Pergunta: Qual é a inspiração para o senhor escrever?
Resposta:
Alguns são total imaginação, outros baseados na realidade, mas mudando a realidade. Uma coisa que aconteceu em Santo André eu transfiro para São Paulo e uma coisa que aconteceu em São Paulo eu transfiro para Santo André. Uma Noite de São Paulo é um belo conto romântico. Alguns são românticos, outros são tragédias, outros são trágicos. O mais trágico, quase todos têm um final diferente, mas tem um que se chama Gatos e Ratos que um amigo meu disse que é bem interessante. Apesar de curto, ele tem dois finais. Um é feliz e o outro nem tanto. Você pode ler que você vai achar interessante. É o mais curto de todos.
Pergunta: O senhor sempre trabalha com as cidades?
Resposta:
A minha característica é trabalhar com as cidades, porque onde eu moro, sempre morei na região do ABC, mais precisamente em Santo André, e sempre vivi aqui. Como jornalista cheguei a viajar muito, mas por pouco tempo. Ia fazer o trabalho e voltava e ficava aqui de novo. É a minha convivência, onde eu vivo. Tenho até alguns contos que estou pensando em reunir num próximo livro, sobre um tema único, que são os bailes. Estão em moda os bailes. Ali acontecem muitos contos e dá para a gente inventar bastante. Já escrevi muitos contos sobre bailes.
Pergunta: O senhor pode citar alguns?
Resposta:
Lembro dos bailes do Moinho São Jorge, bailes de formatura que tinha lá, aonde vinha Roberto Carlos, grandes artistas. Naquela época se exigia traje a rigor, mas hoje não. Hoje têm muitos. Só que nesses bailes, apesar de ser da terceira idade, é bem variado. Têm muitos jovens nesses bailes para mais de 60 anos. E mesmo entre os jovens com mais de 60 anos existem muitos casos de amor e muitas brigas por causa de ciúmes. É aí que vou fazendo as minhas histórias, meus contos.
Pergunta: O senhor já escreveu ou ainda é uma idéia?
Resposta:
É uma idéia. Eu tenho uns dois ou três prontos.
Pergunta: E trabalhar com os bailes do passado e os bailes de hoje, dá para relacionar?
Resposta:
Ainda não pensei nisso, mas vou ver.
Pergunta: O senhor gosta de dançar?
Resposta:
Eu gosto. Aonde eu vou, eu danço.
Pergunta: E como o senhor definiria seu estilo de redação?
Resposta:
Eu gosto dos romancistas, como Ignácio de Loyola Brandão, Valfredo Dantas. Acredito que tenho uma influência, uma mistura dos dois. Não que me comparo com os dois, mas meu estilo está próximo dos dois. O Valfredo Dantas é mais puro, mais clássico e o Ignácio de Loyola Brandão, que é paulista, é do interior de São Paulo, os contos dele são mais parecidos com os meus. Eu pego um pouco das tragédias do Valfredo Dantas e um pouco da realidade urbana do Ignácio de Loyola Brandão.
Pergunta: A sua experiência como jornalista ajuda a fazer os contos?
Resposta:
Sim. Muita coisa do jornalismo, as histórias são baseadas em coisas que vi no jornal.
Pergunta: O senhor busca coisas da sua infância para escrever os contos?
Resposta:
Alguns têm algumas coisas, embora modificadas, mas têm alguma coisa de memórias da infância. A Teimosia do Velho Jardineiro, que dedico à minha neta, tem um pouco de memórias.
Pergunta: A sua neta que o senhor acredita que pode seguir os seus caminhos?
Resposta:
Sim. Ela gosta muito de livros. Tudo que eu escrevo ela gosta. Às vezes até coisa que é proibido para a idade dela ela quer ler, porque ela é uma criança.
Pergunta: Quantos filhos o senhor tem?
Resposta:
Tenho um filho com 24 anos, que nasceu no dia 10 de maio de 1980, em plena greve dos metalúrgicos, que eu estava lá apanhando de cacetete da polícia e meu filho nascendo na maternidade. Eu e minha ex-mulher até pensamos em colocar nele o nome de Lula, um personagem com muita responsabilidade, mas preferimos dar o nome de um poeta, Vinícius. A minha caçula foi a Maria Carolina, que é casada, tem dois filhos, Beatriz e Guilherme. E tem a Ana Vitória, que é psicóloga e é solteira.
Pergunta: E nenhum deles seguiu a vocação do pai?
Resposta:
Fora a mais velha que trabalha na Prefeitura de Diadema, meu filho mais novo é técnico de computador.
Pergunta: O senhor acha que a Beatriz tem vocação para seguir o seu caminho?
Resposta:
Acho que tem.
Pergunta: Vamos lembrar do tempo das greves, pelo que o senhor falou. O senhor trabalhava nos jornais e ia fazer as reportagens, escrever e fotografar? Como o senhor começou a trabalhar em jornal? Qual foi a primeira oportunidade que aconteceu?
Resposta:
O primeiro jornal em que trabalhei, sem ganhar nada, foi a Folha do Povo, de Santo André. Foi um jornal que foi famoso, chegou a ser diário e depois passou a ser semanal. Foi em 1963 e eu tinha uma coluna onde escrevia sobre teatro, cinema, cultura. Nessa época de 1963 eu também comecei a entrevistar escritores.
Pergunta: A primeira experiência do senhor foi numa empresa?
Resposta:
Foi na Elevadores Otis, um jornal interno. Não tenho guardado e não lembro o nome, mas eu colaborava, escrevia lá.
Pergunta: O senhor trabalhava no escritório?
Resposta:
Sim. Fazia mais como lazer. Eu contava coisas que aconteciam no clube. O pessoal gostava, elogiava e isso começou a me despertar. Quando inaugurou a Folha do Povo, eu fui lá para colaborar e comecei a escrever. Lembro que o Paulo Zing, que foi um dos primeiros fundadores da Academia do Livro de São Paulo também trabalhou aqui. Eu escrevia sobre teatro, cinema, bailes. Depois escrevi para um jornal chamado A Ação, e que era popular. (Inaudível) Mas esse jornal teve pouca divulgação. Em 1964, na época da ditadura militar, eu voltei para a Folha do Povo.
Pergunta: Quando o senhor escrevia para a Folha do Povo, o senhor tinha remuneração?
Resposta:
Não tinha remuneração nenhuma.
Pergunta: O senhor entrou como colaborador?
Resposta:
Sim. Fiz a primeira coluna e começaram a publicar.
Pergunta: Quais eram os temas que o senhor abordava?
Resposta:
Fazia comentários em geral sobre cinema. Agora não lembro. Era cinema, teatro, comentava sobre os bailes que tinha nos clubes, Primeiro de Maio, Aramaçan. Escrevi também na Tribuna Popular por pouco tempo. Fiquei de 1963 até 1968 só colaborando com jornais, escrevendo sem ganhar nada.
Pergunta: Mas o senhor tinha um trabalho fixo?
Resposta:
Era na Elevadores Otis. Em junho de 1968 surgiu uma oportunidade, uma vaga no Diário do Grande ABC, quando o diretor era o Fausto Polesi e ele perguntou se queria trabalhar, se tinha experiência. Falei que tinha experiência em jornal semanal. Eu fiz uma reportagem sobre os trens. Entrevistei o chefe da estação, os passageiros. Ele achou interessante me contratou. Fiquei lá até fevereiro de 1969. Já estava com bastante prática e já conhecia muitos jornais, então entrei na sucursal de Santo André do jornal O Estado de São Paulo. Conhecia uma pessoa lá e fui trabalhar no Estadão. Aí comecei a trabalhar com vários temas. Como era uma sucursal, tudo interessava. Trabalhávamos eu e mais duas pessoas para fazer toda a cidade. Na época a Pirelli estava em evidência, tinha um lutador de boxe famoso. Tinha notícias de polícia, de crimes. A gente acabava fazendo tudo.
Pergunta: O senhor cobria? Ia lá fazer a reportagem, escrevia o texto e entregava no jornal?
Resposta:
No Estadão a gente usava a viatura, como a gente chamava, para ir aos lugares fazer a reportagem. A gente escrevia. O chefe de reportagem era Paschoal Rasquete, um economista famoso. Ele vinha na sucursal na hora do almoço e já olhava as notícias que tinham acontecido na manhã. Ele aprovava e à tarde a gente passava para São Paulo por telex ou telefone. Mas aí já ia pronta para São Paulo.
Pergunta: Isso foi no final da década de 60, lá por 1968, depois do AI-5?
Resposta:
Em 1970 eu voltei para o Diário do Grande ABC. Eu continuei no Estadão e voltei para o Diário. Eu trabalhava de manhã no Estadão e à tarde no Diário.
Pergunta: Quando um jornal tinha a sucursal no ABC, o senhor já tinha saído do outro emprego, já trabalhava com jornalismo. E nessa época existia alguma censura interna por causa da situação em que o país vivia ou vocês já sabiam como funcionava e evitavam certos temas?
Resposta:
A gente sabia como funcionava e procurava não escrever, escrever de uma forma que não pegasse. A censura era feita em São Paulo. Havia uma censura interna na própria diretoria para saber o que iam imprimir ou não. O que não desse para imprimir, a redação cortava e mudava. Em São Paulo, como nunca trabalhei lá, mas sei que tinham pessoas da polícia que liam todas as matérias, se eles achavam que ofendia o regime militar, eles cortavam.
Pergunta: O senhor se lembra de alguma matéria do pessoal do ABC que tenha sido barrada?
Resposta:
Não teve.
Pergunta: E nesse tempo todo o senhor passou por vários jornais na década de 70, como era a ditadura sobre o jornalismo em geral, que resistia mais, como era essa relação com a ditadura?
Resposta:
Eu vivi muito à parte do ABC no final dos anos 60. A gente via muita prisão de metalúrgicos. Manifestação no Paço Municipal era proibido e lá no Estádio da Vila Euclides também. Aí iam para a Igreja Matriz. Ali eu cansei de correr da polícia. Só que eu nunca fui preso.
Pergunta: E depois como eram selecionadas as fotografias do que era publicado?
Resposta:
A gente mandava o filme para São Paulo e lá eles revelavam e publicavam.
Pergunta: O senhor não tinha nenhuma interferência, era só tirar a fotografia? Depois que o senhor via o seu trabalho?
Resposta:
A gente mandava para o laboratório de São Paulo e eles selecionavam as melhores.
Pergunta: Os jornais colocavam seu nome?
Resposta:
Colocavam como jornalista e como fotógrafo.
Pergunta: O senhor tinha alguma proximidade com o pessoal do Sindicato dos Metalúrgicos?
Resposta:
Do (sindicato) de Santo André eu fiz muita amizade com os diretores, cheguei a trabalhar no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André como jornalista, de março de 1987 até janeiro de 1988. Eu fui assessor de imprensa no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, Mauá e Ribeirão Pires.
Pergunta: O senhor participou da formação do PT?
Resposta:
Não. Sou filiado ao PT, mas entrei depois da fundação. Em 1988 fui candidato a Vereador, mas não me elegi.
Pergunta: Quando foi o seu último trabalho em jornal?
Resposta:
Trabalhei na Gazeta do ABCD até 1994.
Pergunta: Queria que o senhor falasse do que o senhor faz hoje em dia.
Resposta:
Atualmente trabalho como assessor de imprensa do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Estou lá desde 1996 com assessor de imprensa. Em 1999 começou a circular esse jornal Informativo do Grande ABC, onde sou produtor e faço toda parte de textos e dou idéias na parte de diagramação.
Pergunta: Nós estamos acabando. Para encerrar, gostaria que o senhor deixasse uma mensagem ou lesse um texto de sua autoria.
Pergunta: Vou ler um conto que se chama Gatos e Ratos. "A noite surgiu negra e tenebrosa enquanto o gato negro dormia no quarto branco, onde havia um rato preto e uma ratazana branca igual a essas utilizadas para pesquisas e experiências de laboratório. O rato preto gostou da rata branca e ela também gostou do parceiro, prova que entre os ratos não existe qualquer preconceito racial ou de cor, como costuma ocorrer em alguns países, entre os seres humanos. Os ruídos de amor dos ratos, parecidos com os de um casal de javalis, acordaram o gato preto que miou contra a noite sem estrelas. Um miado grosso, porém carinhoso, chamando a companheira. Depois do ato sexual, o gato e a gata, que também não tinham preconceito de cor, jantaram o casal de ratos."